Tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito - Pedro Guerreiro (Jornal de Negócios)



Não é apenas mais IRS. É mais tudo. Tudo o que mexe e tudo o que é inanimado. O destro e o canhoto. O que se tem e o que se perde. Quando rasteja e quando voa. Paulo Portas nunca pensou que acabaria a mandar tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito do défice, que em
2004 atribuiu a Sousa Franco.

O aumento do IRS é avassalador, não apenas por causa da sobretaxa, mas através da redução do número de escalões do imposto. Essa redução faz sentido teórico: Portugal é dos países com mais escalões (oito, contra seis em Espanha, quatro no Reino Unido u dois na Irlanda). Mas, na prática, é apenas uma forma encapotada de aumentar o imposto.

Para aumentar a tributação não há como fugir ao IRS e ao IVA, que geram quase dois terços das receitas fiscais do Estado. Estando o IVA já encostado ao máximo europeu (só a Dinamarca tem uma taxa superior, de 25%), ataca-se o IRS. A versão preliminar do Orçamento do Estado, a que vários jornais tiveram acesso na tarde de quinta-feira, poderá ainda ser alterada até ao raiar de segunda-feira, dia da apresentação final. 

Mas confirmando-se os novos cinco escalões, topa-se o nível dos aumentos. O olhar humano tenderá a olhar para os limites mínimo e máximo dos novos escalões e compará-los com os antigos. 

Mas é no "miolo" que está o que interessa. 43% de todo o IRS liquidado em Portugal (dados de 2010, apurados pela Deloitte) foi suportado por contribuintes com rendimentos entre 17.979 e 41.349 euros, sujeitos a uma taxa normal de 34,88%. Grande parte deles pagará agora 37% (novo escalão entre os 20.000 e os 40.000 euros).

Mas não são só as taxas. São as deduções específicas, as deduções à colecta, os benefícios fiscais.
É o regime simplificado dos recibos verdes. É, nos outros impostos, taxas liberatórias nas rendas. O tabaco. O IMI, apesar do recuo na cláusula de salvaguarda. Este será o Orçamento mais extensivo de sempre, tributa quase à peça. É como se, além de tributar um sapato, tributasse a sola, a meia-sola, o salto, o couro e cada atacador.

Este é o lado A do Orçamento. O lado B é o do corte da despesa, que está por detalhar. Mas também aqui, é preciso olhar para os grandes números. A fatia de leão, já se sabe, são salários e prestações sociais. É assim que hoje ficamos a saber que ao corte de pensões e de ordenados na Função Pública, haverá também uma redução líquida dos subsídios de desemprego e de doença. E que 3% dos funcionários públicos passarão para o quadro de excedentários, onde receberão salário menor - antes de sair. Paga tudo, minha gente, em pé, deitado e acamado, activo, inactivo e emprateleirado.

O risco de tudo isto está mais do que diagnosticado: o aumento da economia paralela; e a espiral recessiva, em que se aumenta cada vez mais os impostos para uma receita cada vez menor numa economia progressivamente recessiva e repleta de desempregados. Até porque, se o Governo mantiver a sua previsão de quebra do PIB em 1% para o próximo ano, estará provavelmente a ser optimista.

É assim que, em Lisboa, se trabalha no problema financeiro e se dissimula o problema político. Mesmo sabendo que a solução está fora daqui. Está em Berlim , em Bruxelas, em Frankfurt, em Washington, está até em Tóquio, onde decorre a reunião anual do FMI.
Sim, FMI, o tal que diz que se enganou, afinal a sua prescrição falha... E vai fazer o quê? Brincar com o periquito?

Comentários

  1. Sabe o que é que eu lhe digo? Nos tempos do Salazar sabíamos que éramos pobres e vivíamos assim. Depois do 25 de Abril de 1974 continuámos pobres mas convenceram-nos que éramos ricos... e agora estamos a pagar por isso.

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  2. O desvario veio muito depois dos excessos revolucionários.
    Mais para os anos 80 e depois da entrada na então CEE.
    A partir dai foi a desbunda total.
    Tanta gentinha, hoje indignada, e que e directamente responsável por essa loucura, FireHead!

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  3. De certa forma concordo com o FireHead.
    O esbanjamento das mentes começou mais cedo do que o período revolucionário. O tal dos excessos.

    Foi, é evidente embora me custe admitir, um desvario quase geral que nos levou a não saber segurar uma democracia séria.

    Haverá, entretanto, um motivo para que o FMI tenha amolecido as ideias e intenções.
    Qual?

    Abraço

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  4. Na próxima semana vou publicar um gráfico com a evolução da divida publica desde 1850.
    Da para perceber alguma coisa.
    Como terça e feriado e quinta não há blogue porque festejo 15 anos de casado, sou capaz de publicar o gráfico no blogue Olhar Direito.
    Depois aviso.

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  5. Eu concordo mais que os "desvarios foram muito mais" a partir dos anos 80...uma crise tremenda até 86, mas tínhamos uma economia a funcionar e moeda própria. Quem acabou com as pescas, agricultura, suinicultura e a indústria? Eu não contribui em nada e como eu milhares e milhares...e agora "nem o periquito" escapa.

    Já tinha lido o artigo (leio o que escreve e gosto muito de o ouvir) e todos vêm o descalabro deste Orçamento...menos quem governa! É triste...e os "vendilhões do templo" continuam na maior, a apregoar as receitas, a gozar a chorudas reformas e pensões vitalícias e ordenados...sem qualquer penalização, espoliação e cortes soberbos!!!!!

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  6. Paulo Portas é bem mais canalha do que sempre imaginei. Já quanto à hipocrisia de se defender com o patriotismo, não me surpreende faz parte do modo de agir de pessoas reles como ele.

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  7. Fatyly,
    Destruíram-se esses sectores a favor de subsídios.
    De fundos (supostamente) estruturais e estruturantes da nossa economia.
    E depois derreteu-se esse dinheiro todo em sumptuosidades.
    Não adianta apontar o dedo a A ou B.
    Foram tantos!!


    Carlos,
    Dá-me a sensação que o Paulo Portas, percebendo que sai chamuscado deste governo, não quer ir a votos.
    Perder umas eleições era mesmo o que lhe faltava agora.
    Patriotismo?
    Puro calculismo, isso é que é.

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  8. Pedro não adianta, claro que adianta porque a maioria do povo não foi culpado e come por tabela porquê?

    "Foram tantos"...e algum foi julgado e condenado e expoliado? Que me lembre...só no remoto "caso Melancia" de resto...ZERO!!!!!

    Enfim...oxalá que este OE levante a moral aos mais afectados que já não sabem que fazer à vida...e que cortem bem nas gorduras do Estado...e não apenas nos funcionários públicos...mas nos fp (credo parece outro nome, mas não) que são tubarões, gaviões, e outros ões !!!
    Tenho aqui um a meia dúzia de quilómetros...que...bateria palmas e tocaria panelas...APRE!!!!!!!!

    DEsculpa amigo

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  9. E o caso Melancia, relacionado aqui com Macau, foi uma história muito mal contada, Fatyly.
    Comente sempre, exponha a sua opinião, sem pedir desculpa.
    Esteja sempre a vontade.

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