PORQUE É QUE DIOGO PIÇARRA NÃO PODE IR À FINAL DO FESTIVAL? (Pedro Dias de Almeida, Jornalista)



Chama-se Canção do Fim. Mas seria mais correto passar a falar do fim da canção
 Podemos começar por citar uma regra, bastante clara, do regulamento do Festival da Canção 2018, organizado pela RTP: "As 20 canções terão de ser obrigatoriamente originais e inéditas, não podendo ter sido comercializadas ou apresentadas em público anteriormente." A palavra "plágio", talvez porque configura um crime punível por lei, é muito forte. Eu não me sinto, de todo, autorizado a acusar o músico Diogo Piçarra desse crime, que implica uma dose q.b. de dolo e má-fé, implicando, de certa maneira, um roubo.
 Mas como tenho duas orelhitas, a que vou tentando dar bom uso, sinto-me totalmente autorizado a dizer que a Canção do Fim, vencedora da segunda semifinal do Festival (com votação máxima do júri e do público) é igual a várias músicas que, para mal dos meus pecados, tenho ouvido desde ontem, quase sempre com o título genérico Open Your Eyes. Aparece quase sempre em discos de "orações" e é uma ladainha básica e suave, realmente simples. Mas isso não autoriza Diogo Piçarra a escrever, no início do comunicado com que respondeu a toda a polémica, "a simplicidade tem destas coisas" (ah, se fosse assim tão... simples; como é que Tony Carreira não se lembrou de alegar que "a simplicidade tem destas coisas"?). Para todos os efeitos, A Canção do Fim não é "original" (nos vários sentidos possíveis da palavra). Isso é claríssimo. E isso devia ter sido suficiente para Diogo Piçarra já ter tido a maturidade de se afastar do concurso em vez de declarar "continuarei a defender a minha música por acreditar que foi criada sem segundas intenções". É que o facto de a canção ser, musicalmente, uma cópia (e, logo, poder configurar "plágio") é independente da intenção ou má-fé de Diogo Piçarra. Na verdade, a dita ladainha é tão básica que não é impossível acreditar que estava discretamente alojada, num loop longínquo, no inconsciente do músico (os plágios involuntários, por exemplo na literatura, não são assim tão raros). O argumento de que o músico nasceu em 1990 e a música é bem anterior é tão infantil que nem vale a pena esmiuçá-lo.
E porque é que A Canção do Fim não pode ir à final do próximo domingo? Há uma razão muito pragmática: arriscava-se a ganhar (Diogo tem uma considerável legião de admiradores). E, arriscando-se a ganhar, arriscávamo-nos nós, no ano em que finalmente o festival da Eurovisão acontece em Lisboa, a passar pela humilhação de ver a candidata portuguesa ser desclassificada por não cumprir as regras (algo que nunca aconteceu).
 É tudo isto importante? Talvez não muito...
 Mas há outra razão em que Diogo podia pensar. Ele tem, de facto, milhares de fãs, maioritariamente muito jovens. Passar a ideia de que é normal copiar (e nunca foi, tecnicamente, tão fácil copiar, na escola, em casa...), não ser original, apresentar-se a concurso com algo que já foi feito, pode ter consequências. Escolher o papel da vítima, depois de descoberta a semelhança entre as duas músicas (e atenção, não se trata de um refrão que faz lembrar outro, como acontece tantas vezes na música popular, é toda a estrutura melódica, do princípio ao fim, que está em causa...), tem uma leitura e pode ajudar a fortalecer essa ideia, já tão em voga nas nossas escolas, de que a autoria e a originalidade não são valores assim tão importantes.
 Também podíamos falar das qualidades líricas (ou falta delas) da letra de Diogo Piçarra - que há uns anos andou pelas escolas deste país a promover um inacreditável livro em que se propunha a reescrever os poemas de Fernando Pessoa para chegarem às novas gerações (só a ideia já assusta, mas a concretização ainda era pior do que a ideia) - mas se calhar já não vale a pena. E, na verdade, esta crónica não é sobre uma questão de gosto.

Pedro Dias de Almeida

Comentários

  1. O fim, mesmo. Ele até podia nem conhecer a outra, mas acho que deve ser eliminado.

    r: pois, eu ruínas não gosto mesmo ;)
    Boa quarta.
    Abraço

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    1. Ouvi ontem na rádio as duas canções.
      Francamente demasiado semelhantes para ser só coincidência.
      Abraço, boa quarta

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    1. Eu nunca acompanho, Isa Sá.
      Esta polémica entrou-me carro dentro através da Rádio Macau.
      E hoje recebi e publiquei este texto.
      Porque efectivamente muito mais que plágio de uma canção está toda uma mentalidade de facilitismo que tem que ser erradicada.

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    1. Já, Elvira Carvalho, também já ouvi a notícia.
      Deu uma de Trump e utilizou as redes sociais para anunciar a desistência.
      Abraço

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  4. honesty is the best policy so simple

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  5. Plágio ou não?
    A canção é tão doce que enjoa o mais desprevenido!

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    1. E é demasiado semelhante à outra para ser só coincidência, Teresa.

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  6. Respeito - tem que ser - Pedro Dias de Almeida mas discordo de grande parte do que escreve.
    Um abraço

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    1. Eu acho que ele consegue fazer muito bem a ponte de um possível plágio para uma cultura de facilitismo que se quer ver afastada.
      Gostei muito de ler.
      Aquele abraço

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  7. Sem pretender criticar ou avaliar a "inspiração" do Diogo Piçarra, direi só que prevaleceu o bom senso !!!
    Assim, está ele e estaremos nós, longe do problema que poderia resultar de uma possível e provável vitória !

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    1. Uma vitória poderia significar uma humilhação intolerável, Rui.
      Ainda bem que prevaleceu o bom senso.

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  8. Creio que o Pedro Dias de Almeida não anda muito longe daquilo que escrevi ontem no meu blog. Mas atenção, Pedro (Coimbra), porque o meu post não é um plágio :-)))

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    1. eu também estou velho para acreditar em coincidências, Magui.

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  10. Procurei ontem e ouvi as três versões da música. Também acredito que possa ter acontecido que, de tão simples que a música é, acabe por se assemelhar a outra já existente. Fica a possibilidade no ar.

    Mas também achei que este festival está a querer "colar-se" muito ao Salvador Sobral e este concorrente mais ainda. Ao googlar encontrei fotos dele em tudo parecidas ao do Salvador, nas poses, no cabelo apanhado em carrapito... Todas desde o ano passado, antes disso tinha um ar mais clean. Vi como se apresentou no festival, muito à semelhança do Sobral e sinceramente, plágio ou não, as semelhanças com o todo tem ar e falta de originalidade.

    Sobral venceu por ser honesto e original. Por ter conseguido passar isso na interpretação.

    Depois aparecem outros a tentar imitar? Não vai resultar.

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    1. Só ouvi esta música na Rádio Macau.
      Não ouvi mais nenhuma.
      Mas, pelo que li, a colagem ao Salvador Sobral foi descarada.
      Parvoíce!

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