Brilhante artigo na folha de São Paulo sobre "O Acordo"
"Naufragar é preciso?"
texto de João Pereira Coutinho
PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO
(10 JANEIRO 2012)
Começa a ser penoso para mim ler a imprensa portuguesa. Não falo da qualidade dos textos. Falo da ortografia deles. Que português é esse?
Quem tomou de assalto a língua portuguesa (de Portugal) e a transformou numa versão abastardada da língua portuguesa (do Brasil)?
A sensação que tenho é que estive em coma profundo durante meses, ou anos. E, quando acordei, habitava já um planeta novo, onde as regras ortográficas que aprendi na escola foram destroçadas por vândalos extraterrestres que decidiram unilateralmente como devem escrever os portugueses.
Eis o Acordo Ortográfico, plenamente em vigor. Não aderi a ele: nesta Folha, entendo que a ortografia deve obedecer aos critérios do Brasil.
Sou um convidado da casa e nenhum convidado começa a dar ordens aos seus anfitriões sobre o lugar das pratas e a moldura dos quadros.
Questão de educação.
Em Portugal é outra história. E não deixa de ser hilariante a quantidade de articulistas que, no final dos seus textos, fazem uma declaração de princípios: “Por decisão do autor, o texto está escrito de acordo com a antiga ortografia”.
A esquizofrenia é total, e os jornais são hoje mantas de retalhos. Há notícias, entrevistas ou reportagens escritas de acordo com as novas regras. As crônicas e os textos de opinião, na sua maioria, seguem as regras antigas. E depois existem zonas cinzentas, onde já ninguém sabe como escrever e mistura tudo: a nova ortografia com a velha e até, em certos casos, uma ortografia imaginária.
A intenção dos pais do Acordo Ortográfico era unificar a língua.
Resultado: é o desacordo total com todo mundo a disparar para todos os lados. Como foi isso possível?
Foi possível por uma mistura de arrogância e analfabetismo. O Acordo Ortográfico começa como um típico produto da mentalidade racionalista, que sempre acreditou no poder de um decreto para alterar uma experiência histórica particular.
Acontece que a língua não se muda por decreto; ela é a decorrência de uma evolução cultural que confere aos seus falantes uma identidade própria e, mais importante, reconhecível para terceiros.
Respeito a grafia brasileira e a forma como o Brasil apagou as consoantes mudas de certas palavras (“ação”, “ótimo” etc.). E respeito porque gosto de as ler assim: quando encontro essas palavras, sinto o prazer cosmopolita de saber que a língua portuguesa navegou pelo Atlântico até chegar ao outro lado do mundo, onde vestiu bermuda e se apaixonou pela garota de Ipanema.
Não respeito quem me obriga a apagar essas consoantes porque acredita que a ortografia deve ser uma mera transcrição fonética. Isso não é apenas teoricamente discutível; é, sobretudo, uma aberração prática.
Tal como escrevi várias vezes, citando o poeta português Vasco Graça Moura, que tem estudado atentamente o problema, as consoantes mudas, para os portugueses, são uma pegada etimológica importante. Mas elas transportam também informação fonética, abrindo as vogais que as antecedem. O “c” de “acção” e o “p” de “óptimo” sinalizam uma correta pronúncia.
A unidade da língua não se faz por imposição de acordos ortográficos; faz-se, como muito bem perceberam os hispânicos e os anglo-saxônicos, pela partilha da sua diversidade. E a melhor forma de partilhar uma língua passa pela sua literatura.
Não conheço nenhum brasileiro alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Fernando Pessoa na ortografia portuguesa. E também não conheço nenhum português alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Nelson Rodrigues na ortografia brasileira.
Infelizmente, conheço vários brasileiros e vários portugueses alfabetizados que sentem “desconforto” por não poderem comprar, em São Paulo ou em Lisboa, as edições correntes da literatura dos dois países a preços civilizados.
Aliás, se dúvidas houvesse sobre a falta de inteligência estratégica que persiste dos dois lados do Atlântico, onde não existe um mercado livreiro comum, bastaria citar o encerramento anunciado da livraria Camões, no Rio, que durante anos vendeu livros portugueses a leitores brasileiros.
De que servem acordos ortográficos delirantes e autoritários quando a língua naufraga sempre no meio do oceano?
A ortografia está em "revolução" Ricardo! pode ser um mundo novo :)
ResponderEliminarpenso que o mais importante é que as pessoas continuem as suas leituras, o que é sempre óptimo ou ótimo!
hoje é o nosso dia da Espiga:)
Angela
Ricardo, Angela?? :)))
EliminarNão aplico o Acordo Ortográfico.
Até porque não de evolução que se trata, é de mercantilismo.
Mesmo esse perfeitamente ridículo e disparatado.
~~ Ainda este estafado tema???????!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderEliminar~~ Em vias de perdermos a língua portuguesa em Timor e Moçambique,
a favor da língua inglesa, o Pedro continua a bater a tecla do mercantilismo.
~~ A continuar expondo esses ''slogans'', vou achar que sou 'persona non grata'
no seu blogue...
~~ ll: /
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Essa agora, Majo!
EliminarAs pessoas não podem ter pontos de vista diferentes??
Agrade a quem agradar, esta é a minha posição, é aquilo que penso, que sinto.
Ainda bem que fala em Timor e Moçambique (Macau, embora de outra forma, também pode entrar no rol) - se andássemos ocupados em promover e tornar útil a nossa língua, em vez de a mudar por decreto e deixar todos os possíveis falantes baralhados, esses fenómenos não aconteciam.
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Eliminar~ Como dizem os brasileiros, «não compilique, simpilifique amigão»
~ (São brincadeiras com transcrições fonéticas e não ortográficas)
~~~~ Beijão amigo. ~~~~
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Um beijo, Majo
EliminarLi e publiquei, há anos atrás, no meu blog e concordo na integra com o que está escrito, Pedro.
ResponderEliminarAquele abraço.
Estava aqui guardado para ser publicado quando a obrigatoriedade de aplicar o Acordo se tornasse realidade, Ricardo.
EliminarAquele abraço
Eu respeito quem é contra o acordo e compreendo o seu ponto de vista. Pessoalmente, já aderi ao acordo há algum tempo e confesso que já me habituei. Afinal de contas, só afeta 1% das palavras. Sei, contudo, que não foi tida em conta a fonética e, em alguns casos, a etimologia das palavras.
ResponderEliminarTal como eu respeito quem aderiu ao Acordo, Miss Smile.
EliminarNão imponho o meu ponto de vista a ninguém, não quero que me imponham o ponto de vista oposto.
E foi o que aconteceu com a aprovação deste Acordo à revelia de qualquer consulta pública, de qualquer esclarecimento mais cabal.
Fazem-se consultas públicas, referendos, sobre a intimidade das pessoas e não se faz acerca de um decreto que altera uma Língua??!!
Também não aderi "ao dito cujo", sei que mais tarde ou mais cedo lá chegarei e concluo: vencida mas convencida!
ResponderEliminarxx
Não aderi, não tenho intenção de aderir, papoila!
EliminarSó gente perversa, sem um mímo de identidade com o país, força a entrada em vigor de um acordo que os outros países rejeitam. Isso diz muito sobre quem nos governa. O artigo ( que já tivera a oportunidade de ler) é excelente.
ResponderEliminarMais fácil que perceber quantos rejeitaram o famigerado Acordo é perceber quantos aderiram.
EliminarE perguntar porque será assim.
Em português nos entendemos, com ou sem consoantes mudas. Compreendo algumas das críticas de quem está contra a nova ortografia, outras, nem por isso. Embora tenha aderido ao AO, é um facto que ainda há palavras que me parecem estranhas na sua nova grafia mas penso que é uma questão de tempo para isto estabilizar. Embora deva ser um tempo longo. :)
ResponderEliminarluísa,
EliminarEu não me estou a ver a usar este "acordês"
Cágado, é um animal (tive alguns quando era garoto); cagado é outra bem diferente!
Visto um fato, isso é um facto.
E por aí fora.
Excelente artigo, subscrevo-o integralmente. Quanto ao resto transcrevo o que já tinha escrito nas crónicas do rochedo:
ResponderEliminarPessoalmente irei continuar a escrever como aprendi. Afinal não foi o Nuno Crato que disse que podíamos escrever como quiséssemos?
Estes políticos da treta, secundados por uma comunicação social acrítica e acéfala, resolveram meter de supetão o «aborto ortográfico», porque sim, nem sequer houve a mais pequena explicação ou justificação plausível.
Numa coisa tão importante para o povo, é escandaloso como é que não foi feito um referendo sobre o acordo ortográfico.
O mais estranho é isso mesmo, Paulo Lisboa - consultas e referendos por dá cá aquela palha.
EliminarNum tema de tanta importância como este, uma série de carolas decidem e impõem
Mas, Pedro... Cágado não muda de grafia com o AO. Esse é, lamentavelmente, um exemplo errado que corre pelos escritos acalorados contra a utilização do referido acordo, tal como facto, que não passa a ser fato.
EliminarAgora que a luísa me chama a atenção......dois valentes tiros na água!! :))
EliminarCaro Amigo Pedro Coimbra!
ResponderEliminarPeço-te escusas pela minha ausência no teu imperdível blog.
Como sabes passei uma semana no reino distante além-mar, que foi mais uma visita de médico. Tu acreditas que aluguei uma máquina rodante na cidade do Porto para ir a Leiria e não deu para fazer uma visitação à cidade de Coimbra?
Jamais esquecerei a hospitalidade dos teus patrícios,especialmente no meu novo Padrinho Mor, Rui Espírito Santo, da Stela Trigo, Afrodite, Maria Araújo, Rui Pascoal, Ana Pascoal, que não mediram esforços para tornar minha exígua visitação ao reino muito proveitosa. Meu Padrinho Mor rodou na sua possante máquina rodante mais de 400 km para me apresentar os encantos da cidade do Porto, Gondomar, Ermesinde, Guimarães, Braga.
O Rui Pascoal e a Ana foram meus cicerones em Leiria e me levaram as cidade de Nazaré, Batalha e flanamos no centro histórico de Leiria. Nem acredito que flanei na rua que a Amelinha viveu e a Igreja que o Padre Amaro foi pároco.
De tanto interagir com teus patrícios fico baralhado ao escrever e percebo que estou a utilizar de modo parcial, quando me comunico com teus patrícios, o jeito de escrever do reino. A lambisgoia da Agrado, aquela mexeriqueira mor que tudo sabe e tudo vê, disse que este meu atrevimento fica um angu de caroço.
Quanto ao (des) Acordo Ortográfico, apesar de não concordar, a imprensa brasileira e as novas edições de livros já estão a sair do prelo com as normas do (des) Acordo e já aderi.
Considero as novas normativas ortográficas desnecessárias, porque não adianta a normatização tendo em vista o significado completamente diferente de muitas palavras da nossa amada Língua Portuguesa, que têm outros significados nos demais países que se expressam através da Língua de Camões.
Caloroso abraço! Saudações desacordadas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver sem véus e sem ranços!
Mais do que está tolice a que chamam Acordo (eu não concordo!) fico muito feliz por constatar que ficou com óptimas memórias de Portugal e dos nossos companheiros da blogosfera, Amigo João Paulo de Oliveira.
EliminarQuem sabe um dia não nós poderemos conhecer pessoalmente.
Gostaria imenso.
Grande abraço
Eu também!
ResponderEliminarA língua tem sua evolução: a sua raiz vem (se reparar, é igual, ou semelhante, nas línguas latinas), do grego e do latim. Aplicam-se determinadas regras e tudo fica normalizado.
ResponderEliminarNo entanto, o povo foi falando, atendendo ao isolamento geográfico e ausência de escolaridade, a fonética de certas zonas é inclassificável.
Agora, querer fazer o ajuste pelo fonética ao invés, parece-me irresponsabilidade. A língua é uma herança que passa pelas gerações.
É mito pensar-se que no Brasil se fala melhor português.
Eu sou contra o Acordo, porque vai desvirtuar a origem - milenar- das palavras.
Não tenho formação linguística.
Cumps
O melhor exemplo do disparate que é este Acordo feito a martelo foi dado pelo Ricardo Araújo Pereira, Amorim.
EliminarArquitetas são as mamas da Samantha Fox; arquitectas, as profissionais que projectaram a casa da Samantha Fox.
Está tudo dito :)))
Cumprimentos