Quando o pragmatismo se sobrepõe à ideologia


Empate técnico, indicavam os resultados das sondagens; que vai ter como consequência um Parlamento paralisado, comentavam os analistas.  
No dia da votação a surpresa generalizada - uma retumbante vitória dos Conservadores, que é antes de tudo uma vitória de David Cameron, o primeiro-ministro que consegue a reeleição com mais assentos (331) no Parlamento que os anteriormente conquistados pelo seu partido (só Thatcher conseguira semelhante feito), que consegue uma maioria absoluta para os Conservadores depois da conquistada no ano de 1990.
Numa eleição que combina o crescimento do nacionalismo escocês (Scottish National Party ou SNP) com o declínio da extrema direita e do nacionalismo britânico (UK Independence Party ou UKIP), numa eleição em que a estabilidade económica se sobrepôs claramente à ideologia.
Os eleitores britânicos inequivocamente preferiram o satus quo, ainda que com alguns custos sociais, à alteração de políticas e a uma viragem à esquerda.
Desconfiados do modelo social europeu, consequentemente, correctamente ou não, do modelo de estado social proposto pelos Trabalhistas e das despesas que o mesmo acarreta; receosos que os custos dos mesmos se reflectissem negativamente numa das mais saudáveis economias europeias; os britânicos entoaram a Chula do Minho em Terras de  Sua Majestade - "p'ra melhor está bem, está bem; p'ra pior já basta assim".
Uma melodia que deve ser atentamente escutada pela União Europeia (os britânicos não são eurocépticos, são "eurodesconfiados"), que deve ser atentamente escutada por outras forças políticas no espaço europeu, sob pena de a surpresa britânica se tornar contagiante e se alastrar a outras paragens.

Comentários

  1. Não sei se estarei certa, mas a meu ver o modelo de austeridade imposto aos países incluindo Portugal não teve resultados positivos. Mais precariedade, mais fome, desemprego etc e tal. Portugal não fez a "verdadeira reforma do Estado", foi pela via mais fácil impondo o que sabemos. Uma estupidez termos ficado sem "o escudo" e uma obediência cega à Troika & Irmandade:)
    Recuámos em tudo trinta anos, os ricos ficaram mais ricos, o desemprego é assustador, uma péssima educação, saúde etc., ou seja quase mataram a economia interna - sem dinheiro não se pode gastar mais, nem que esse gasto seja apenas em comida. Para cumprirem as metas cegas "coisas invendáveis" estão a ser vendidas ao desbarato e ou a empresas pouco idóneas. A dívida do Estado continua a subir numa de sobe, sobe balão sobe. Como é que é? Possas...
    Acho que Cameron fez um caminho totalmente diferente e saiu da crise e hoje é a economia que é.
    Os gregos irão conseguir e irão emergir mais facilmente do que nós, "pobretes mas alegretes" e já andam nas promessas eleitoralistas falseadas e não consigo descortinar quem irá ganhar.

    Pedro estarei errada?

    Um abraço e desculpa se não me fiz entender!

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    1. Então é assim, Fatyly:
      Bill Clinton ficou famoso, entre outras coisas!!, por ter a acompanhá-lo na campanha um cartaz que tinha escrito - "it's the economy, stupid!"
      Em poucas palavras, dizia tudo.
      Quando chega a hora de votar, mais e mais, as pessoas votam com a carteira e não com a ideologia.
      Goste-se, ou não, é essa a realidade.
      E foi precisamente isso que aconteceu com os britânicos.
      Entre uma economia pujante, ainda que com algumas chagas sociais, e o receio de um desaceleramento económico em favor de uma maior atenção ao Estado Social, os britânicos preferiram a saúde económica.
      Repito, é bom que a União Europeia perceba isso, é bom que os partidos políticos pela Europa fora o percebam também.
      Um abraço

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  2. ~~ Excelente análise, embora não aprove o apoio implícito, aos conservadores.

    ~~ A prova que os «gentlemen» gostam de fazer caridade, com os bolsos cheios, deixando-a, nas mãos da extensa e complicada rede dos lordes patronos.

    ~~ Quanto ao «euroceptismo», eles estavam - e estão - cheios de razão.

    ~~~~~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
    .

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    1. Apoio aos conservadores?
      Meu??
      Como diria Álvaro Cunhal, "olhe que não, olhe que não...", Majo.
      Rigorosamente equidistante.
      O que me permite uma análise mais fria do fenómeno.

      Os britânicos sempre tiveram esta postura de desconfiança perante a União Europeia, Majo.
      Perder uma parte da soberania em favor de uma entidade supranacional dirigida por pessoas não eleitas é algo que nunca compreenderão.
      O que não deixa de ser curioso se nos lembrarmos que foi Winston Churchill quem celebrizou a expressão "Estados Unidos da Europa".
      Que iria dar origem ao pensamento federalista com Altiero Spinelli e seus seguidores.

      Mas é bom lembrar que Cameron é um europeísta e que o mais fervoroso adepto da saída do Reino Unido da União Europeia sofreu uma derrota humilhante.

      Beijinhos

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    2. É mais cômodo, um pouco à americana, seguir o dualismo político no Reino Unido, ematejoca

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  3. Comparar o incomparável é impossível, eles ficaram com o estojo de primeiros socorros e a libra já vale menos que o euro, o que ajuda a economia até a nível de exportações. Nós, pelo contrário, tiraram-nos tudo, até os adesivos, no entanto, fico estarrecida quando ainda há portugueses que vêem o presente como se não tivesse havido passado ou seja, vamos castigar o médico que deixou morrer o doente, no entanto, não sabem, ou não querem saber, que o sujeito morreu de cirrose porque passou 90% do tempo da sua vida nas tabernas e não ia lá para cantar o fado...
    Quanto aos Gregos, ainda têm uns trunfos na manga, apesar de Schäuble estar a pressionar para fazerem um Referendo sobre se querem ficar ou sair do euro,,, uma safadeza para os obrigar a aceitar as condições impostas, no entanto, os gregos deviam aproveitar... serem um dos tampões à migração de África... se eu fizesse parte do governo grego, cochichava ao ouvido do Schäuble que também estava a pensar em criar, gratuitamente, umas carreiras turísticas, entre o Mediterrâneo até à Bulgária e uns cruzeiros até à Eslovénia, Itália, França, Espanha... lol

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  4. Só queria acrescentar que é, quase óbvio, onde vão votar os donos das tabernas que ajudaram à cirrose do doente e, se for preciso, até criam uma happy hour, aquela estratégia de marketing onde durante um determinado período de tempo as bebidas são vendidas com um preço mais baixo mas depois de fidelizar a clientela os preços triplicam. lol

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    1. Anónimo(a)
      Não faça apostas dessas.
      Eu vivo na capital das apostas.
      E olhe que não se arrisca assim tão alto nem por aqui.
      Se há coisa que estas eleições no Reino Unido mostraram é que, fazer apostas, ainda que com base em presumíveis métodos científicos, se pode revelar um grande erro.
      E também não aposte em que eu vou votar porque é bem provável que se engane redondamente.

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  5. Excelente texto e melhor análise, Pedro!

    As sondagens valem o k valem e ponto final. No nosso país, eu "quero", eu "faço" votos, k as sondagens deem certas, embora eu saiba que isso vai desfazer aquilo k tem estado a ser feito, com alguns erros, naturalmente, mas tão cirurgicamente. Todavia, é preciso ver para crer, como S. Tomé dizia.

    A História, embora não se repita, exatamente, do mesmo modo, está a dar avisos à "tripulação".

    Sejamos inteligentes e cooperantes!

    Abraço.

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    1. Sem querer cair no lugar-comum, vale a pena dizer que estas eleições são a prova que a sondagem que realmente importa é a eleição propriamente dita (os tais prognósticos no fim do jogo de que falava o outro).
      Vamos ver que caminho escolhem os europeus nos vários países onde se vão realizar eleições.
      A começar e acabar em Portugal.
      Eu não me atrevo a fazer apostas.
      Abraço

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  6. Também nas suas análises políticas sobrepõe o pragmatismo à ideologia.

    EXCELENTE, PEDRO!

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    1. Obrigado, ematejoca.
      É isso que procuro.
      Não quero fazer deste espaço um manifesto político seja de que cor for.
      Longe disso.

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  7. "Os líderes dos três principais partidos derrotados demitiram-se imediatamente.
    Em Portugal, teriam festejado três grandiosas vitórias morais."

    Li isto num blogue amigo, o que retrata bem a mentalidade dos políticos portugueses.

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  8. As sondagens nunca são muito de fiar...Veja-se o caso do CDS em Portugal

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    1. Aí está um bom exemplo, São.
      Em todas as eleições o CDS vai ser derrotado, vai desaparecer do espectro político ou tornar-se irrelevante.
      E em todas as eleições o efeito "Paulinho das feiras" dá a volta ao texto.

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  9. Esperemos que seja bem escutada por todos os políticos!

    Beijinho Pedro

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    1. Têm a tendência para ser um bocado moucos, Adélia ......
      Beijinhos

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  10. Espero sinceramente que não! Pelo menos no que a nós portugueses toca! Bolas!! Ter de aturar estes energúmenos mais quatro anos será mau de mais!!!

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    1. Já tive mais a sensação que não havia possibilidade de a actual coligação se manter no poder que agora, Graça.
      Actual coligação que, muito provavelmente, vai tentar tirar dividendos destes resultados eleitorais no Reino Unido.
      Um discurso do género - "viram como os britânicos não quiseram arriscar uma viragem à esquerda??!!"

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  11. Boa análise, lúcida e rigorosamente independente.

    Mas é estranho como numa das pátrias da mais pura das democracias, as sondagens tenham metido tanta água. Penso que o que baralhou as contas todas foi o nacionalismo escocês. Se analisarmos bem os anteriores resultados eleitorais, os trabalhistas tinham tido sempre votações esmagadoras na Escócia. Uma das razões porque se bateram ferozmente contra independência da Escócia, foi saberem que se esta ficasse independente, jamais voltariam a entrar no n.º 10 de Downing Street. Ora se o eleitorado escocês votou maciçamente no partido nacionalista escocês, quando anteriormente votava nos trabalhistas, será até fácil perceber a estrondosa derrota trabalhista.

    Também é verdade que a economia britânica é das que mais cresce na Europa e devido à política dos conservadores, as contas públicas encontram-se equilibradas. Pese embora haja algumas chagas sociais como um serviço nacional de saúde que já funcionou melhor, empresas privadas que anteriormente eram públicas e que passaram a funcionar pior e algum desemprego.
    Os britânicos preferiram não arriscar num programa mais virado para resolver as questões sociais, que podia aumentar grandemente a despesa pública e os impostos.

    Tendo em conta tudo isto, o eleitorado britânico preferiu jogar pelo seguro, e votar em certezas do que em vagas promessas, tal qual o ditado: «Mais vale um pássaro na mão, que dois a voar».

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    1. Inteiramente de acordo, Paulo Lisboa.

      O voto maciço nos nacionalistas escoceses custou aos Trabalhistas 50 deputados.
      Junte-se esse factor à óbvia resistência à mudança da parte do eleitorado britânico e já se conseguirá perceber bem os resultados destas eleições.
      Não ficam explicados os resultados, as discrepâncias enormes, entre as projecções das sondagens e os resultados finais.

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