"O prefaciador implacável" por Ricardo Araújo Pereira
O prefaciador implacável
Anseio por conhecer os factos gravíssimos que estão a ocorrer em Portugal neste momento lendo o prefácio do próximo livro de Cavaco, daqui a um ano
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Ricardo Araújo Pereira  
Quinta feira, 22 de Mar 
de 2012  
Revista Visão | 
Julgo que Cavaco tem um sonho 
parecido com o de Sá Carneiro: um governo, uma maioria, um Presidente. Só que, 
no sonho de Cavaco, ele desempenha todos os cargos. Há um Presidente Cavaco, um 
conselho de ministros formado por Cavacos e 230 Cavacos na Assembleia da 
República. No entanto, por absoluta impossibilidade 
física, Cavaco vê-se forçado a ocupar apenas um cargo de cada vez. Quem perde é 
o país. E Cavaco exaspera-se um bocadinho, como tem sido o caso. 
Enquanto periodicamente manifesta alguma desilusão com o 
actual primeiro-ministro, Cavaco publica um livro em que reprova o comportamento 
do primeiro-ministro anterior. Diz que José 
Sócrates violou um artigo da Constituição. O caso gerou alguma surpresa 
entre os analistas: o livro reúne discursos do Presidente, mas a acusação, que é gravíssima, está no 
prefácio. Normalmente, o tema do livro é introduzido no prefácio, mas a 
matéria mais importante está, digamos, no fácio. Em Cavaco, tal não sucede. 
Os discursos são mais ou menos dispensáveis, 
mas o prefácio é soberbo. Anseio por conhecer os factos gravíssimos que 
estão a ocorrer em Portugal neste momento lendo o prefácio do próximo livro de 
Cavaco, daqui a um ano. A espera é dura, mas vale a pena. 
Porquê fazer uma acusação destas num prefácio, têm 
perguntado os analistas. Porque fazê-la numa nota de rodapé seria ridículo, digo 
eu. No prefácio, tem outra dignidade. E é o 
que está estipulado na carta de poderes e competências do Presidente da 
República: quando o primeiro-ministro viola a Constituição, o Presidente tem 
duas hipóteses: demiti-lo e convocar eleições ou esperar um ano e dizer-lhe das 
boas num maldoso prefácio. Cavaco escolheu a opção mais violenta. Quem 
sabe história recordará que Napoleão foi obrigado a exilar-se em Santa Helena na 
sequência de um prefácio muito desagradável escrito pelo Duque de Wellington. O 
poder devastador do prefácio, em política, está bem documentado.
Cavaco viu na atitude de Sócrates uma deslealdade histórica. 
Infelizmente, é difícil perceber se a deslealdade do ex-primeiro-ministro é 
histórica por ser de grande envergadura ou por entretanto ter passado tanto 
tempo que já pertence à história. Para ajudar a esclarecer estas questões, 
Cavaco é hermeneuta de si próprio, como vem sendo hábito. O trabalho do Presidente é infinito: há que fazer 
declarações sobre as pensões de miséria do Banco de Portugal, explicá-las no 
facebook e depois explicar as explicações ao longo da semana, escapar a escolas 
repletas de perigosos pré-adolescentes e justificar a fuga no dia seguinte, 
registar uma violação da Constituição, remoer nela durante meses e denunciá-la 
num prefácio. É rara a atitude de Cavaco que não necessita de esclarecimento. 
Incluindo os esclarecimentos.



Brutal!!!
ResponderEliminarComo o humor inteligente pode ser tão certeiro.
Abraço Pedro e boa semana.
Rodrigo
O RAP é tremendo, Rodrigo.
ResponderEliminarSem ofender ninguém, atira a matar.
E faz-nos rir pelo caminho.
Aquele abraço e votos de boa semana
Sempre recomendáveis as crónicas de RAP.
ResponderEliminarBoa semana.
Já viu a intervenção dele no programa do Jô, António?
ResponderEliminarVale a pena.
Completamente fã do RAP!!
Aquele abraço