Recordando Rosa Lobato de Faria
Mazelas
Aos 77 anos, como é natural, aparecem-nos todas as mazelas.Insignificâncias,uma dor aqui, uma dor ali, nas costas, na perna, na cabeça, uma pequena coisa na pele, na unha, no olho.
Não ligo nenhuma.
Porque a minha pior mazela é não acreditar que tenho 77 anos.
Eu bem me farto de dizer aos quatro ventos a minha idade para ver se interiorizo esse facto,mas, por dentro, estou na casa dos trinta, vá lá quarenta,e não passo daí.
Setenta e sete anos? Que louura!
Tenho sempre tanta coisa para fazer, para acabar, para ler, para escrever,tanto lugar para visitar. Tanto Museu para ver e depois as mazelas - aí!-,mas vou, porque tenho trinta anos e, evidentemente, tenho que ir.
Não tenho a noção de ser uma senhora velha. Digo "estava lá uma velhota",ou "imaginem que uma velha"...Estou a falar de pessoas provavelmente mais novas do que eu, mas não me enxergo.
Até quando irá durar esta idade subjectiva que não me deixa envelhecer tranquilamente.
Só quando me oferecem o braço (já caí na rua e parti a perna, mas nem assim...),quando não me dirigem galanteios(que estranho!),acordo para a realidade,aí, é verdade, tenho 77 anos, que maçada...
Ultimamente, tive (ou tenho, ainda não percebi)cancro de mama. Como acho que Deus não me ia mandar esta doença só para me chatear, abri uma campanha de sensibilização(televisão incluida), para que as mulheres façam mamografias.
Transformei a porcaria da doença numa coisa positiva.
Passei os trâmites habituais operação, radioterapia, etc. tudo pacífico.
Ainda por cima , o médico disse-me que era pouco provável que o cancro me matasse, porque, na minha idade, as células já não são o que eram...
Aí, sim?
Tenho 77 anos, que alegria!
Um dos últimos textos assinados pela Rosa Lobato Faria
Revista Women's Practice
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