1977,1983, 2011.


Os mais atentos saberão qual o traço comum às três datas em título - a necessidade que o Estado português sentiu, em todas elas, de recorrer à ajuda financeira externa.
Em 1977, um país ainda a convalescer dos excessos da Revolução, com uma taxa de desemprego superior a sete por cento, bens racionados, inflacção crescente, conflitualidade política e o escudo desvalorizado, vê-se obrigado a recorrer à ajuda do FMI pela primeira vez depois de ter aderido ao organismo em 1960.
Em 1983, novamente num cenário de grande convulsão política, que se vinha acentuando desde 1980 e da tragédia de Camarate, com o desemprego acima dos onze por cento e uma dívida externa galopante devido à subida das taxas de juro internacionais, o recurso à ajuda externa torna-se mais uma vez inevitável.
Portugal estabiliza, política e economicamente, adere à União Europeia, passa a fazer parte da Europa rica e moderna, passa a dispor do dinheiro que nunca tinha tido, e, como qualquer novo-rico, gasta como se não houvesse amanhã.
Por mais alertas que se ouvissem para os excessos que se estavam a cometer, para um futuro que se estava a hipotecar, os portugueses continuaram cegos, surdos e mudos.
Seguindo o "flautista de Hamlin" de circunstância e, com ele, em alegre cantoria, caminhando em direcção ao abismo.
Onde agora todos percebemos que caímos.
A notícia (formal) da queda foi dada ontem pelo primeiro-ministro José Sócrates (podem ler o comunicado na íntegra aqui).
Autista, teimoso, arrogante, populista e politiqueiro, o primeiro-ministro português recusou encarar as evidências.
O objectivo era claro - deixar o odioso do pedido de auxílio externo, que já se adivinhava inevitável há meses, para o próximo Governo.
O que é que mudou entretanto?
Muito claramente, o ralhete e o apertar do garrote do directório dos principais bancos portugueses. 
Também eles, muito provavelmente, com as orelhas a arder por terem sido bem puxadas por uma União Europeia comandada pela Alemanha.
Angela Merkel, acossada pela opinião pública alemã, que, depois de se reerguer das cinzas de duas Guerras, e dos custos da Reunificação, não se mostra muito disponível para custear os excessos de terceiros, fez ouvir a sua voz no seio da União Europeia.
Que a fez ecoar até aos ouvidos (e aos bolsos!) dos banqueiros portugueses.
Que vieram dizer "basta" ao primeiro-ministro.
E, o mesmo primeiro-ministro que dizia até há poucos dias que não queria recorrer à ajuda externa, porque esta nem era necessária; que, em fase posterior, dizia não ter poderes para tal, foi, a correr, de mão estendida, solicitar o apoio da União Europeia.
Sem qualquer poder negocial.
Porque este se esboroou com o tempo e o agravamento da situação política e económica.
O que é que se segue?
O processo de aprovação, garantida, desse auxílio (podem ler aqui).
Depois deste processo de aprovação, seguem-se tempos de austeridade, de grandes sacrifícios, resultantes das condições que serão impostas a Portugal.
Previsivelmente draconianas.
E é bom que todos nos convençamos disso.
E que os responsáveis políticos não venham enfeitar o discurso, adoçar-nos a boca, alimentar-nos os sonhos.
A começar já na campanha eleitoral para as próximas eleições legislativas.
Essa receita já foi seguida durante muitos anos.
E o cozinhado ficou com um travo muito amargo.
Como também não adianta nada apontar o dedo ao vizinho.
Não há inocentes nesta tragicomédia.
Nem eu, nem você, que está a ler este post.

Comentários

  1. Autismo, teimosia, arrogância, populismo e afins são características comuns a todos os políticos com maiores ou menores responsabilidades no nosso país.
    José Sócrates teve culpas? Claro que sim. E os outros, o que fizeram?
    Estenderam a casca da banana e esperaram.

    Estou absolutamente de acordo com este sua frase, Pedro. E cito:
    "Não há inocentes nesta tragicomédia.
    Nem eu, nem você, que está a ler este post".

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  2. Pedro
    As duas últimas senti-as bem na pele, muito jovem já casada com duas filhotas pequeninas e a trabalhar com o marido na mesma fábrica, recordo que chegamos a pedir emprego para varrer ruas e nem para isso conseguimos, permanecemos na empresa sem recebermos ordenados durante vários meses, metiamos letras ao banco para dar de comer às minhas filhas, o problema era paga-las, mas como os funcionarios do banco ainda não tinham sido substituidos por máquinas lá tinhamos um grande Senhor a quem eu e muita gente deve o que ele fazia por nós dentro daquele banco. Hoje numa outra empresa onde estou à 26 anos já não existe dinheiro para me pagarem, este mês de Abril será o último mês de trabalho depois resta-me o desemprego, com 54 anos sou nova demais para a reforma e velha demais para arranjar emprego. Muitas idades fazem parte da geração à rasca.

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  3. Observador,
    Essa frase é mesmo para ter um sublinhado.
    Não há inocentes nesta história.
    Mas José Sócrates foi, sem sombra de dúvida, o pior chefe de governo de que tenho memória.


    flor de jasmim,
    Estou a ler estes comentários antes de me deitar como habitualmente faço.
    E, acredite, vou rezar para que a sua situação tenha uma resolução rápida.
    Quando se fala em abstracto, estes problemas já metem impressão.
    Quando tocam alguém em concreto dão um enorme aperto no coração.
    E uma grande revolta interior.
    Um grande abraço de solidariedade

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Não há inocentes? Fale por si. Eu não tenho nada que ver com isto. Hei-de pagar as favas, isso sim, mas não, agravos destes não nos tomo de ninguém.
    Cumpts.

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  6. Não foi só o Sócrates que teve culpa.
    E, os grandes "bancários2 que enquanto viram a cair-lhes no bolso o "tostão" do trabalhador, não disse nada. Mas, assim que começaram a fazer contas e ao entrar o FMI, as coisas para o lado deles também não eram boas, fizeram força para Portugal pedir ajuda à União Europeia. Só critico, foi a espera, talvez longa demais para ver o que era necessário ter sido feito há muito tempo, foi preciso os senhores do dinheiro dizerem que já não financiavam mais o estado para se avançar com o pedido??

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  7. Um prémio no meu blogue para si!
    Um abraço!

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  8. Bic Laranja,
    Vivo e trabalho em Macau.
    Onde estou há quase 16 anos.
    Ainda assim, mesmo que indirectamente, também fui dos que beneficiou dos frutos da chuva de dinheiros vindos da União Europeia.
    Você não?
    Não votou nos últimos 30 e tal anos?
    Não fez escolhas que se revelaram erradas?
    Será caso único, se assim for.
    Cumprimentos

    Carlota,
    É isso que afirmo - não aqui inocentes.
    Já vi o mimo no seu blogue e já comentei.
    Agora também já sei o que fazer.
    Um abraço grande para si também

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