VENHA O NOVO PAPA (Frei Bento Domingues)
1. O
Código de Direito Canónico (Cân.401) reza assim: roga-se ao Bispo diocesano, que
tiver completado 75 anos de idade, que apresente a renúncia do ofício ao Sumo
Pontífice. O Cardeal Ratzinger, quando foi eleito Papa, isto é, Bispo da
diocese de Roma, testemunha da fé apostólica de Pedro e Paulo, em comunhão e ao
serviço dos Bispos das outras dioceses da Igreja Católica, já tinha 78 anos.
Quanto à idade, um Bispo diocesano merece mais cuidados do que um Papa, que tem
uma responsabilidade muito mais ampla e pesada.
O alarido em torno da renúncia de Bento XVI,
deve-se à estranha ideia de que ele desempenhava um cargo vitalício. A
possibilidade de um Papa renunciar está prevista no Direito Canónico (Cân. 332 §
2). O próprio Bento XVI, em 2010, mostrou que poderia vir a ser confrontado com
essa situação: “Quando um Papa tem clara consciência de que já não está em grau
de cumprir os deveres do seu ofício, física, psicológica e espiritualmente, tem
o direito, e em algumas circunstâncias, também o dever, de se
demitir”.
Muitos de nós fomos testemunhas das
dificuldades físicas que João Paulo II enfrentou, durante anos, ao não atender a
esse critério. É certo que foi encontrada, para uso interno, uma “mística da
imolação” pelo bem da Igreja, que convenceu apenas os já convencidos. Era
demasiado evidente que ele já não se encontrava em condições de responder às
enormes carências e responsabilidades da Igreja no século XXI. A falta de
atenção aos sintomas de uma certa degradação, em determinados ambientes
eclesiásticos e na Cúria Romana, assim como a persistência do sistema de abafar
as vozes discordantes, acabaram por adiar uma reforma que se mostra cada vez
mais urgente.
2.
Em 1999, durante o Sínodo Internacional dos Bispos, convocado por Wojtyla, para
analisar a Europa, após a queda do Muro de Berlim, o então Arcebispo de Milão,
Cardeal Martini, surpreendeu os outros padres sinodais, ao evocar o "sonho" de
um novo Concílio que tivesse a coragem de discutir os problemas mais espinhosos:
"A eclesiologia de comunhão do Vaticano II", a carência já dramática de padres,
a posição da mulher na Sociedade e na Igreja, a participação dos leigos em
algumas responsabilidades ministeriais, o tema da sexualidade, a disciplina
católica do matrimônio, o ecumenismo e as relações com as Igrejas irmãs da
Ortodoxia.
Era essa uma agenda crucial, que os Papas
Wojtyla e Ratzinger nunca tiveram coragem de enfrentar, mas à medida que o tempo
passa, tudo se vai complicando de forma dramática.
Bento XVI espelhou a situação, subjectiva e
objectiva em que se encontra: “Depois de ter examinado repetidamente a minha
consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à
idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério
petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência
espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também
e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas
mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para
governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o
vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi
diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para
administrar bem o ministério que me foi confiado.”
3. Até à eleição do novo Papa, vão
surgir muitas projecções, dentro e fora da Igreja, segundo os grupos e as
tendências, acerca das possíveis figuras, desejadas ou não, para ocupar a
cátedra de Pedro. Muito em breve, a lista dos papabili, ao ritmo do sobe
e desce, irá circular e cada um poderá ir construindo também a sua. Bento XVI
já balizou o espaço no qual os eleitores se devem mover: “procurar alguém
que perceba o ritmo deste tempo de rápidas mudanças e seja capaz de identificar
quais são as questões, de grande relevância para a vida da fé, no governo da
barca de S. Pedro e no anúncio do Evangelho”. Para esta tarefa, a assistência do
Espírito Santo está divinamente garantida, mas Ele não costuma agir sozinho, nem
substituir o discernimento dos eleitores.
A
graça não substitui a natureza e sendo assim, o importante é garantir um método
de eleição, humanamente fiável, no interior da vida da Igreja, cujas
preocupações têm de ser as de Cristo. Para governar a barca de Pedro, além de
comprovada capacidade de liderança espiritual, cultural e pastoral, o Papa deve
mostrar, sobretudo, um grande gosto de escutar e de consultar, não só os seus
irmãos no episcopado, mas sobretudo a vida concreta das pessoas, dentro e fora
das comunidades cristãs, em diálogo com todas as correntes que atravessam as
sociedades. Em todo o caso, o Papa, Bispo de Roma, não deveria poder ser
escolhido por tempo indeterminado, nem ultrapassar a idade de 75 anos, aquela
que está marcada para todos os Bispos. A Igreja não pode ser uma monarquia
absolutista e vitalícia.
in Público
Nem mais!
ResponderEliminarFrei Bento Domingues demonstra aqui a sua comunhão com a doutrina e a prática de João Paulo II, Ricardo.
EliminarSem dúvida, uma das figuras mais marcantes do século XX.
Eu tinha a ideia (errada) que um Papa não podia renunciar até acontecer esta situação.
ResponderEliminarPode, Poppy.
ResponderEliminarMas a tradição era o cargo ser um cargo vitalício.
Bento XVI demonstrou grande coragem ao romper com essa tradição.