Retrato de uma geração rasca?
"Não querem saber muito de política. A maioria deles só fala em dinheiro e nas receitas que obtém, querem comprar motas, carros e uma casa. Em Hong Kong há participação política, os movimentos estudantis lá começaram no início dos anos 70. Aqui nunca houve nada. A comunidade é calada e os estudantes são formatados desde a escola à universidade, vivem dentro de um quadrado cercados de tudo o que se passa em volta. As redes sociais servem para mexericos, não há discussões políticas, fala-se em dinheiro."
É este o quadro, negro, da juventude de Macau que Larry So, professor da Escola de Administração Pública do IPM, pinta em entrevista a Joana Freitas e Virginia Leung, publicada hoje nas páginas do jornal "Hoje Macau".
Leio a entrevista com todo o interesse.
Mas também com um sentimento de profundo desalento e preocupação.
Interesse, porque Larry So é uma voz firme, um homem livre, que não está ancorado a algumas elites dominantes e que tem a coragem de dizer o que sente e pensa.
E porque, quase sempre, as suas análises, do ponto de vista político e sociológico, são excelentes.
Exactamente o que acontece nesta entrevista.
E é precisamente essa excelência e assertividade, do pensamento e do discurso, que dá origem ao desalento e à preocupação que acima mencionei.
Desalento, enquanto cidadão e residente permanente da RAEM, ao ver (mais) uma geração perder-se nestes caminhos espúrios, sem que haja capacidade (e vontade?) de alterar um rumo há muito detectado.
Preocupação, enquanto pai, por verificar que tenho que ter um cuidado extra na educação das minhas filhas para não as deixar enveredar por este caminho de dondocas onde vejo, todos os dias, desembocar tantos jovens.
Infelizmente, tudo o que Larry So refere corresponde inteiramente ao que verificamos à nossa volta.
Há excepções, como é óbvio.
Mas é disso mesmo que se trata - excepções.
A regra, mostra-nos uma geração profundamente egoísta, materialista, inculta, que limita os seus horizontes culturais a um espaço geográfico muito restrito (Hong Kong, China, Japão, Coreia, Taiwan), mesmo esse também muito circunscrito (vedetas do canto-pop, de novelas televisivas e filmes de acção), cuja vida pública e vícios privados são tantas vezes objecto de culto.
Uma geração sôfrega, que se preocupa, cada vez mais, em ganhar muito dinheiro e muito depressa.
E que acaba por não viver verdadeiramente a sua juventude.
Esta estranha forma de vida, para citar Amália, dá origem a adultos infantilóides, esquizofrénicos na sua busca incessante por mais e mais bens materiais, com uma formação ética e moral altamente questionáveis.
A sociedade, e a escola, formataram-nos assim, como afirma Larry So?
Sim, é verdade.
Mas, há que o dizer claramente, os pais abstiveram-se de intervir neste processo de formatação.
Ausentes da vida e da educação dos filhos, foram eles os primeiros a erguer a bandeira do enriquecimento glorioso e dos arquétipos de sucesso baseados apenas no recheio das respectivas bolsas.
A expressão "geração rasca", tão em voga noutras partes do Globo, chegou em força a Macau.
Quero acreditar que ainda não é tarde para a afastar do léxico e da prática quotidianos.
Assim haja vontade e talento para o fazer.
Caro Pedro
ResponderEliminarEm jeito de anedota, uma realidade. É sempre fácil pensar que o trabalho dos outros é que é fácil.
Abraço
Um retrato perfeito feito pelo Larry So.
ResponderEliminarAbraço
a entrevista e do Hoje Macau e nao do Ponto Final.
ResponderEliminarRodrigo,
ResponderEliminarUma ausência de valores que aflige.
Abraço
Hugo,
Mais um, Hugo, mais um.
Larrry So é um dos melhores analistas em Macau.
Abraço
Anónimo,
Tem toda a razão.
Foi lapso meu,
Vou já corrigir.
O que se pode esperar num local onde o nepotismo primário tem prioridade sobre reconhecimento do mérito?
ResponderEliminarE penas que cá pelo burgo continental português as coisas são muito diferentes???
ResponderEliminarA grande diferença é que os jovens cá nem se preocupam em ganhar muito dinheiro... apenas em que os pais lhes paguem tudo, abdicando muitas vezes de "viver" para sustentar os prazeres e vícios dos filhos, para lhes dar tudo aquilo que muitas vezes eles próprios não tiveram... e política? que é isso?? quanto muito ser da associação de estudantes, mas é para organizar viagens de finalistas (desde o 9º ano!) e "comer" umas miúdas... preparam-se bem para o futuro
Anónimo,
ResponderEliminarEu esperava, e ainda tenho esperança, uma educação de excelência.
Há dinheiro para isso a rodos.
Falta o mais importante - vontade e capacidade.
Nanny,
Vou-lhe dar um exemplo do que é a loucura desta malta por dinheiro.
Quando fiz o meu mestrado, metade da turma era composta por garotos chineses acabadinhos de se licenciarem.
Nos "vintes".
Que tinham uma quota especial de ingresso ao abrigo de um protocolo com a China continental.
Um dia, o meu orientador de tese foi jantar com eles.
E perguntou-lhes porque é que estavam em Macau a fazer o mestrado.
Ele estava à espera das respostas clássicas - melhorar os conhecimentos, alargar horizontes, conhecer novas pessoas, outras culturas.
Ficou perturbado quando eles, em coro e em histeria, começaram a gritar - "para ganhar dinheiro, para ganhar muito dinheiro!!"
Ele contou-me isto genuinamente perturbado e desiludido.
Mas percebeu logo ali onde estava e com quem estava a lidar.
É triste, acredite.
É triste mas é a realidade. E assim as pessoas crescem realistas, cientes de que ganhar dinheiro é aquilo que acreditam garantir-lhes satisfação.
ResponderEliminarPor cá a coisa não é muito diferente apesar do espectro do desemprego e da incerteza. Não será certamente uma questão de latitude.
Mais uma prova de que deixámos o noso ADN em Macau, Pedro
ResponderEliminarFireHead,
ResponderEliminarÉ aflitivo, doentio.
Estes jovens, e alguns menos jovens...., são vazios.
Só pensam realmente em dinheiro.
Enjoa.
Carlos,
Neste particular, somos muito "saudáveis".
A aflição desta gente com a porcaria do dinheiro vem desde a meninice.
Nunca são verdadeiramente jovens.
E, por via disso, passam a ser meninos quando deviam ser homens.