Uma semana em Macau

Chega ao fim uma semana (a)típica(??) em Macau.
Uma semana que começou com a divulgação dos resultados da autópsia, realizada em Portugal, ao cadáver do jovem Luís Amorim.
Resultados assustadores, que apontam claramente no sentido de o jovem Luís Amorim ter sido vítima de um crime bárbaro, afastando a tese do suícidio que, muito apressadamente, foi divulgada em Macau e que conduziu a um meteórico arquivamento do processo.
Não é possível imaginar a dor, o sofrimento e a revolta dos pais.
A questão que permanece no espírito de todos, prende-se com saber quais serão as consequências da luta incansável que os pais da vítima têm travado no sentido de perceberem exactamente o que se passou com o seu filho.
Estes factos novos vão conduzir a uma nova investigação, ou, como os primeiros sinais parecem indicar, não vão ter influência nenhuma nas convicções formadas em 2007?
E, pergunta inevitável, porque razão tão obstinadamente se nega a possibilidade de aprofundar a investigação então realizada?
Uma semana em que, uma vez mais, os Serviços de Saúde, em especial o Hospital Conde São Januário, estiveram debaixo de fogo.
A reportagem que a jornalista Vanessa Amaro assina nas páginas da edição de hoje do jornal Hoje Macau também não nos deixa ter um sono tranquilo.
Pessoalmente, e porque é justo que o refira, sem duvidar do que é apontado na supracitada reportagem, e no que se ouve amiudadamente em Macau, tenho de deixar um testemunho de grande gratidão aos profissionais do Hospital Conde São Januário.
No dia 21 de Maio de 2008 fui submetido a uma intervenção cirúrgica no hospital e fiquei internado cinco dias em recuperação.
Já o referi publicamente várias vezes, repito-o agora - por parte do pessoal médico, do pessoal de enfermagem e auxiliar, foi-me prestado um serviço excepcional, uma atenção e um cuidado fantásticos, os quais nunca poderei convenientemente agradecer.
Não posso colocar em causa os testemunhos de terceiros.
Mas é justo que deixe o meu também.
Ainda assim, também não ignoro que a RAEM poderia oferecer um serviço de excelência na área da saúde a todos os utentes, o que só não acontece por nítida inércia política nesse sentido.
Mas sinto a necessidade de deixar também o meu testemunho de gratidão aos profissionais do Hospital Conde São Januário que me deram algo que não se pode agradecer - qualidade de vida.
A semana fica ainda marcada pela continuação de mais um julgamento paralelo ao processo que levou o anterior titular da pasta das Obras Públicas à prisão.
O que se tem assistido neste julgamento é apenas uma continuação da novela de mau gosto que foi o julgamento de Ao Man Long.
Contradições em cascata, a admissão de comportamentos que só têm uma explicação - puro servilismo, obediência cega, acrítica, uma total ignorância do que é o dever de obediência que impende sobre os trabalhadores da Administração Pública.
Esse dever deve ser entendido (é o que a doutrina e a jurisprudência ensinam) como a obrigatoriedade de seguir ordens que sejam transmitidas por superior hierárquico, formalmente, em cumprimento das funções do servidor público, desde que não impliquem a prática de crime.
O que tem sido transmitido em Tribunal, na sequência do que já acontecera no processo que levou à condenação de Ao Man Long, é exactamente o oposto.
As ordens eram transmitidas informalmente, eram ordens que envolviam procedimentos de legalidade altamente duvidosa (estou a ser simpático....), as quais, muitas vezes, os destinatários nem sequer tinham a certeza de onde provinham, mas que, ainda assim, eram obedecidas sem mais.
Porquê?
Uma das passagens do julgamento, citada pelo jornal Ponto Final, é particularmente elucidativa para se perceber a razão - "Os técnicos obedecem cegamente ou obedecem criticamente e, havendo algum problema, comunicam-no?" perguntou um dos advogados. Resposta da testemunha - "Havendo indicação superior, nunca pensei nisso."
Se há indicação superior, ainda que não se saiba muito bem de quem, e ainda que o procedimento a adoptar seja altamente criticável, e possa implicar, em última análise, a prática de um crime, obedece-se em silêncio.
É esta a cultura que se quer instalar na Administração Publica em Macau?
É este o espírito que se quer que o servidor público tenha?
É esta a tão apregoada harmonia?
Ficam as dúvidas.
Para que a semana não terminasse sem maior perplexidade, temos agora o apetitoso episódio protagonizado pelo académico chinês Xu Chongde.
Alguém que é tido como especialista na análise da Lei Básica, e que, nessa qualidade, é convidado a intervir num seminário em Macau, poderia publicamente apelar ao seu incumprimento?
Terá Xu Chongde dito que seria preferível a legislação da RAEM afastar-se da matriz portuguesa que a caracteriza, para se aproximar da matriz chinesa, com tal afirmação incitando à violação da Lei Básica e da Declaração Conjunta?
Ontem era assim.
Hoje já não é.
Hoje, tudo não passou de um erro de tradução.
Algo que, muito francamente, vai sendo utilizado com alguma frequência, e conveniência, em Macau.
Não se mata o mensageiro, mata-se o tradutor.
Mas, neste caso, até será preferível que tenha se tenha tratado de um erro de tradução.
"Recados" destes, ainda que não correspondam à vontade dos dirigentes em Pequim, deixam-me sempre inquieto.
Muitas razões para não ter um sono tranquilo, um fim-de-semana repousado.
E não são os anúncios de um novo recorde de receitas na área do Jogo, ou das coelhinhas da Playboy que aí vêm, que me tranquilizam.
Uma mão cheia de mel e uma mão cheia de m**da, não é?

Comentários

  1. Cá como aí, permanecem insondáveis os mistérios dos meandros da justiça.

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  2. Foi uma semana estranha, Carlos.
    Muito estranha.

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