Chama-se
Canção do Fim. Mas seria mais correto passar a falar do fim da canção
Podemos
começar por citar uma regra, bastante clara, do regulamento do Festival da
Canção 2018, organizado pela RTP: "As 20 canções terão de ser
obrigatoriamente originais e inéditas, não podendo ter sido comercializadas ou
apresentadas em público anteriormente." A palavra "plágio",
talvez porque configura um crime punível por lei, é muito forte. Eu não me
sinto, de todo, autorizado a acusar o músico Diogo Piçarra desse crime, que
implica uma dose q.b. de dolo e má-fé, implicando, de certa maneira, um roubo.
Mas
como tenho duas orelhitas, a que vou tentando dar bom uso, sinto-me totalmente
autorizado a dizer que a Canção do Fim, vencedora da segunda semifinal do
Festival (com votação máxima do júri e do público) é igual a várias músicas
que, para mal dos meus pecados, tenho ouvido desde ontem, quase sempre com o
título genérico Open Your Eyes. Aparece quase sempre em discos de
"orações" e é uma ladainha básica e suave, realmente simples. Mas
isso não autoriza Diogo Piçarra a escrever, no início do comunicado com que
respondeu a toda a polémica, "a simplicidade tem destas coisas" (ah,
se fosse assim tão... simples; como é que Tony Carreira não se lembrou de alegar
que "a simplicidade tem destas coisas"?). Para todos os efeitos, A
Canção do Fim não é "original" (nos vários sentidos possíveis da
palavra). Isso é claríssimo. E isso devia ter sido suficiente para Diogo
Piçarra já ter tido a maturidade de se afastar do concurso em vez de declarar
"continuarei a defender a minha música por acreditar que foi criada sem
segundas intenções". É que o facto de a canção ser, musicalmente, uma
cópia (e, logo, poder configurar "plágio") é independente da intenção
ou má-fé de Diogo Piçarra. Na verdade, a dita ladainha é tão básica que não é
impossível acreditar que estava discretamente alojada, num loop longínquo, no
inconsciente do músico (os plágios involuntários, por exemplo na literatura,
não são assim tão raros). O argumento de que o músico nasceu em 1990 e a música
é bem anterior é tão infantil que nem vale a pena esmiuçá-lo.
E
porque é que A Canção do Fim não pode ir à final do próximo domingo? Há uma
razão muito pragmática: arriscava-se a ganhar (Diogo tem uma considerável
legião de admiradores). E, arriscando-se a ganhar, arriscávamo-nos nós, no ano
em que finalmente o festival da Eurovisão acontece em Lisboa, a passar pela
humilhação de ver a candidata portuguesa ser desclassificada por não cumprir as
regras (algo que nunca aconteceu).
É
tudo isto importante? Talvez não muito...
Mas
há outra razão em que Diogo podia pensar. Ele tem, de facto, milhares de fãs,
maioritariamente muito jovens. Passar a ideia de que é normal copiar (e nunca
foi, tecnicamente, tão fácil copiar, na escola, em casa...), não ser original,
apresentar-se a concurso com algo que já foi feito, pode ter consequências.
Escolher o papel da vítima, depois de descoberta a semelhança entre as duas
músicas (e atenção, não se trata de um refrão que faz lembrar outro, como
acontece tantas vezes na música popular, é toda a estrutura melódica, do
princípio ao fim, que está em causa...), tem uma leitura e pode ajudar a
fortalecer essa ideia, já tão em voga nas nossas escolas, de que a autoria e a
originalidade não são valores assim tão importantes.
Também
podíamos falar das qualidades líricas (ou falta delas) da letra de Diogo
Piçarra - que há uns anos andou pelas escolas deste país a promover um
inacreditável livro em que se propunha a reescrever os poemas de Fernando
Pessoa para chegarem às novas gerações (só a ideia já assusta, mas a
concretização ainda era pior do que a ideia) - mas se calhar já não vale a
pena. E, na verdade, esta crónica não é sobre uma questão de gosto.
Pedro
Dias de Almeida
O fim, mesmo. Ele até podia nem conhecer a outra, mas acho que deve ser eliminado.
ResponderEliminarr: pois, eu ruínas não gosto mesmo ;)
Boa quarta.
Abraço
Ouvi ontem na rádio as duas canções.
EliminarFrancamente demasiado semelhantes para ser só coincidência.
Abraço, boa quarta
Não tenho acompanhado o festival...
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Eu nunca acompanho, Isa Sá.
EliminarEsta polémica entrou-me carro dentro através da Rádio Macau.
E hoje recebi e publiquei este texto.
Porque efectivamente muito mais que plágio de uma canção está toda uma mentalidade de facilitismo que tem que ser erradicada.
Segundo li, já desistiu.
ResponderEliminarAbraço
Já, Elvira Carvalho, também já ouvi a notícia.
EliminarDeu uma de Trump e utilizou as redes sociais para anunciar a desistência.
Abraço
honesty is the best policy so simple
ResponderEliminarOs portugueses dizem que a mentira tem perna curta, baili.
EliminarPlágio ou não?
ResponderEliminarA canção é tão doce que enjoa o mais desprevenido!
E é demasiado semelhante à outra para ser só coincidência, Teresa.
EliminarRespeito - tem que ser - Pedro Dias de Almeida mas discordo de grande parte do que escreve.
ResponderEliminarUm abraço
Eu acho que ele consegue fazer muito bem a ponte de um possível plágio para uma cultura de facilitismo que se quer ver afastada.
EliminarGostei muito de ler.
Aquele abraço
Sem pretender criticar ou avaliar a "inspiração" do Diogo Piçarra, direi só que prevaleceu o bom senso !!!
ResponderEliminarAssim, está ele e estaremos nós, longe do problema que poderia resultar de uma possível e provável vitória !
Uma vitória poderia significar uma humilhação intolerável, Rui.
EliminarAinda bem que prevaleceu o bom senso.
Creio que o Pedro Dias de Almeida não anda muito longe daquilo que escrevi ontem no meu blog. Mas atenção, Pedro (Coimbra), porque o meu post não é um plágio :-)))
ResponderEliminarO Carlos não plagiou ninguém.
EliminarO Carlos, sublinho eu :))
Ahah!
EliminarNão há coincidências!
ResponderEliminareu também estou velho para acreditar em coincidências, Magui.
EliminarProcurei ontem e ouvi as três versões da música. Também acredito que possa ter acontecido que, de tão simples que a música é, acabe por se assemelhar a outra já existente. Fica a possibilidade no ar.
ResponderEliminarMas também achei que este festival está a querer "colar-se" muito ao Salvador Sobral e este concorrente mais ainda. Ao googlar encontrei fotos dele em tudo parecidas ao do Salvador, nas poses, no cabelo apanhado em carrapito... Todas desde o ano passado, antes disso tinha um ar mais clean. Vi como se apresentou no festival, muito à semelhança do Sobral e sinceramente, plágio ou não, as semelhanças com o todo tem ar e falta de originalidade.
Sobral venceu por ser honesto e original. Por ter conseguido passar isso na interpretação.
Depois aparecem outros a tentar imitar? Não vai resultar.
Só ouvi esta música na Rádio Macau.
EliminarNão ouvi mais nenhuma.
Mas, pelo que li, a colagem ao Salvador Sobral foi descarada.
Parvoíce!