SERÁ JESUS CRISTO UMA CAUSA PERDIDA? (Frei Bento Domingues, O.P.)
O jornal Público, onde esta crónica foi publicada, não incluiu a frase final,
adulterando assim o texto de Frei Bento.
Reponho a crónica como foi escrita por Frei Bento com a preciosa ajuda do blogue Nós Somos Igreja.
1.
Neste Natal, D. Manuel Martins voltou a mostrar que não está cego, nem surdo,
nem mudo. Declarou, a vários órgãos de comunicação social, que os actuais
governantes não estão à altura do momento. Constituem um executivo mal
alinhavado. O resultado está à vista: grande parte da população foi lançada no
escuro do desespero e vive dominada por mil ditaduras. Tem medo de hoje e de
amanhã, de perder o trabalho, de não poder resolver os seus problemas e de ter
de deixar a sua casa. Sente-se no fundo de um poço e sem dinheiro para a corda
que a puxe para cima.
Este bispo não isolou a desorientação caseira
do sistema predominante no Ocidente, “uma espécie de religião fundamentalista
seguida pelos poderosos que passam a vida ajoelhados diante do lucro e do
dinheiro” esperando alargar, cada vez mais, a sua dominação financeira, sem
olhar para o que poderia ser o verdadeiro interesse público.
Nessas declarações, a Igreja Católica também
não foi poupada: anda atrasada e, em Portugal, está a falhar metade da sua
missão.
Nenhum católico está obrigado a concordar nem
com o diagnóstico, nem com a terapêutica que D. Manuel Martins propõe para
sairmos do buraco que, dia a dia, se apresenta mais fundo. Como poderia ele, no
seu retiro de bispo aposentado, virar as costas ao clamor da “miséria imerecida”
do povo português?
2.
Começam, agora, as dificuldades para responder ao título desta crónica. Hoje, só
um ignorante se atreveria a negar a existência histórica de Jesus de Nazaré. Só
alguém muito inconsciente pode dizer que sabe não só por que lhe chamaram, e
continuam a chamar, Cristo, Messias, Filho de Deus, Filho do Homem, mas,
sobretudo, o que é que verdadeiramente isso significa de vital para o nosso
dia-a-dia.
São muitos os testemunhos escritos que as
primeiras comunidades de discípulas e discípulos de Cristo nos deixaram. Lendo,
relendo e estudando-os, a impressão que nunca me abandona é esta: Jesus não cabe
nos textos do Novo Testamento, nem nas fórmulas dogmáticas e cristologias
elaboradas, ao longo de dois mil anos. Falam sempre de alguém que lhes escapa.
Todas as narrativas e todo o jogo de títulos, disponíveis e imagináveis, que lhe
são atribuídos, são sempre roupa muito curta para o vestir. Dá-me sempre vontade
de rir quando me perguntam: mas ele era Deus? Respondo sempre, da forma mais
ortodoxa: verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Fico aflito quando as pessoas
sossegam com a resposta. Ninguém conhece o mistério absoluto que Deus é, nem o
mistério que o ser humano é para si mesmo. A intervenção de Jesus não desfez o
mistério, revelou a sua insondável profundidade.
3.
Nos Actos dos Apóstolos, Pedro, chamado a explicar-se porque teimava em actuar
em nome de Jesus Cristo Nazareno, teve uma resposta atrevida: “porque não há sob
o Céu outro nome, dado aos seres humanos, pelo qual devemos ser salvos” (Act. 4,
12). Isto parece uma apologética barata e de mentalidade exclusivista: a verdade
e o bem são propriedade nossa e só nossa. Se assim fosse, estaríamos no mercado
da concorrência das religiões.
Nada disto tem a ver com o que, de facto, se
passou com Jesus e por que motivo uma estranha coligação – dos chefes das nações
pagãs e dos povos de Israel -, o levou à cruz.
Jesus não tinha trazido ao mundo nenhuma
ciência, nem nenhuma técnica que pudessem ser reproduzidas para o progresso da
humanidade. O seu contributo, nesse campo, é nulo. Então porque será que Pedro o
tem por indispensável e insubstituível?
A
intervenção e a palavra de Jesus estavam centradas em ajudar a descobrir o
essencial: que haverá de mais humano em qualquer ser humano que ninguém tem
direito de ofender, quer por razões do Céu, quer da Terra? Ele descobriu e
denunciou dois poderes geradores de permanente dominação desumanizadora: a
religião e o dinheiro. O seu combate às formas e preceitos mais sagrados da
religião em que foi educado valeu-lhe uma desautorização completa. É pelo diabo, por Beelzebu, que ele faz até o
bem que faz, pois se fosse um homem de Deus, guardava o Sábado, a
instituição mais sagrada do seu povo (Mt. 12, 22-32).
Ninguém pode servir a Deus e ao Dinheiro. Esta
sentença é muito repetida e esquecida. Já os fariseus, amigos do dinheiro,
zombavam da incompetência financeira de Jesus (Lc. 16, 14).
É, no entanto, muito possível que o Nazareno
continue a ter razão. Quem estiver possuído pela vontade de ter cada vez mais
dinheiro, mais poder de dominação, quem se deixar possuir pelo lucro a qualquer
preço, pelo perverso prazer de ter dinheiro, quem deixar que ele tome conta do
seu coração, vive em suprema idolatria. O essencial do ser humano evaporou-se. A
gratuidade do dom que Deus é e à imagem do qual o ser humano se realiza como
humano, desapareceu do horizonte.
Não me parece nada que Jesus seja uma causa
perdida. Penso o contrário. As civilizações humanas são feitas da construção de
impérios de dominação e do estrondo da sua ruína. Quando se esquece que todas as
ciências, técnicas e formas de desenvolvimento só valem na medida em que servem
o que não tem preço, o que não é meio para algo mais valioso, perde-se o
essencial.
Que poderemos dar em troca do ser
humano?
Mais do que a mensagem em si, o facto de um jornal conceituado como o "Público" eliminar a última frase parece-me deveras curioso. Erro gráfico? Ou será que, como dizia a outra, não há coincidências? Isto sem desprimor para a mensagem, evidentemente, que me pareceu bastante lúcida e importante... ;)
ResponderEliminarGostei das fotos do deserto, no post anterior! ;)
Beijocas!
Fica a duvida se terá sido simples cagada da parte do Publico ou se foi intencional.
ResponderEliminarFacto - foi eliminada a frase e distorce totalmente o sentido da mensagem.
As fotos são de facto muito bonitas, Teté.
Beijocas
O "Público" é cada vez mais um jornal de esquerda. Basta ver que o seu novo director disse, em jeito de balanço, que o acontecimento mais positivo de 2012 foi a reeleição de Obama.
ResponderEliminarO "Público" é cada vez mais um jornal de extrema-esquerda. Basta ver que o seu director disse, no vídeo em que fez o balanço do ano de 2012, que o melhor acontecimento do ano tinha sido a reeleição de Obama.
ResponderEliminarO "Público" um jornal de extrema-esquerda???
EliminarCada um tem uma perpectiva diferente, pois há quem considere o "Público" um jornal de direita.
Também eu considero a reeleição de Obama o melhor acontecimento do ano 2012 e não sou da extrem-esquerda. Há até quem me considere da direita, por eu ser amiga da Angela Merkel.
Independentemente da orientação política, truncar um artigo de um colaborador parece-me particularmente grave, Afonso de Portugal.
ResponderEliminarAmanha, com mais calma, vou visitar o seu espaço.
Desculpe, Pedro, por me ter metido ao baraulho, mas achei piada o jornal "Público" ser considerado de extrema-esquerda, há um amigo nosso, que tem uma opinião oposta.
EliminarNão peça desculpa, ematejoca.
EliminarTroca de ideias, posições divergentes, é sempre saudável.
E será que alguém se lembrou de denunciar isso?
ResponderEliminarSerá que a tinta acabou!
ResponderEliminarConcidências???
É grave demais.
Pedro adorei as fotos do deserto.
beijinho e uma flor
Receio, Pedro, que não compreendi a mensagem deste texto com ou sem a última frase.
ResponderEliminarHouve, no entanto, um termo que chamou a minha atenção:
"incompetência financeira".
Sim, foi a incompetência financeira dos nossos políticos que levou o nosso país à situação precária actual.
Quanto à incompetência financeira de Jesus não posso dizer nada, mas também pouco importa.
FireHead,
ResponderEliminarSe mais ninguém o fez, eu e o blogue Nós Somos Igreja fizemos
Adélia,
É realmente muito estranho.
E de uma falta de respeito incrível.
Se foi erro, já deviam ter pedido desculpa, não é?
As fotos são uma maravilha.
Tinha que as partilhar.
Beijinho para si também
ematejoca,
A mensagem se bem a entendo, é a necessidade de reflectir mais sobre nós próprios (introspecção, limpeza da alma e do coração) e também a necessidade de maior e melhor preparação dos dirigentes.
E repare que Frei Bento Domingues não se refere apenas aos dirigentes políticos portugueses.
Ele olha para a incompetência, a falta de preparação e escrúpulos na governança mundial.
Convenhamos que as excepções são muito poucas.
Pedro,
ResponderEliminarapenas e só, lamentável!
Abraço
E isso é ser simpático, Ricardo.
ResponderEliminar