Quando nos esquecemos de nos lembrar: falhas na memória prospetiva
Artigo publicado no
“Current Directions in Psychological Science”
Uma equipa de cirurgia fecha uma incisão
abdominal e dá
por concluída uma operação difícil, mas bem-sucedida.
Semanas
mais tarde, o paciente dá entrada nas Urgências
com dores abdominais.
O raio x
revela que um dos instrumentos cirúrgicos ficou
esquecido dentro do paciente.
Por que razão profissionais altamente qualificados esquecem-
se de realizar uma
simples tarefa que já executaram várias
vezes no passado sem qualquer
dificuldade? Estudos revelam
que estes lapsos podem não estar relacionados com
descuido
ou falta de conhecimento, mas com falhas na memória
prospetiva.
As falhas na memória prospetiva ocorrem
normalmente
quando temos a intenção de fazer algo mais tarde,
embrenhamo-nos
noutras tarefas e perdemos o foco daquilo
que tínhamos inicialmente intenção de
fazer. A memória
prospetiva depende de vários processos cognitivos, tais como
o
planeamento, a atenção e a gestão de tarefas. Apesar de
comuns no dia-a-dia,
estes lapsos são, na maior parte das
vezes, irritantes. Contudo, podem
acarretar consequências
trágicas. Todos os anos, por exemplo, morrem bebés
esquecidos pelos pais dentro dos carros deixados ao sol
durante o verão.
Muito daquilo que temos intenção de fazer
no quotidiano,
quer seja no trabalho ou em casa, envolve tarefas repetitivas.
Assim sendo, no caso de tarefas habituais, as nossas intenções
podem não ser
explícitas. Não formulamos, por exemplo, uma
intenção explícita de colocar a
chave na ignição sempre que
conduzimos um carro – a intenção encontra-se
implícita na
rotina habitual de conduzir.
Dismukes e outros colegas identificaram, em
estudos
anteriores, situações que podem conduzir a falhas de
memória
prospetiva. Interrupções a processos habituais, por
exemplo, além de serem
irritantes no dia-a-dia, podem
conduzir a situações fatais em determinados
contextos. Várias
catástrofes aéreas ocorreram devido a interrupções enquanto
o
piloto realizava tarefas críticas pré-voo. Depois da
interrupção, os pilotos
passaram para a tarefa seguinte sem se
darem conta de que a tarefa interrompida
não tinha sido
concluída.
Apesar de parecer que nos adaptamos bem a
realizar várias
tarefas em simultâneo, estudos demonstram que, quando
surge um
problema numa das tarefas, temos a tendência para
dar atenção a essa tarefa
específica e esquecermo-nos das
restantes.
Para nos protegermos de falhas de memória
prospetiva e das
suas consequências potencialmente catastróficas, os
profissionais da aviação e da medicina, por exemplo,
passaram a adotar
ferramentas específicas para apoiar a
memória, tais como listas de verificação.
Estudos revelam
ainda que intenções de implementação (por exemplo,
identificar
quando e onde será realizada uma determinada
intenção) pode ajudar a prevenir
falhas semelhantes.
Dismukes afirma que ter um plano concreto ajuda a melhorar
duas a quatro vezes mais a memória prospetiva em tarefas
como o exercício
físico, adesão a medicação, autoexame da
mama e trabalhos de casa.
Além das listas de verificação e intenções
de implementação,
Dismukes e outros investigadores apontam outras formas de
ajudar a lembrar e executar determinadas tarefas:
• Usar ferramentas
externas de apoio à memória, tais como alarmes no calendário do telemóvel;
• Evitar realizar várias
tarefas em simultâneo quando uma das tarefas é importante;
• Executar tarefas
importantes no momento e não mais tarde;
• Colocar avisos que se
destaquem e em locais onde seja fácil vê-los;
• Relacionar a
tarefa-alvo com um hábito que já esteja estabelecido.
“Em vez de culpar os indivíduos por lapsos
inadvertidos na
memória prospetiva, as organizações podem melhorar a
segurança
através do apoio à colocação em prática destas
medidas”, defende Dismukes. Este
investigador sugere ainda
que os cientistas devem combinar a investigação em
laboratório com a observação das ações humanas no mundo
real de forma a
compreender melhor como funciona a
memória prospetiva e desenvolver estratégias
práticas para
evitar falhas.
Ainda assim não é desculpa para a negligência médica. :)
ResponderEliminarA minha irmã é médica-cirurgiã. Vou enviar-lhe este post por email. Que terá ela a dizer sobre isto?
ResponderEliminarA memória prospetiva tem as costas largas...
ResponderEliminarFireHead,
ResponderEliminarClaro que não.
Mas é uma explicação para alguns casos.
L.O.L.,
Depois diga-nos qual foi a reacção da sua irmã.
Carlos,
Em muitas situações, são cá de uma largura!!!