O Mundo em 2030



Documento elaborado pela CIA, de  quatro em quatro anos, no início de cada novo mandato presidencial nos Estados Unidos, e que Barack Obama recebeu ao 

tomar posse do seu segundo mandato, tem o título 'Global Trends 2030 - Alternative Worlds' (Tendências mundiais 2030: novos mundos possíveis).
Que nos diz? A principal constatação é: o declínio do Ocidente.

Ignacio Ramonet 

Data: 12/05/2013 

De quatro em quatro anos, no início de cada novo mandato presidencial nos Estados Unidos, o National Intelligence Council (NIC), o departamento de análise e antecipação geopolítica e econômica da Central Intelligence Agency 
(CIA) publica um relatório que se converte   automaticamente numa referência para todas as chancelarias do mundo. 

Ainda que obviamente se trate de uma visão muito parcial (a de Washington), elaborada por uma agência, a CIA, cuja principal missão é defender os interesses dos Estados Unidos, o relatório estratégico do NIC apresenta uma indiscutível utilidade porque resulta de uma posição conjunta – revista por todas as agências de segurança dos Estados Unidos – de estudos elaborados por peritos independentes de várias universidades e de muitos outros países (Europa, China, Índia, África, América Latina, mundo árabe-muçulmano etc.). 

O documento confidencial que o presidente Barack Obama encontrou na sua mesa de trabalho na Casa Branca no passado dia 21 de janeiro, ao tomar posse do 
seu segundo mandato, foi publicado com o título: Global Trends 2030 - Alternative Worlds (Tendências mundiais 2030: novos mundos possíveis). Que nos diz? 

A principal constatação é: o declínio do Ocidente. Pela primeira vez desde o século XV, os países ocidentais estão a perder poder face à subida das novas potências emergentes. Começa a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação ocidental do mundo. Ainda que os Estados Unidos continuem a ser uma das principais potências planetárias, perderão a sua hegemonia econômica a favor da China . E já não exercerá a sua “hegemonia militar solitária” como  o faz desde o fim da Guerra Fria (1989). Caminhamos para um mundo multipolar no qual novos atores ( China , Índia, Brasil, Rússia, África do Sul) têm como  vocação constituir sólidos polos continentais e disputar a supremacia 
internacional a Washington e aos seus aliados históricos (Japão, Alemanha, Reino Unido, França). 

Para ter uma ideia da importância e da rapidez da decadência ocidental que se avizinha, basta assinalar estes dados: a parte dos países ocidentais na economia mundial vai passar dos atuais 56% para cerca de 25% em 2030... Ou seja, em menos de vinte anos, o Ocidente perderá mais de metade da sua preponderância econômica... Uma das principais consequências disto é que os Estados Unidos e os seus aliados já não terão provavelmente os meios financeiros para assumir o papel de polícias do mundo... De tal modo que 
esta mudança estrutural (somada à profunda crise econômico-financeira atual) poderá conseguir o que nem a União Soviética nem a Al Qaeda conseguiram: 
debilitar durante muito tempo o Ocidente. 

Segundo este relatório, a crise na Europa durará pelo menos um decênio, isto é, até 2023... E, sempre segundo este documento da CIA, não é seguro que a União Europeia consiga manter a sua coesão. Enquanto isso, se confirma a emergência da China como a segunda economia mundial e com vocação para se converter na primeira. Ao mesmo tempo, os demais países do grupo chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) instalam-se em segunda linha competindo diretamente com os antigos impérios dominantes do grupo JAFRU 
(Japão, Alemanha, França, Reino Unido). 

Em terceira linha, aparecem agora uma série de potências intermédias, com demografias em alta e fortes taxas de crescimento econômico, chamadas a se 
converter também em polos hegemônicos regionais e com tendência a se transformar num grupo de influência mundial, o CINETV (Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia, Vietnã). 

Mas de hoje a 2030, no Novo Sistema Internacional, algumas das maiores coletividades do mundo já não serão países, mas comunidades congregadas e 
vinculadas entre si pela internet e pelas redes sociais. Por exemplo, ‘Facebooklândia’: mais de um bilhão de usuários... Ou ‘Twitterlândia’, mais de 800 milhões... Cuja influência, na “guerra dos tronos” da geopolítica 
mundial, poderá revelar-se decisiva. As estruturas de poder esmaecer-se-ão graças ao acesso universal à rede e ao uso de novas ferramentas digitais.
A este respeito, o relatório da CIA anuncia aparecimento de tensões entre os cidadãos e alguns governos numa dinâmica que vários sociólogos qualificam de ‘pós-políticas’ ou ‘pós-democráticas’... Por um lado, a generalização do acesso à rede e a universalização do uso das novas tecnologias permitirão à cidadania atingir altas quotas de liberdade e desafiar os seus representantes políticos ( como durante as primaveras árabes ou na crise dos “indignados”). Mas, ao mesmo tempo, segundo os autores do relatório, estas mesmas ferramentas eletrônicas proporcionarão aos governos “uma capacidade sem precedentes para vigiar os seus cidadãos”.

“A tecnologia – acrescentam os analistas de Global Trends 2030 – continuará a ser o grande nivelador, e os futuros magnatas da internet, como poderá ser o caso do Google e do Facebook, possuem montanhas de bases de dados, e manejam em tempo real muito mais informação que qualquer governo”. Por isso, a CIA recomenda à administração dos Estados Unidos que faça frente a essa 
ameaça eventual das grandes corporações da internet ativando o Special Collection Service, um serviço de espionagem ultra-secreto – administrado conjuntamente pela NSA (National Security Service) e o SCE (Service 
Cryptologic Elements) das Forças Armadas – especializado na captação clandestina de informações de origem eletromagnética. O perigo de que um 
grupo de empresas privadas controle toda essa massa de dados reside, principalmente, em que poderia condicionar o comportamento em grande escala 
da população mundial e inclusive das entidades governamentais. Também se teme que o terrorismo jihadista seja substituído por um ciberterrorismo 
ainda mais surpreendente. 

A CIA toma tão a sério este novo tipo de ameaças que, eventualmente, o declínio dos Estados Unidos não terá sido provocado por uma causa externa, mas por uma crise interna: o colapso econômico ocorrido a partir de 2008. O relatório insiste em que a geopolítica de hoje deve interessar-se por novos fenômenos que não possuem forçosamente um carácter militar. Pois, ainda que as ameaças militares não tenham desaparecido (veja-se as intimidações armadas contra a Síria ou a recente atitude da Coreia do Norte e o seu anúncio de um possível uso de armas nucleares), os perigos principais que ocorrem hoje nas nossas sociedades são de ordem não militar: mudança climática, conflitos econômicos, crime organizado, guerras eletrônicas, esgotamento dos recursos naturais.

Sobre este último aspeto, o relatório indica que um dos recursos que mais aceleradamente se está a esgotar é a água doce. Em 2030, cerca de 60% da população mundial terá problemas de abastecimento de água, dando lugar ao aparecimento de “conflitos hídricos”... Quanto ao fim dos hidrocarbonetos, a CIA mostra-se, pelo contrário, bem mais otimista que os ecologistas. Graças às novas técnicas de fraturação hidráulica, a exploração do petróleo e do gás de xisto está a atingir níveis excecionais. Os Estados Unidos já são autossuficientes em gás, e em 2030 sê-lo-ão em petróleo, o que    embaratece os seus custos de produção manufatureira e exorta à relocalização das suas indústrias. Mas se os Estados Unidos – principal importador atual de 
hidrocarbonetos– deixar de importar petróleo, é de prever que os preços caiam significativamente. Quais serão então as consequências para os atuais países exportadores? 

No mundo para que vamos, cerca de 60% das pessoas viverão, pela primeira vez na história da humanidade, nas cidades. E, como consequência da redução acelerada da pobreza, as classes médias serão dominantes e triplicar-se-ão, passando de 1.000 para 3.000 milhões de pessoas. Isto, que em si é uma revolução colossal, acarretará como sequela, entre outros efeitos, uma mudança geral nos hábitos culinários e, em particular, um aumento do consumo de carne à escala planetária. O que agravará a crise ambiental. Porque multiplicar-se-á a criação de gado, de porcos e de aves; e isso supõe um 
aumento do gasto de água (para produzir alimentos), de pastos, de adubos e de energia, com repercussões negativas em termos do efeito de estufa e do 
aquecimento global... 

O informe da CIA anuncia também que, em 2030, os habitantes do planeta serão 8.400 milhões, mas o aumento demográfico cessará em todos os continentes 
menos em África, com o consequente envelhecimento geral da população mundial. Pelo contrário, o vínculo entre o ser humano e as tecnologias de prótese acelerará a criação de novas gerações de robôs e o aparecimento de super-homens” capazes de proezas físicas e intelectuais inéditas. 

O futuro é poucas vezes previsível. Não é por isso que há que deixar de o imaginar em termos de prospetiva, preparando-nos para atuar perante diversas 
circunstâncias possíveis, das quais uma só se produzirá. Ainda que já tenhamos advertido que a CIA tem o seu próprio ponto de vista subjetivo sobre a marcha do mundo, condicionado pelo prisma da defesa dos interesses norte-americanos, o seu relatório tetranual não deixa de constituir uma ferramenta extremamente útil. A sua leitura ajuda-nos a tomar consciência 
das rápidas evoluções em curso e a refletir sobre a possibilidade de cada um de nós para intervir e para fixar o rumo. Para construir um futuro mais justo. 

* Artigo de Ignacio Ramonet, publicado em Le Monde Diplomatiqueem espanhol 

Comentários


  1. ESTATUTO DO HOMEM
    (Ato Institucional Permanente)


    Artigo VII

    Por decreto irrevogável fica estabelecido
    o reinado permanente da justiça e da claridade,
    e a alegria será uma bandeira generosa
    para sempre desfraldada na alma do povo.

    Thiago de Mello
    Santiago do Chile, abril de 1964

    (todos os decretos : http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/p01/p011101.htm)


    beijo

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    1. No fundo é um relatório que só vem confirmar o que vamos intuindo actualmente.
      A importância de novos espaços mundiais e a decadência de outros espaços mais tradicionais.
      Nada de muito secreto, Margot
      Beijo

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  2. Digamos que não é um futuro muito risonho, mas não era preciso a CIA para fazer alguas dessas previsões. Em relação à duração da crise e ao desmantelamento da Europa, parece-me que é visível à vista desarmada. Estamoa a viver um momento historico, mas só daqui a uns anos vamos perceber.

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    1. Foi exactamente o que eu pensei, Carlos
      Não era preciso um relatório da CIA para dizer isto.
      E será que é um relatório secreto?
      Cada vez mais acredito que os segredos destes gajos, as reuniões altamente secretas, são passadas, na maiores tempo, a jogar cartas :))

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  3. Não é preciso ser uma mente brilhante, nem pedir à CIA para fazer este tipo de relatório, qq pessoa mais ou menos lúcida o consegue fazer .... isto faz lembrar os diversos contratos que se fazem e os milhões que se gastam em portugal para se concluir o óbvio....

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    1. Qualquer pessoa minimamente lúcida e informada sabe tudo o que aqui está, TeKanelas.
      Será que este também é dos secretos?
      Já agora....

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