Francisco e os perigos de um papa que gosta de improvisar
Nos primeiros dias após o conclave, dizia-se brincando que as únicas
pessoas que não se encantaram com o papa Francisco foram os seus próprios
seguranças, que precisaram se virar para acompanhar um pontífice determinado a
quebrar o protocolo e expor-se às multidões.
Provavelmente, os spin
doctors do Vaticano começarão a integrar uma lista de assessores que correm
risco de ataque cardíaco porque o papa gosta de improvisar.
A reportagem é de John L. Allen
Jr. e publicada por National Catholic Reporter, 03-06-2013. A
tradução é de Ana Carolina Azevedo.
Como bem se sabe, Francisco adotou o costume de celebrar a sua
missa diária das 7h em outro local: não nos confins privados do Palácio
Apostólico, onde os andamentos da missa podem ser mantidos em segredo, mas na
capela da Casa Santa Marta, hotel
situado no Vaticano, local em que ele reside. Todas as manhãs, Francisco
conduz uma homilia bastante improvisada para cerca de 50 pessoas; trechos dessa
homilia serão, mais tarde, fornecidos pela rádio e TV do Vaticano bem como pelo
jornal L'Osservatore Romano.
Suas homilias são pastorais por natureza e, muitas vezes, o pontífice
utiliza linguagem simples para enfatizar seus argumentos. No dia 10 de maio, por
exemplo, Francisco comparou os cristãos exageradamente desagradáveis com
“pimentas em conserva.” Em 18 de maio, ele disse que fofocar na Igreja é como
comer mel – tem gosto bom no começo, mas dá dor de estômago se comer
demais.
Não há nenhum escritor-fantasma por trás dessas homilias, que também
não são projetadas em uma sala do Vaticano. São textos muito pessoais de
reflexões do próprio papa, relacionadas às leituras da escritura do
dia.
Por não serem tratados sistemáticos, as homilias estão abertas a
interpretações muito diferentes. Às vezes, são como um teste eclesial de
Rorschach, revelando os planos dos ansiosos para rotular o novo
líder.
Os liberais, por
exemplo, surpreenderam-se durante uma homilia, no dia 16 de abril, dedicada ao
cinquentenário do Concílio Vaticano II. Nela, Francisco criticou
“aqueles que desejam voltar no tempo”, referindo-se às reformas do Concílio. Os
liberais comemoram toda vez que Francisco critica o carreirismo na
Igreja, como fez recentemente, no dia 28 de maio, sinalizando o fato de que esse
novo papa representa uma ruptura com o clericalismo e o triunfalismo.
Entretanto, os
conservadores comemoram cada vez que o novo papa utiliza o jargão tradicional,
como suas menções muito frequentes ao diabo. Aplaudiram também a homilia de 5 de
abril, situação em que Francisco advertiu: “Quando começamos a cortar a
fé, a negociar a fé, como se estivéssemos leiloando-a, estamos tomando o caminho
da apostasia, de deslealdade ao Senhor.”
Os observadores do
Vaticano assistem às homilias em busca de evidências de coisas que estão por
vir.
Quando um grupo do Banco
do Vaticano chegou para assistir à missa matinal do dia 24 de abril, por
exemplo, Francisco disse-lhes que as estruturas burocráticas são
necessárias “até certo ponto”, mas se suplantarem o imperativo principal do
amor, então “não são o caminho.”
Em alguns lugares, as
palavras do religioso foram tomadas como uma indicação de que uma repaginada da
operação financeira do Vaticano está a caminho.
As homilias também podem
desencadear comoções teológicas.
Em 22 de maio, por
exemplo, Francisco disse que Deus “redimiu a todos nós com o sangue de
Cristo: todos nós, não apenas os católicos. Todo mundo!” E acrescentou: “Até
mesmo os ateus.”
A frase desencadeou uma
enxurrada de notícias e postagens em blogs sobre Francisco estar ou não
enfraquecendo a doutrina católica quanto aos limites da salvação. (A saber, o
debate ignorou em grande parte uma homilia de 22 de abril, em que
Francisco disse que Jesus é “a única porta” de entrada no Reino de Deus e
que “todos os outros caminhos são enganosos, não são verdadeiros, são
falsos.”)
No despertar dessa
polêmica, o padre Basílio Thomas Rosica, que atuava como porta-voz do
Vaticano durante a transição papal, emitiu um esclarecimento de 2.300 palavras
em 23 de maio, insistindo que Francisco “não tinha a intenção de provocar
um debate teológico sobre a natureza da salvação.”
Uma parte da dificuldade
é que, até agora, o Vaticano não está fornecendo transmissões não editadas ou
textos completos das homilias diárias. Em vez disso, a Rádio Vaticano
fornece um breve podcast de algumas seleções, e o L'Osservatore
Romano oferece trechos impressos.
Alguns observadores já
estão se perguntando se há alguma intenção por trás do que estão transmitindo e
o que está sendo deixado de fora. Depois da homilia de 24 de abril, por exemplo,
o L'Osservatore decidiu omitir a mesma notícia sobre o Banco do Vaticano
que a Rádio Vaticano incluiu em sua programação.
Antigamente, o Vaticano
“editava” as falas do papa de vez em quando. Como todos sabem, o uso inovador da
primeira pessoa do singular por parte do papa João Paulo I, por vezes,
era alterado para “nós” em transcrições oficiais. Com as homilias de
Francisco, alguns suspeitam que um esforço semelhante para controlar o
papa pode estar sendo feito através do truncamento e da liberação seletiva; o
contrário disso seria utilizar a redação direta.
Célebre comentarista
católico, o padre John Zuhlsdorf, por exemplo, escreveu que “no que
concerne a mensagem do papa, deveríamos poder ouvi-la na íntegra ou não ouvi-la
de maneira alguma”.
Parcialmente em resposta
a essa crítica, o padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano,
emitiu um comunicado de 400 palavras na sexta-feira, explicando que
Francisco quer que sua missa diária tenha um ambiente “familiar” e
“solicitou que não haja transmissão ao vivo em vídeo e áudio,
especificamente.”
Lombardi observou que
Francisco prega em italiano, “que não é sua língua materna”, e seu
discurso, na verdade, geralmente é bem diferente do texto escrito. Segundo
Lombardi, fornecer uma transcrição exigiria que o papa editasse o texto,
o que não é algo “que o Santo Padre pretenda fazer todas as manhãs.”
Lombardi insistiu na distinção
entre as “atividades públicas e privadas” do pontífice. As públicas, sugeriu,
vêm com textos completos, mas são modeladas posteriormente para promover a
“espontaneidade e familiaridade”.
O Vaticano quer
respeitar a vontade do papa, disse Lombardi, enquanto “permite a uma
maior parcela do público o acesso às principais mensagens que o Santo Padre
oferece aos fiéis nessas circunstâncias.”
Honestamente, os
observadores da Igreja deveriam agradecer Lombardi e os métodos de
comunicação do Vaticano, porque as verdadeiras alternativas não são partes do
que o papa disse ou o texto todo. Levando em conta o nervosismo das instituições
no que diz respeito ao controle de expressão, as alternativas reais
provavelmente são trechos ou absolutamente nada, tirando o que os participantes
possam revelar em segunda mão.
Francisco é uma criatura “plugada” e, portanto, lendária; o novo papa não é um
líder isolado, sem consciência da vida real na Terra. Ele provavelmente sabe que
suas homilias tornaram-se fontes diárias de análises e roletas matemáticas. Até
agora, no entanto, ele parece determinado a não deixar que o risco de ser mal
interpretado impeça comportar-se como um pastor, e não apenas um legislador, um
teólogo líder.
Portanto, no momento, os vários porta-vozes e funcionários especiais
do Vaticano parecem destinados a acordar toda manhã se perguntando se o dia
trará uma nova sensação instantânea, provocada por esse papa notoriamente
incomum.
Lá está a sua simplicidade, mas bem complicado para quem tem a missão de o proteger e imagino que deve pôr o pessoal todo a "trabalhar" bem cedo:):):):)
ResponderEliminarEles devem ficar de cabelos em pé, Fatyly :))
EliminarNão li o post todo, confesso, mas os primeiros paragrafos fizeram-me sorrir!
ResponderEliminarEstá ali todo o "sofrimento" que Francisco causa ao pessoal encarregue da sua segurança, Mariposa Colorida
EliminarHá dias deu uma entrevista com ele absolutamente fabulosa, e foi uma entrevista inesperada uma vez que o jornalista que nem esperava ter grandes conversas com ele acabou por ser convidado para jantar :)
ResponderEliminarEstá aqui o vídeo se tiver hipótese de ver:
http://sicnoticias.sapo.pt/video/#videoPlayer_Top
Beijinhos
Ele é mesmo espontâneo, genuíno, Poppy.
EliminarE de uma bonomia e simplicidade extraordinárias.