Narcos 2018 (Ricardo Araújo Pereira)
Foi um dos casos mais graves da minha carreira e afectou a nossa unidade para sempre. Estávamos em Janeiro de 2018, escassos dias após a publicação em Diário da República do despacho nº 11391/2017, que limitava a venda de produtos prejudiciais à saúde em bares e cafetarias de instituições do Ministério da Saúde. Salgados, pastelaria, charcutaria e refrigerantes tinham sido banidos desses espaços, para estimular hábitos de alimentação saudáveis. Eu, Javier Peña, e o meu colega Steve Murphy, fomos enviados pela DEA americana para ajudar Portugal na luta contra os fritos e as gorduras saturadas. A nossa primeira missão, que seria também a última, foi vigiar a cantina do Hospital de Santa Maria. À primeira vista, estava tudo bem: a cantina vendia apenas frutas, legumes e vários produtos desenxabidos. Mas os frequentadores do hospital pareciam manter uma certa felicidade bastante suspeita, e o Ministério mandou investigar. No princípio, não demos por ele. João Diogo Dias vinha visitar uma tia, operada a uma hérnia. De repente, na ala em que a tia estava internada, os outros doentes começaram a ficar mais alegres. Riam alto, conversavam, não tinham qualquer intenção de impingir uns aos outros receitas de batidos verdes. Era óbvio que não estavam a seguir uma alimentação saudável. O Murphy ofereceu-se para se infiltrar à paisana e descobriu tudo. Dias depois, João Dias estava sentado à minha frente na sala de interrogatórios, depois de ter sido apanhado na posse de um tupperware com 10 croquetes, cinco rissóis e três empadas.
– Sr. Dias – disse eu –, sabe qual é a pena para quem trafica salgadinhos?
João Dias não respondeu.
– Isto mata, sr. Dias. Os seus são especialmente perigosos, porque são caseiros.
– Não é tráfico, eu trouxe-os para a minha tia. Os outros doentes pediram-me e eu ofereci.
– Sabemos como isto funciona, sr. Dias. Os primeiros são oferecidos, até os clientes ficarem agarrados ao rissol. O meu colega, que se infiltrou à paisana, e a quem ofereceu dois croquetes, está neste momento a fazer análises. O colesterol dele subiu dois pontos. Dois pontos, sr. Dias. E está perdido. Não creio que possa voltar a trabalhar. Quando o levaram para a clínica, gritava “Deixem-me só provar as chamuças!”, e também “Aquilo deve ir bem é com uma imperial fresquinha!” Ele nem sequer é português, sr. Dias.
– Eu só queria animar a minha tia. Ela gosta de croquetes.
– O problema é que isto não é um produto inofensivo que possa ser usado para fins médicos, como a marijuana.
– Se eu tivesse marijuana no tupperware deixavam-me ir?
– Claro. Estamos inclusivamente a estudar uma proposta de legalização. Isto dos croquetes é que é muito nocivo. Mas nós não estamos interessados em si, sr. Dias. Sabemos que é apenas o correio. Se nos disser quem produz estes croquetes, não o acusaremos. O nosso laboratório diz que os seus croquetes são dos mais puros que eles já viram: carne a sério, refogado puxadinho, pedaços de chouriço. Quem os fez sabia o que estava a fazer.
– Mas desde quando é que os croquetes são proibidos?
– Desde Dezembro. Tem de estar mais atento aos despachos do Ministério da Saúde. Vamos, sr. Dias. Só precisamos de um nome.
Fez-se um silêncio. Finalmente, o homem quebrou:
– Clotilde Dias.
– Quem é?
– A minha avozinha.
– Devíamos ter adivinhado. São sempre elas. Essa geração está perdida.
(Crónica publicada na VISÃO 1296 de 4 de Janeiro)
Esta partilha suscita-me uma relativamente longa reflexão baseada numa certa paranóia sanitária, em que por exemplo tudo o que sempre foi considerado bom, mesmo o melhor, como por exemplo as ditas produções caseiras, inclusive para consumo individual ou familiar próprio, agora e cada vez mais parecem ser uma verdadeira maldição.
ResponderEliminarMas como de momento e até pelo adiantado da hora por aqui, não estou para grandes discursos que sequer caberiam neste espaço de comentários, enquanto vindo esta partilha do Ricardo Araujo Pereira e partilhada pelo caro Pedro Coimbra termino já com um grande :)))
Continuação de excelente semana, se possível com um croquetezinho caseiro ;)
Abraço
O RAP é genial, Victor Barão.
EliminarQuem aprova estas leis nunca provou um pastel de massa tenra feito pelas minhas tias.
Aquele abraço, continuação de boa semana
Eu estou a recordar o toucinho que a minha avó punha nas favas. E os torresmos. E a banha cor de laranja que resultava da fritura da carne de porco. E as filhós...
ResponderEliminarE as vossas alheiras? E as francesinhas com 1300 calorias e mais de 70 g de gordura?!
Viva a gastronomia portuguesa!
Adoro rissóis e croquetes. :))
As minhas tias faziam doces e salgadinhos para mimar o menino quando lá ia a casa.
EliminarE, mesmo agora que o menino tem 53 anos, quando vai a Portugal há mimimnhos.
Esta malta não sabe o que é bom!!
O RAP não é bom, é genial!!!
Nao sabem o que e bom!! Uns rissoes ou croquetes ate se comiam bem agora. Esta fabuloso o artigo :) :)
ResponderEliminarO RAP é genial e sabe o que é bom, Sami.
EliminarOs salgadinhos que as minhas tias faziam eram inigualáveis!!
Adoro ler estas crónicas do Ricardo!
ResponderEliminarE de repente lembrei-me dos pitéus da minha avozinha que os tinha preparado para quando eu viesse de férias do colégio, muita gordurinha boa e saudável, acompanhados com uma broa quentinha acabada de sair do forno.
Beijos Pedro
Já aqui referi os petiscos das minhas tias.
EliminarFaço agora referência, por causa da broa, aos petiscos das vizinhas.
Que coziam pão, broa, bolos típicos da zona, tudo em forno de lenha.
E o primeiro, ainda quentinho, era para quem?
Para o menino, para o Pedrinho.
Beijos, Manu
Quando o governo inglês iniciou uma campanha ameaçando impedir o acesso aos serviços de saúde de fumadores e obesos e anunciou que iria começar a fiscalizar as merendas que os miúdos levavam para escola, escrevi vários posts sobre o assunto.
ResponderEliminarJá quanto ao uso do cannabis para fins terapêuticos são 10% a favor, mas não concordo com a autorização para plantar em casa, como propõem PAN e BE.
O BE (não surpreende) e o PAN (já surpreende um bocado) gostam muito das tais propostas fracturantes, Carlos.
EliminarComo diz um bom amigo, o direito ao disparate ainda é livre.
Só podia ser do Ricardo AP Fantástico artigo!
ResponderEliminarSempre ouvi dizer que a comida da Avó era fabulosa...
Juro que penso muito nos meus netos e no seu futuro!
Meu Deus tanta porcaria comem os jovens de agora...
FENOMENAL:
Tem de estar mais atento aos despachos do Ministério da Saúde.
é para rir, mas este País é o País da ANEDOTA
sai com cada uma, na Lei que só visto.
OBRIGADO pelas tuas visitas ao meu blogue
Muito grata pelos elogios!
Boa semana. Tulipa
Moderação em tudo, tulipa.
EliminarMas não preciso que seja o Governo a dizer-me isso.
Nem as minhas filhas.
Educação em vez de proibição.
E tem toda a razão - com tanta porcaria que se come hoje em dia (não são só os jovens), vamos preocupar-nos com os rissóis da avó que esses é que são terríveis.
RAP ao poder!!! :)))
Bjs
Ahahahahahah
ResponderEliminarEu quando era miúda até as flores e mais umas ervas, não,não era marijuana, :) eu comia. E se aquilo sabia bem :)) mas claro nao eram fritas :)
Mena Almeida,
EliminarAs primas que me acolheram aqui em Macau tinham um gato meio tonto que o melhor petisco que lhe podiam dar era...um raminho de flores :))))
Agora fez-me recordar o sai kó (significa pequeno porque ele quando foi para casa delas, depois de ter sido abandonado na Ponte Nobre de Carvalho, era muito pequenino).
Gosto muito do que ele diz e escreve!
ResponderEliminarTambém adoro a nossa comida e tudo o que é fritos, tenho o bom senso de os evitar mas confesso que me custa muito.
bjs
Como referi acima, moderação é a resposta.
EliminarQue qualquer pessoa com bom senso conhece e que deve transmitir aos mais novos, papoila.
Bjs
O Pedro era( e é) muito mimado pelas tias.
ResponderEliminarMas comer salgadinhos, folhados, rissóis, tudo o que eu adoro, mas evito, feitos em casa e com os melhores ingredientes, quem resiste?
Os pastéis de massa tenra eram divinais.
EliminarQuando for a Portugal em Junho/Julho vou ver se convenço a Tia Nela a fazer alguns.
https://www.youtube.com/watch?v=iSQmdPUEkVU
ResponderEliminarCaro Pedro, se tiver oportunidade veja ou ouça, o programa do Governo Sombra em que o RAP refere esta situação do "tráfego" dos salgadinhos. Decerto que irá divertir-se.
Quando vier a Portugal, em Portalegre, eu e a Carlota Pires d' Costa, iremos ter uma boa dose de "dependências" caseiras, juntamente a um bom pão alentejano, queijo de Nisa e o indispensável tinto.
Cumprimentos
João Catarro
Caro João Catarro,
EliminarUm prazer encontrá-lo por aqui.
Vou ver o vídeo que gentilmente me enviou.
E fiquei com apetite.
Só há uma coisa que dispenso - o vinho.
Sou abstémio.
Um copo de vinho e havia festa :)))
Cumprimentos, beijinhos para a Carlota