Na Inglaterra, foi de tal modo valorizada que
aí recebeu, nos inícios do século XVII, o nome por que é conhecida: "regra de
ouro" (golden rule), com duas formulações, uma negativa: "não faças aos outros o
que não quererias que te fizessem a ti", e outra positiva: "trata os outros como
quererias ser tratado". Frédéric Lenoir faz, com razão, notar que a maior parte
dos moralistas prefere a versão negativa, pois o perigo de auto-projecção sobre
os outros pode levar a esquecer que cada um tem os seus gostos e a sua própria
visão do que é bem. Neste quadro, Bernard Shaw escreveu com o seu sentido de
humor: "Não façais aos outros o que quereríeis que vos fizessem; talvez não
tenham os mesmos gostos que vós!"
É
uma regra tão universal que o filósofo R.-P. Droit perguntava recentemente no Le
Monde: "Existem regras morais presentes em todos os tempos e lugares, seja qual
for a cultura ou a época? Isso é posto em dúvida a maior parte das vezes. No
entanto, há uma excepção notável face ao relativismo generalizado." E apontava
precisamente a regra de ouro.
De facto, ela encontra-se em todas as áreas
culturais e religiosas do mundo. Apresentam-se exemplos, segundo Olivier du Roy,
que acaba de publicar: La règle d'or. Histoire d'une maxime
universelle.
Na China, com Confúcio, talvez o primeiro a
formulá-la: "O que não queres que te façam não o faças aos outros." No budismo:
"Uma situação que não é para mim agradável nem felicitante também o não poderia
ser para o outro; como poderia então desejar-lhe isso?" No zoroastrismo: "Tudo o
que te repugna não o faças também aos outros." No judaísmo: "Não faças a outrem
o que não desejas que te façam a ti." No cristianismo: "Tudo o que quereis que
os homens façam por vós, fazei-o igualmente por eles: eis a Lei e os profetas."
No islão: "Ninguém entre vós é um crente enquanto não desejar para o seu irmão o
que deseja para si próprio."
No estóico Séneca, encontramos esta
reflexão admirável sobre como tratar os escravos: "Vive com o teu inferior como
quererias que o teu superior vivesse contigo. Cada vez que pensares na extensão
dos teus direitos sobre o teu escravo pensa que o teu senhor tem sobre ti
direitos idênticos. 'Mas eu não tenho senhor', dizes. Talvez venhas a
ter."
Todos os grandes reformadores
cristãos a retomam. Pode ler-se num sermão de Martinho Lutero: "Não há ninguém
que não sinta e não tenha de reconhecer que é justo e verdadeiro o que diz a lei
natural: o que queres que te seja feito e poupado, fá-lo e poupa-o aos outros:
esta luz vive e reluz no espírito de todos os seres humanos. E se quiserem
tomá-lo em consideração, terão ainda necessidade de outro livro, de outro
mestre, de outra lei? Têm um livro vivo neles, no fundo do coração, que pode
bastar para ditar-lhes o que devem fazer, não fazer, aceitar ou
rejeitar."
Com ela, argumentou John F. Kennedy contra a
segregação racial, em 1963: "Se um americano, porque o seu rosto é negro, não
pode almoçar num restaurante aberto ao público, mandar os seus filhos à melhor
escola pública acessível, votar para os funcionários públicos que vão
representá-lo, então quem de vós quereria ver mudar a cor do rosto e colocar-se
no seu lugar? O coração do problema é este: vamos tratar os nossos companheiros
americanos como queremos ser tratados?"
Atendendo à sua universalidade, Olivier du Roy
conclui que ela "corresponde a uma espécie de maturidade moral da humanidade,
que descobre ou exprime, por volta do século V a. C., um princípio fundamental
de moralidade ou de vida em sociedade". O reconhecimento do outro humano pode
ser considerado como "um dado cultural universal, o fundamento de uma verdadeira
'lei natural'". A sua base está na empatia, na capacidade de eu me colocar no
lugar do outro, como que sentindo as consequências da minha acção sobre ele. Mas
a ética propriamente dita começa, quando se vai para lá da simpatia e se alarga
o círculo do humano ao que me não é próximo nem simpático.
Imagine-se o que seria o mundo
regido por esta regra de ouro!
(Por decisão pessoal, o autor do texto não
escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)