Quem anda a tramar Manuel Alegre?

Declaração prévia - não sou, nunca fui, e nunca serei, apoiante de Manuel Alegre enquanto candidato à presidência da República.
Manuel Alegre pode ser um bom tribuno, tem dotes de oratória raros e reconhecidos, um timbre e uma colocação de voz excelentes, escreve muito bem.
Tudo qualidades que lhe permitem ser figura de destaque a nível parlamentar.
Mas não tem, na minha opinião, o mínimo de aptidão para exercer um cargo em que lhe seja exigível algum sentido prático.
Manuel Alegre é um idealista, um sonhador.
É alguém que não realiza, que só imagina.
E não é isso que espero de um governante, mesmo de um Presidente da República em Portugal, com as limitações constitucionais conhecidas ao exercício do seu poder.
Dito isto, não posso deixar de manifestar a minha estranheza com o facto de, logo após o anúncio formal da sua candidatura, ter começado a receber inúmeros mails, ter visto artigos na imprensa e posts nos blogues, cujo traço comum é retratarem Manuel Alegre como um mentiroso compulsivo, um sacrista, alguém que tem um passado macabro, marcado por traições, manobras obscuras, um vilão torpe.
Não conheço pessoalmente o cidadão Manuel Alegre.
Como tal,  não sei até onde chega a verdade, ou a mentira, de todas estas afirmações. 
Mas há uma série de dúvidas que me atormentam - este não é o mesmo Manuel Alegre que foi várias vezes eleito deputado? Que exerceu inúmeros cargos públicos? Que faz parte integrante, e de forma continuada, da vida pública portuguesa, pelo menos nos últimos 36 anos? Que se apresentou a sufrágio nas últimas eleições presidenciais e que conseguiu o célebre milhão de votos? Então, só agora, depois do anúncio de nova candidatura presidencial, se descobriram todos estes esqueletos no armário?
O timing deste macabro achado, e da divulgação das notícias(?) é, simultanemamente,  muito estranho e muito conveniente.
Seja-me então permitido retirar as minhas conclusões acerca daquilo que me é dado observar.
Manuel Alegre é, para o PS de Sócrates, uma espécie de furúnculo incómodo e que tarda a desaparecer.
O PS não gosta deste Manuel Alegre, e Manuel Alegre não gosta deste PS.
O PS gostava do poeta, do bardo.
Não gosta do militante que contesta a direcção do partido, a linha de pensamento que o partido segue, que não respeita o presidente do partido, que não lhe reconhece valor nem capacidade, e que manifesta estes sentimentos de forma aberta e em público.
Não gosta especialmente do militante que, ao colocar-se em campo, limita a margem de manobra ao partido.
Nas últimas eleições presidenciais, a candidatura de Manuel Alegre foi encarada com sobranceria, e até algum despeito, pelo PS.
Quando as estruturas do partido se aperceberam da real dimensão do fenómeno Alegre, já era tarde demais.
O resultado é de todos conhecido - uma vitória de Pirro para Alegre, a par de uma enorme humilhação para o PS e para o seu fundador, Mário Soares.
Manuel Alegre ficou convencido (ingenuidade pura e típica de um sonhador) que seguraria o apoio do PS nas eleições que se aproximam.
Sem Soares na corrida, com a esquerda (Bloco de Esquerda, logo à partida, e PCP numa eventual segunda volta) federada em volta de si, Manuel Alegre julgou que estava a apresentar as credenciais suficientes para ser o candidato da esquerda e a obrigar o PS a aceitar essa inevitabilidade.
Mais uma ilusão.
O PS estrebucha e procura, de todas as formas, não apoiar Alegre.
Mas também não quer apresentar um candidato na corrida contra Alegre porque o milhão de votos do poeta assusta as cúpulas do PS, pouco dispostas a sofrer nova humilhação às mãos do militante rebelde.
Solução?
 A óbvia, isto é, levar Manuel Alegre a afastar-se "voluntariamente" da corrida presidencial, desistindo da sua candidatura.
Só assim consigo compreender este fervilhar noticioso, esta caracterização de Manuel Alegre como uma figura diabólica, a qual só foi descoberta depois de Manuel Alegre  regressar dos Açores como candidato (oficial) às próximas eleições presidenciais.

Comentários

  1. Tens muito razão no que aqui observas sobre o enguiço do PS mas parece evidente aos olhos de todos que ele não tem condições p/ vencer o Cavaco. Isso significa dar de bandeja a reeleição a Cavaco. Os ataques fazem parte do combate politico. Gostava de ver alguma declaração que o Soares tenha feito a esse propósito.

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  2. Cavaco, para ganhar as eleições, só tem que permanecer quietinho.
    Os adversários(?) estão a assegurar-lhe a reeleição.
    Que eu saiba, Soares ainda não disse nada sobre o assunto.
    Publicamente, é claro.
    Abraço

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  3. Caro Pedro,
    Compreendo o seu bem elaborado post e, como já reparou nos meus blogs, estou muito próximo da sua sensata opinião. Convém raciocinar friamente sem nos deixarmos arrastar por argumentos sobrevalorizados, com finalidades não confessadas.

    Sobre este tema recebi um e-mail a alertar para essa manobra, mas atribuída a Mário Soares (talvez, neste ponto, Soares e o PS estejam sintonizados):

    Quanto às suas ideias sobre o Ultramar elas são e foram iguais às do Mario Soares e tantos outros. O Soares entregou o Ultramar, foi do PCP e ninguém o acusa disso.

    Andar agora a atacar o Alegre só pode servir a raiva cega de Mario Soares que está a fazer tudo (inclusive fabricar um candidato proveta) porque nunca perdoou a Alegre o facto de este ter tido mais votos que ele nas ultimas eleições presidenciais.

    Esta parece ser uma razão lógica porque de repente, 50 anos depois de ele ter feito a tropa e mais de 30 depois do 25 de Abril, é que se vem agora com as histórias do comportamento do Alegre na Guerra do Ultramar.

    Convém que as pessoas não se deixem instrumentalizar pela estratégia dos ódios de estimação do Mario Soares.

    Um abraço
    João
    Do Miradouro

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  4. Exactamente, caro João.
    A mão invisível que anda a manobrar estas "novidades" é bem provável que seja essa mesmo.
    Estou perfeitamente distante de ambos pelo que acho que consigo ser frio e racional ao analisar este caso.
    Eleições ganham-se com ideias (sou um romântico), não com manobras de bastidores.
    Um abraço

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