VELHO!!! (Crónica verídica de Ary Franco)
(Com um abraço especial para o Prof. João Paulo de Oliveira que me deu a conhecer esta pérola)
Dia 24 de novembro do distante 2011, um dia antes de meu aniversário, quando alcancei meus 78 anos de idade, vencia-se a validade da minha carteira de habilitação para dirigir veículos. Lá fui eu ao DETRAN levando minha filha mais nova a tiracolo.
_ Bom dia, disse cumprimentando uma das recepcionistas.
_Bom dia, respondeu-me ela. Em que posso servi-lo?
_Quero saber sobre os procedimentos a tomar para renovar minha carteira de motorista.
_O sr, está com a antiga aí?
_Sim!
E comecei a procurá-la na minha capanga. Como demorei mais de dois segundos para achá-la, minha filha, falou-me para deixar que ela procurava. Entreguei-lhe a capanga.
A partir daí, “fiquei de lado”. A carteira foi entregue à moça, fez umas anotações numa ficha e pediu que minha filha desse o meu CPF e a minha carteira de identidade.
Com desprendido estoicismo atrevi-me a dizer os números de ambos de cor. Recebi de volta da moça um piedoso sorriso de soslaio e ela copiou os números depois de estar de posse dos documentos entregues pela minha filha.
_ Por causa da idade, ele está dispensado de pagar o DUDA e só precisa tirar uma foto. Qual o melhor dia para marcarmos?
Minha filha perguntou:
_Pode ser quinta-feira à tarde?
_l6:30h está bom?
_Está ótimo!
_Então é só isso, ele vai ter que pagar na hora R$52,00 pelo exame de vista.
EI! EU TÔ AQUI! PENSEI INDIGNADO! SILENCIOSAMENTE! MUDO!
Minha filha guardou os documentos de volta e entregou-me a capanga. Calado, dirigi de volta pra casa e pensando: por que um simples detalhe etário me torna velho? Sou um jovem, sinto-me jovem dentro desta carcaça aparentemente velha, bolas!!! Se tivesse recursos financeiros, uma plástica ajudaria bastante!
Quinta-feira à tarde:
_Boa tarde! Vim fazer o exame de vista e tirar minha foto.
_Boa tarde! O sr. está com o protocolo do agendamento?
_Sim! Está com a minha filha, ela preferiu ficar com ele, com medo de que eu o perdesse ou esquecesse onde tinha guardado.
_Pronto, aqui está!Disse triunfante, minha filha.
_Obrigada, é só aguardar um pouquinho. Tem 5 pessoas na frente mas ele será logo atendido. Idosos têm preferência no atendimento.
Enquanto isso, entregaram-me uma ficha para ser preenchida e a moça disse-me, mui carinhosamente:
_Qualquer dúvida é só perguntar, viu?!
Irado, sentei-me naquelas cadeirinhas de colégio e preenchi tudo em menos de dois minutos e assinei. Todos que lá estavam quando cheguei, ainda estavam às voltas com o preencher de seus questionários. Levantei-me para entregar à moça a ficha preenchida e ela, sem ver, disse-me:
_Pode sentar-se lá que eu já vou lhe ajudar.
_Mas eu já acabei!
_Já?! Deixa eu ver aqui. Pareceu-me incrédula. Puxa, que rapidez... e ta tudo certinho, parabéns! Agora, o sr. vai tirar a foto, ali atrás daquele biombo.
Ironicamente, perguntei pra minha filha: Você não quer tirar a foto, no meu lugar? Pode ser que eu não saiba...
_Ah! Pai! Vai logo e vê se não faz gracinhas, comporte-se!
Fui pra traz do tal biombo e quem vejo. Uma linda morena, de olhos verdes.
Na juventude de seus 46 anos, mais ou menos...
_Boa tarde! Sente-se, por favor, mas não mexa na “cadeirinha”, ela já está na posição exata para o seu “retratinho” ser tirado.
_Bolas!”Cadeirinha”, “ retratinho”???!!!
Ajeitou-me a gola da camisa, retirou-me os óculos delicadamente (naturalmente para não arranhar a pele “do múmia”) e mandou-me olhar fixamente para um determinado ponto.
_Não, não, não... o sr. está olhando pra mim. Tem que olhar pra cá. Olha onde está o meu” dedinho”...
_Eu não estava olhando para você, estava olhando para seus olhos e admirando as belas verdes lentes de contato que está usando.
_Não uso lentes de contato, meus olhos são verdes naturalmente...
Desculpe perder-me na vastidão de seu verde olhar
Desperta-me a beleza sedutora de um lindo sonhar.
Se fossem azuis, castanhos ou outra cor qualquer,
Atrairiam-me de qualquer forma, por seres mulher!
_Ah... o sr. “era” poeta?
_Sim...” já fui poeta!” Vamos à foto – OK?
Foto tirada, fui avisado que passaríamos à parte dactiloscópica. No meu tempo de rapaz, séculos passados, lambuzavam meus dedos numa almofada para carimbos e saía todo borrado. Em alguns lugares, forneciam uma toalha já mais suja que meus próprios dedos. Hoje, tem um aparelhinho luminoso que colhe nossas impressões digitais.
_Agora, vou colher suas impressões digitais. O sr. não vai poder calcar demais; somente encostar levemente os “dedinhos”, um por um. Deixa que eu lhe ajudo.
_Vamos começar pela “mãozinha” direita. Me dê seu “dedinho” aqui. E segurou minha mão. Toque suave e quente eu senti.
Bom, aprendi que “dedinho” é o mínimo ou mindinho e dei-o, ou melhor, emprestei-o pra Alexandra (nestas alturas já sabia o nome dela). Então ela disse-me não. Tinha que começar pelo “gordinho” (ela se referia ao polegar!). Terminadas ambas as mãos, as impressões de três dedos não ficaram boas e foram repetidas, para meu gáudio...
_Obrigada, pelo versinho “seu Ary”. Acabamos. Agora o sr. volta pra sala e aguarda o médico lhe chamar – OK?
_OK! Você é muito simpática... e simulei beijar-lhe a mão.
_Obrigada!!
Mal sentei-me, o médico assomou a porta do consultório e chamou:
_ Ary Mendes Franco!
_Eu! Às suas ordens, seu criado!
_Deu-me um amistoso tapinha nas costas e mandou-me entrar.
_Tudo bem, com o sr.? Tem sentido tonteiras, dorme bem, sente sonolência ao dirigir por longo percurso?
_Não sr! Sinto-me ótimo para dirigir por mais uns 20 anos. Rimos!
_Estes óculos que o sr. está usando são os mesmos com que dirige?
_São!
_Vamos ficar em pé. O sr. vai encostar na porta e vem andando na minha direção com os olhos fechados, Certo?
_Certo.
Sem problemas fiz o percurso, ganhando nota dez.
_Agora, ainda com os olhos fechados, abra os braços como que crucificado e coloque os dedos indicadores na ponta do seu nariz, sem abaixar os cotovelos.
_Vapt vupt! Outra nota dez!
_Finalmente, vamos ao exame de vista. Tampe o olho esquerdo e diga-me que letras e números está vendo. Apontou ele com uma varinha.
_A X Z Y K 8 S 7...
_Chega, agora tampe o olho direito e diga-me o que enxerga.
_3 C J 7 B ...
_Muito bem! Infelizmente (fiquei gélido de pavor) não posso lhe dar mais 5 anos de habilitação, por força do sistema que só vai aceitar 3 anos, por causa da sua idade. Mas, se Deus quiser, daqui a 3 anos estaremos aqui outra vez para novo exame. Dia 6 de dezembro pode pegar sua nova carteira. Felicidades!
_Obrigado doutor. Feliz Natal e Próspero Ano Novo!
Dirigindo de volta pra casa, com minha filha a tiracolo, pensei: daqui a três anos, estarei com 81, Deus que me ajude, como tem ajudado até aqui! Como será que eles vão me tratar? Nem quero imaginar...
_Tá calado, pai! Ta pensando o que?
_Nada, nada...
Estimado Amigo Pedro Coimbra.
ResponderEliminarUma história bem gira e penso que bem real.
Eu tenho, somente 68 anos, porém não renovei a minha carta de condução, tenho três frotas à minha escolha, para poder andar pelas vias desta cidade.
Também o não fiz, porque a carta de condução que possuia inicialmente era de Lista Branca, depois a troquei por uma carta de condução normal de Macau e mais tarde a renovei em Portugal, torna-la a renovar, agora em Macau seria mai9s complicado e não teria, uma moça linda de olhos verdes para me atender.
Abraço amigo
A estória é verdadeira, Amigo Cambeta.
ResponderEliminarTenho carta de condução desde os 18 anos.
E carro também desde então.
Sem carro, para mim, é pior que andar nu.
Tente lá renovar a carta que as moças, mesmo não tendo olhos verdes, não estão nada mal :)))
Aquele abraço
Caro confrade Pedro Coimbra!
ResponderEliminarAqui entre nós inventaram uma nova expressão para a senilidade: a melhor idade... Deve ser constrangedor sentir-me bem e ser tratado como uma pessoa que necessita de cuidados especiais...
Caloroso abraço! Saudações vigorosas!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP
Bem, pelo menos as moças eram jeitosas :)*
ResponderEliminarProf. João Paulo de Oliveira,
ResponderEliminarEste texto é genial!
E define com grande precisão a maneira patética como se tratam as pessoas mais idosas.
A mesma maneira como se tratam muitas vezes as crianças.
Uns e outros, quando são tratados assim, pensam que os seus interlocutores têm algum problema mental.
Aquele abraço
Catarina,
O tipo é excepcional.
Até nisso.
Fez-me lembrar um amigo dos tempos de juventude e o lema dele constantemente - "calem-se e galem as gajas" :)))