No deseo más tiempo; doy mí vida por vivida. (Miguel Delibes)

Estava a ler a edição de hoje do jornal Hoje Macau, um hábito diário, quando fui confrontado com esta líndissima frase do escritor castelhano Miguel Delibes, que o Pedro Correia inclui na sua colaboração semanal com aquele jornal - o "caderno diário".
No seu estilo muito próprio, o Pedro Correia ainda conseguiu transmitir maior beleza ao pensamento do escritor.
Cito-o:
"(...)Estava doente há já algum tempo, desde que enviuvara. Percebia que lhe restava pouco tempo de vida. Conformou-se com o seu destino, proferindo aquelas palavras sábias. Gostava um dia que estas palavras me servissem de epitáfio. Como uma caminhada que chega naturalmente ao fim (...)".
Confesso que me emocionei ao ler estas palavras.
Emocionei-me porque percebo o sentimento que transmitem.
E percebo esse sentimento porque assisti a dois episódios em tudo semelhantes na minha vida.
O primeiro com alguém que conhecia desde menino e que, confrontado com uma doença terminal da esposa, me disse, várias vezes, que partiria quando a esposa partisse.
Sempre lhe disse que era uma palermice o que ele pensava, que ele tinha muitas razões para viver, muitas pessoas que o queriam acompanhar e que precisavam da sua companhia.
E ele insistia que partiria quando ela partisse.
Fiquei a pensar que havia ali um pedido de ajuda, um alerta para uma qualquer tendência suicida.
As mesmas conversas, os mesmo sentimentos, o mesmo olhar, com que fui confrontado uns anos depois, agora já não com uma doença terminal a afectar a esposa, antes uma irmã.
Ambos faleceram tranquilamente durante o sono, em silêncio, sem quererem perturbar ninguém.
Durante anos, mais de vinte!, pensei que tinham desistido de viver, que não conseguiam enfrentar a vida sem aquela pessoa amada.
Não conseguia perceber este sentimento.
Confesso que até me parecia algo cobarde.
Hoje percebi.
As palavras de Miguel Delibes, acentuadas pelo comentário do Pedro Correia, de uma forma tão simples, explicam tudo.
É só uma caminhada que chega naturalmente ao fim.
"No deseo más tiempo".
Agora percebo.

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