Macau - De entreposto Oriente-Ocidente a Las Vegas chinesa




Macau - De entreposto Oriente-Ocidente a Las Vegas chinesa
  
Por Eric Vanden Bussche, de Taipei (Taiwan)
21/04/12 


Pode soar estranho, mas a capital mundial do jogo hoje se encontra num país socialista. Esqueçam Las Vegas ou Monte Carlo! Os magnatas norte-americanos do ramo estão todos seguindo rumo a Macau, apostando suas fichas numa cidade chinesa que até pouco tempo atrás era uma colônia portuguesa mais conhecida por ser o vizinho pobre de Hong Kong.
Desde 1999, quando os portugueses entregaram a cidade de volta aos chineses após mais de quatro séculos, Macau começou aos poucos a ostentar uma opulência (e também um kitsch) que a deixou irreconhecível.

Quando eu estive em Macau em meados do ano passado, a mudança pela qual a cidade passou durante a última década saltou aos meus olhos assim que o meu voo aterrissou. Da janela do avião, já foi possível avistar as luzes coloridas das fachadas dos novos cassinos e hotéis cinco estrelas no centro da cidade. No táxi, os letreiros enormes do Sands e do Wynn, a Louis Vuitton e as gigantescas decorações kitsch que enfeitavam o centro me deram a sensação que estava em Las Vegas em vez de Macau.
A Macau que havia conhecido em 1997 era outra cidade. Na época, os portugueses se preparavam para transferir o poder aos chineses e se estavam preocupados em deixar um legado duradouro de sua presença no Extremo Oriente.

Os portugueses se encontravam em Macau desde 1557. Nos séculos 16 e 17, a cidade prosperou ao consolidar o seu papel de importante elo comercial e cultural entre a Europa e a Ásia. Navegadores portugueses aportavam em Macau para conseguir encher suas embarcações com produtos orientais. Os jesuítas entraram na China a partir de Macau, levando consigo os seus conhecimentos científicos para a corte Qing (1644-1912). Macau também foi responsável pelos primeiros contatos entre a China e o Brasil. Navios portugueses que partiam de Macau para Lisboa eram reabastecidos em Salvador ou Rio de Janeiro, trazendo sedas, porcelanas e outros produtos da China.
Mas a perda da hegemonia portuguesa nos mares teve profundos reflexos no desenvolvimento de Macau, que testemunhou um longo período de decadência, exacerbado com a ocupação de Hong Kong pelo Reino Unido em meados do século 19. Macau passou a ser um entreposto periférico, à sombra da colônia inglesa. Diante das dificuldades econômicas na sua colônia, Portugal decidiu legalizar o jogo em Macau em 1847. Mas isso não foi suficiente para reverter o seu processo de decadência.
Após a Segunda Guerra Mundial, enquanto Hong Kong prosperava como centro comercial, Macau encontrava-se estagnada. Não foi à toa que os portugueses adquiriram a fama de administradores incompetentes, responsáveis por tornar Macau num bolsão de pobreza dominado pelo crime organizado. Essa opinião era compartilhada até mesmo por moradores portugueses. “Esses governadores que Portugal manda para cá só servem para destruir a nossa reputação”, me disse um jovem rapaz de Lisboa que morava há anos na cidade. “Agora os chineses acham que todos nós portugueses somos tão idiotas quanto o governador português!”

Os portugueses também nunca se esforçaram em difundir a sua língua e cultura entre os habitantes locais. Achar alguém que fale o português e o chinês na cidade é uma missão quase impossível. Os chineses com os quais conversei preferiam aprender o inglês por achar que a língua seria mais útil. “Aprender português não serve para nada,” disse uma universitária chinesa que conheci na praça Luís de Camões. Quando perguntei a ela se sabia quem era Camões, ela respondeu: “Talvez um velho rei de Portugal, não tenho muita certeza”.

Parece que os portugueses só entenderam que sua presença de quatro séculos em Macau havia passado desapercebida pela população local às vésperas da entrega de Macau. Nos anos 90, Portugal despendeu grandes esforços em construir um legado e limpar a sua imagem perante os macaenses. Os portugueses decidiram consolidar a ideia de que sua administração de quatro séculos em Macau, ao contrário dos ingleses em Hong Kong, fora um colonialismo “politicamente correto”, ou seja, eles não tentaram apagar a cultura local e substituí-la a força pela língua e cultura portuguesa. Nesse sentido, Macau seria um ponto de convergência entre o Oriente e o Ocidente, um forte elo entre duas grandes civilizações.


Apesar desses esforços, a população local parecia extremamente contente ao ver os portugueses se prepararem para voltar para casa. Quando voltei a Macau, em dezembro de 1999, uma semana antes da cerimônia de devolução à China, os macaenses com os quais conversei pareciam eufóricos. “Agora Macau finalmente poderá se desenvolver,” disse uma empresária. “Os portugueses personificam tudo que há de ruim em Macau: a corrupção, a incompetência administrativa. Macau irá mudar, com certeza.”

Ela estava certa, mas o estopim da mudança não foi o retorno de Macau à China.


Em 2002, o governo local resolveu não renovar a concessão do monopólio que as empresas do magnata Stanley Ho detinham sobre o ramo de jogos de azar. Essa decisão ocasionou uma profunda transformação na economia da região, abrindo as portas para bilionários norte-americanos do setor.
Em 2004, Sheldon Adelson, o sétimo homem mais rico do planeta segundo a revista “Forbes”, decidiu tentar a sua sorte e inaugurou o cassino Sands Macau. A experiência foi tão bem sucedida que, em apenas um ano, Adelson conseguiu recuperar os US$ 265 milhões que havia investido na construção do cassino.

Em 2006, foi a vez de Steve Wynn, outro magnata de Las Vegas, erguer o seu cassino. Atualmente, seus negócios em Macau são responsáveis por 66% dos lucros de sua empresa. Wynn encontra-se tão satisfeito com a sua experiência em Macau que ele está aprendendo a língua e chegou até a brincar que sua empresa não era mais norte-americana, mas chinesa.
Enquanto Las Vegas continua a sentir os efeitos da crise econômica que assola os Estados Unidos desde 2008, Macau se tornou a Meca dos cassinos, com receitas atingindo US$ 33,5 bilhões no ano passado. Atualmente, Macau possui mais de 30 cassinos, a maioria espremidos no centro da cidade, numa área de apenas 28 quilômetros quadrados, mas que ostenta uma riqueza de dar inveja a Las Vegas e Monte Carlo.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.

Comentários

  1. Pedro,

    as seguintes afirmações deixam-me, enquanto português, envergonhado e triste: :(((

    “Agora os chineses acham que todos nós portugueses somos tão idiotas quanto o governador português!”

    “Os portugueses personificam tudo que há de ruim em Macau: a corrupção, a incompetência administrativa. Macau irá mudar, com certeza.”

    Esta foi a imagem que Portugal transmitiu ao mundo durante séculos, a imagem transmitida por uma classe politica imbecil e povoada por mentecaptos e que destrói a reputação de milhões de portugueses trabalhadores, honestos, cumpridores e inovadores nas mais variadas áreas.

    Abraço, querido e prezado amigo!

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  2. Ricardo,
    O cretino que escreve estas linhas, o tal "especialista", é especialista em imbecilidades.
    Essas são as maiores.
    Para além de ofensivas, são puro disparate.

    Mas o mais curioso é que o "especialista" é ignorante da História (ou encomendaram-lhe o sermão?)
    A liberalização do Jogo estava pensada há muitos anos, Ricardo.
    A China, através do Grupo de Ligação Conjunto, e fazendo uso da vontade da parte portuguesa de não criar problemas depois da desastrosa descolonização, é que quis guardar esse rebuçado para depois de 99.

    Mais, para ter a certeza que não haveria problemas, através do esquema de visto individual que atribui aos visitantes chineses (só depois de 99!!) e de alguns esquemas de financiamento, assegurou o sucesso de um mercado quase infinito.

    O "especialista" não sabe isto?
    É muito pouco especial, o "especialista".

    Aquele abraço, Ricardo!!

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