O meu Fiat 600

O Carlos deixou-me um desafio ao qual respondo agora - memórias de episódios passados com o meu Fiat 600.



O Fiat 600 foi o meu primeiro carro.
Que o meu pai me ofereceu logo que tirei a carta de condução.
Cumpria assim uma promessa que havia feito dois anos antes.
Perante a minha brilhante ideia de comprar uma mota, ele respondeu - "uma coisa que tem como pára-choques a tua cabeça? Nem penses!! Gosto demasiado de ti para permitir que isso aconteça. Se a comprares, esconde-a. Porque eu, gostando de ti como gosto, vejo-me forçado a parti-la se a vir. Prometo-te que, quando tiveres carta de condução, vais ter um carro à espera."
No momento, fiquei destroçado.
Não passaram dois meses até ver um querido amigo morrer na sequência de um acidente de viação estúpido (são todos estúpidos) com uma mota.
Nunca mais me sentei numa!!
E, cumprindo a promessa, quando tirei a carta de condução, lá estava o Fiat 600 à minha espera.
O "boguinhas", como a malta lhe chamava.
Que o meu pai comprou a um colega de trabalho por ....9 contos.
Sim, 45 euros!!



O carro estava num estado deplorável.
Ao trazê-lo para casa, o sinaleiro (vejam lá há quantos foi!!) mandou o meu pai parar ao pé do Mercado Municipal em Coimbra.
E teve que, juntamente com alguns transeuntes, ir empurrar o carro porque ele já não pegava.
Lá chegou a casa, fechou a porta com um bocado de força, e o vidro do lado do condutor caiu!
Ficou na nossa garagem e foi ali desmontado, peça a peça, raspado, pintado, estofado (duas vezes!!), reparado, por três amigos muito especiais, um dos quais precocemente desaparecido.
Surpresa maior?
O facto de o cano de escape do carro estar preso com uma placa de cimento!
A explicação?
O cano de escape tinha caído, o anterior dono andava a fazer obras em casa, e os pedreiros prenderam aquilo com uma placa de cimento.
Depois de todos os arranjos, o carro ficou lindo!
De um "azul cueca" passou para um branco sujo, com umas suaves listas pretas no fundo e com duas entradas de ar para refrigerar o motor (o motor era atrás) também pretas.
E com um estofos de napa (não, não era cabedal) preta também.
Como o volante era a brutalidade que podem ver na fotografia, foi adquirido um volante de carros de competição, pequenino, caríssimo.
E o meu Padrinho ofereceu-me o imprescindível rádio/leitor de cassetes com as respectivas colunas de som.
Custo total - 35 contos (175 euros)!!
Matrícula HI - 53 - 25, o meu Fiat 600 fez parte da minha vida durante quatro maravilhosos anos.
E vai fazer parte das minhas memórias o resto da minha vida.



Gastava quatro litros de gasolina, normal (há quantos anos é que já não há gasolina normal??!!) aos 100.
E abria as portas ao contrário.
Como o carro da foto.
A descer, com vento favorável, era capaz de passar os 100 km/h!!
Uma máquina infernal!!
O facto de abrir as portas assim, descobri na sequência de uma noite de copos, era uma complicação.
Porque apanhava o vento de frente.
A caminho da Figueira, enquanto eu ia dançado e o João Vicente ao meu lado dava as curvas, abri a porta porque tinha o casaco preso na mesma.
E a porta foi bater com estrondo na traseira do carro e fechou-se sozinha.
Nem um risquinho no carro!
Ferro e aço!!

O 600 tinha outro defeito que dolorosamente descobri.
Era muito fácil abrir as portas do carro.
Descobri isso numa noitada na discoteca (States?)
A malta deixou os casacos todos no meu carro.
No final da noite, nem um restava.
E as portas do carro estavam misteriosamente fechadas e trancadas.
Soube depois (ter amigos que tinham pais na Polícia era óptimo!!) como foi.
Uma colher de bica, a "vassourinha" como era conhecida pelos polícias, partida pelo lado mais fininho, abria e fechava o carro com a maior das facilidades.
Com muita sorte, e a ajuda dos amigos polícias, lá descobrimos os casacos quase todos (o Joca ficou a "arder" e o casaco do Zé fedia até mais não!!), num quarto de umas prostitutas na cave de uma pensão que ficava perto da sede da Académica.

O "boguinhas" continuou a ser um amigo fiel.
Que me levava e trazia todos os dias de e para a Universidade.
E que me passeava a mim e aos amigos.
Até começar com outra "mania".
"Bebia" um garrafão de água no caminho de Coimbra para a Figueira.
Outro no caminho de volta (o motor aquecia demais).
Estava a anunciar o fim.
Que chegou quando ia a subir na zona do Penedo da Saudade com o Joca, o Zé, a Paulinha e a Cristina.
E ficámos todos de lado.
Tinha-se partido a suspensão e o "boguinhas" estava a pedir repouso.

Foi vendido a um amigo, que conhecia bem o carro, por 65 contos (mais de 300 euros!!).
Tive muitos carros depois do "boguinhas".
Alguns bastante bons.
Mas nunca mais esqueço o "boguinhas", o meu Fiat 600, o meu primeiro carro.

Em tempo:
O Joca lembou-me outra característica muito peculiar.
Já me tinha esquecido desta.
Publico o mail que recebi dele:

"Meu caro:


Estás a esquecer aquela particular característica da impermeabilização num sentido apenas: quando chovia e as ruas ficavam inundadas, a água entrava por baixo e tínhamos que vir com os pés no ar. Pior que isso, contudo, era que depois não saía. Ainda me lembro de te ver a um domingo de manhã (depois de uma noite de sábado particularmente "chuvosa") de balde em riste, a "drenar" o carro.

Um grande abraço,

Joca"


Quando se tem amigos assim.....

(Fotos retiradas da Net)

Comentários

  1. Caro confrade Pedro Coimbra!
    Apreciei saber das suas peripécias com sua primeira máquina rodante após obter a tão esperada Carteira Nacional de Habilitação ou como comumente aqui se fala Carteira de Motorista!!
    Caloroso abraço! Saudações motorizadas!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

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  2. Coitadinho do "boguinhas". Espero que o novo dono tenha feito um belo trabalho de restauração e que ele seja agora um clássico de fazer inveja. :)
    Disse que morreu no Penedo da Saudade? Aqui na minha zona?

    Helena

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  3. Caro Pedro Coimbra
    Excelente a sua (e a do Boguinhas)estória.
    Talvez um dia conte a do meu primeiro carro. Um Austim 850. Comprei aos 17 anos sem carta ainda. Nele aprendi a conduzir e fui a exame só com 2 lições de condução. Fui apanhado pela Polícia precisamente no dia em que fiz exame. como fiquei bem não houve problema, embora nessa altura só se sabia o resultado 15 dias depois. Tempo à justa para me safar.
    Abraço

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  4. Caro Prof. João Paulo Oliveira,
    Um carro inesquecível.
    Com memórias muito doces.
    De amigos e momentos muito especiais.
    Um abraço

    Helena,
    Vive na zona do Penedo da Saudade?
    Uma zona linda!!!
    Ficámos aí parados, com o carro de lado, à espera do reboque.
    Não sei o que aconteceu ao carro.
    Quem o comprou foi um fulano que era carteiro na estação de correios que a minha mãe chefiava.
    Que nunca mais vi.
    Nem a ele, nem ao carro.

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  5. Rodrigo,
    Como o primeiro amor, a gente também nunca esquece o primeiro carro.
    Um abraço

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  6. Só uma correcção, Pedro, 9 contos são 45 euros e não 450 como escreveste. Nunca me esquecerei desse e dos outros carros que tiveste ;)

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  7. Que bela máquina! Se os carros falassem... Ui, ui estávamos "bem tramados".
    Acho que a Fiat lançou um modelo um pouco na linha deste e eu até acho um carro giro.

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  8. Caro Pedro,

    o 1º carro é como o 1º amor, nunca mais se esquece!!!

    Aquele abraço, querido amigo!

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  9. O penedo da saudade é um belo sítio para um carro "morrer"...

    Que peripécias!
    Quando tiver o meu primeiro carro também faço um texto sobre o dito :)
    Curiosamente, gosto muito da Joaninha (o novo fiat 600) mas todos me dizem para não investir nesse carro, que tem uma má relação custo/qualidade :( Eu bem que digo, "mas é tão fofo... tão giro..."
    Ninguém me compreende!*

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  10. O meu primeiro carro foi um 600 D.
    Que máquina!!!
    Ainda me recordo da matrícula: BC-31-35

    Se me é permitida uma resposta ao relogio.de.corda, direi que o modelo que a Fiat lançou não há muito tempo, é o Fiat 500.

    Abraços para todos.

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  11. Pedro
    O meu primeiro carro foi um Fiat 6oo cor bege as portas abriam para traz, custou 3.200$00 ( 16 €) não tinha grelha à frente.
    Abraço

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  12. Caro Pedro
    Em boa hora lhe lancei o desafio, porque esta sua descrição está deliciosa e fez-me lembrar o meu Fiat 600 branco.
    Também o comprámos ( eu e o meu irmão) e logo de seguida foi para a oficina para fazer aquilo que hoje se chamaria um "lifting".
    Engraçado é que tenho uma secretária no meu gabinete que tem um... cor de rosa! Ofereceram-lhe há pouco tempo 2000€ por ele, mas ela não vende.
    Adorei o post, mas só queria acrescentar duas coisas:
    - 9 contos são 45€ ( 450 patacas)
    - Agora venham as histórias picantes :-))
    Abraço e obrigado por me ter divertido durante a hora do almoço.

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  13. Luís,
    Tens toda a razão.
    Está ali um zero a mais.
    Vou corrigir.

    relogio.de.corda,
    O Fiat 500.
    Carito.
    Há um desenhado pela Gucci.

    Ricardo,
    Totalmente de acordo!!
    Aquele abraço

    Catarina,
    O novo é o Fiat 500.
    É carito.
    Mas mais vale um gosto na vida...

    Observador
    O 600 D já abria as portas de maneira mais convencional.
    Mas também era uma máquina infernal!!

    Adélia,
    As portas do seu carro abriam como as do meu.
    Como está na fotografia.
    A gente abria a porta e tinha que dar a volta para entrar!!
    Abraço

    Carlos,
    Era famosa na Figueira uma Dyane cor de rosa.
    Propriedade do dono da discoteca Pessidónio.
    Dyane que foi o carro que veio a seguir.
    Vou corrigir as matemáticas.
    Mas nada de histórias picantes.
    Nem às paredes confesso!! :))
    Aquele abraço

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  14. Vim a correr ler a estória do Fiat. Gostei.
    Agora – apesar de deliciosa – vamos a uma estória picante!
    Catarina A.

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  15. Lembrou-me o meu: um 127 de primeira série. Já em terceira mão.

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  16. Mas, com certeza, apesar dos pesares, foi maravilhoso para ti.
    Um grande bj querido amigo

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  17. O meu primeiro carro foi um Mini vermelho com o tejadilho branco e custou 12.000$00, Pedro.
    Mas o Fiat ainda é mais giro!
    História tão deliciosa.
    Bjs. :)

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  18. Coimbramigo

    O Fiat 600 era excelente, mas com a famosa necessidade da drenagem; nunca tive um, nem sequer meio... Mas, o meu primo Jacinto (já falecido) um tanto mais velho do que eu, teve um 500. E um 2C. Eu, que era um puto, adorava andar em ambos, mas sobretudo no Citroen por causa da manete das mudanças, kera bué da fixe!!!!

    Quantos anos já lá vão... A 20 deste mês conto chegar aos 70 - setenta, leste bem... Uns anos depois dessas sagas, uma namorada, a Pilar, que viria a casar com o David Mourão Ferreira, tinha um Renault Dauphine amarelo torrado. Nem quero falar disso (nem posso, nem devo...)

    一个大大的拥抱

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  19. Catarina,
    Os episódios picantes ficaram guardados dentro do Fiat 600 :))
    Que era um carro que também sabia guardar segredos..... :)))

    George,
    Também andei nalguns 127.
    A Fiat tinha uns carros muito engraçados neste segmento.
    O 127 já era um "pantufa" mais desportivo.

    Gisa,
    Adorei aquele carro.
    E tudo o que ele representou.
    Um beijo

    ana,
    O Mini foi o carro que a maior parte dos amigos usou para aprender a conduzir.
    Pertencia à mãe de um dos meus amigos de infância e passou pelas mãos de quase todos nós.
    Ainda antes de termos carta de condução :))))

    HenriqueAmigo,
    Uma amiga tinha o 2cv.
    Eu tive uma Dyane (logo a seguir ao 600).
    E andei durante algum tempo com um Renault 4 L.
    Ambos com a caixa de velocidades semelhante.

    70 anos?
    É um puto, caraças!!
    Com 72 concluiu o meu pai a licenciatura em Filosofia (o meu pai foi contabilista toda a vida profissional).
    Um abração ho pang iao

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  20. Gostei da resposta, Pedro Coimbra!
    Tal como já alguém disse: o que acontece num carro, fica no carro!

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