Cultura ou crueldade bárbara?

Começo este post reproduzindo, com a devida vénia, as palavras do Hélder Fernando nas páginas da edição de hoje do diário Hoje Macau - (...) contra práticas desumanas não há "tradições" nem "culturas" dessas que não devam ser banidas.
O Hélder Fernando referia-se à capa da revista Time que encima este post e ao episódio de pura barbárie que lhe deu origem.
Esta capa, na sua brutalidade, é um grito de revolta contra as sevícias a que são sujeitas algumas mulheres muçulmanas, neste caso no Afeganistão, apenas por serem mulheres e por, como tal,  se verem privadas de toda a dignidade e humanidade.
A jovem na foto é Aisha, uma adolescente de 18 anos que ousou fugir às torturas que os sogros lhe infligiam, apenas para ser apanhada pelo cunhado que a segurava enquanto o marido a desfigurava cortando-lhe o nariz e as orelhas.
E é aqui que entram as tradições, a cultura, as convicções religiosas, a lei, como justificação para a mais pura, vil e aviltante barbárie.
Será que a tolerância religiosa, a aceitação das diferenças culturais, o respeito pela lei e pela soberania dos países, podem legitimar estas práticas?
Pessoalmente, respondo com um rotundo e convicto não.
Não respeito minimamente quem comete estas atrocidades, não confundo a bestialidade com religião, com lei, com cultura.
E acho que temos o dever de denunciar estes factos, de os combater, de combater quem os pratica.
Sempre me revoltou profundamente a ideia que a mulher possa ser considerada como um ser inferior apenas pelo facto de ser mulher.
E essa revolta acentuou-se exponencialmente com o nascimento das minhas duas filhas.
Não compreeendo, não consigo açeitar, que se tolere que ainda haja tantas Aisha neste Mundo que se diz desenvolvido.
E que tenham de se esconder sob pena de serem eliminadas.
E eliminadas com requintes de malvadez.
Apredejar Sakineh Mohammadi até à morte, porque supostamente é adúltera, também é legal, também cumpre uma "tradição", também reflecte uma "cultura".
Nos valores que perfilho, não é nada assim.
É pura crueldade, é uma barbaridade inamaginável.
Regressei de férias muito recentemente.
Num dos resort em que ficámos alojados, estavam também alojados vários casais muçulmanos.
E ficava revoltado cada vez que via aquelas jovens totalmente cobertas por roupas pretas, que apenas deixam entrever os olhos, debaixo de um calor tórrido, constantemente sentadas e com os olhos pregados ao chão, porque não podem olhar estranhos nos olhos, enquanto os maridos se divertiam, se sentavam ao lado delas no seus cómodos Speedo, fumando os narguilé que lhes estão ali reservados.
E imaginava o que não estariam elas a sofrer debaixo daquele calor, com toda aquela roupa, esperando pacientemente que o seu amo se dignasse levá-las para um local mais abrigado e fresco.
Mais, interrogava-me se não se sentiam elas próprias revoltadas com aquela situação.
E se, existindo essa revolta, a mesma não seria ainda acentuada pela sensação de impotência que lhe vem associada.
Num dos dias, estava eu na piscina com a minha filha mais nova, veio o marido de uma dessas jovens dizer-me que a sua esposa me pedia autorização para tirar fotografias com a minha filha.
Mas, se a rapariga, também ela muito jovem, me queria pedir essa autorização, porque não podia ser ela a fazê-lo directamente e tinha que o fazer por interposta pessoa?
Retomo as palavras sábias do Hélder Fernando com que comecei este post - (...) contra práticas desumanas não há "tradições" nem "culturas" dessas que não devam ser banidas.
Não podia estar mais de acordo.
Quer se trate da mutilação animalesca de Aisha, do grotesco apredejamento até à morte de Sakineh Mohammadi, da humilhação pública a que estão sujeitas as raparigas num qualquer resort em Penang, vai sendo tempo de banir estas práticas desumanas, esta crueldade, esta barbaridade.

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