Excelente texto sobre o Ulrich, por Alice Brito
Sei que a raiva não é boa conselheira. Paciência. Aí vai.
Havia dantes no
coração das cidades e das vilas umas colunas de pedra que
tinham o nome de
picotas ou pelourinhos. Aí eram expostos os sentenciados
que a seguir eram
punidos com vergastadas proporcionais à gravidade do seu
crime. Essa
exposição tinha também por fim o escárnio popular. Era aí que
eu te punha,
meu glutão.
Atadinho com umas cordas para que não fugisses. Não
te dava vergastadas. Vá
lá, uns caldos de vez em quando. Mas exibia-te para
que fosses visto pelas
pessoas que ficaram sem casa e a entregaram ao teu
banco. Terias de
suportar o seu olhar, sendo que o chicote dos olhos é bem
mais possante que
a vergasta.
Terias, pois, de suportar o olhar daqueles a
quem prometeste o paraíso a
prestações e a quem depois serviste o inferno a
pronto pagamento. Daqueles
que hoje vivem na rua.
Daqueles que, para não
viverem na rua, vivem hoje aboletados em casa dos
pais, dos avós, dos irmãos,
assim a eito, atravancados nos móveis que
deixaram vazias as casas que o teu
banco, com a sofreguidão e a gulodice de
todos os bancos, lhes papou sem um
pingo de remorso.
Dizes com a maior lata que vivemos acima das
nossas possibilidades. Mas não
falas dos juros que cobraste. Não dizes,
nessas ladainhas que andas sempre
a vomitar, que quando não se pagava uma
prestação, os juros do
incumprimento inchavam de gordos, e era nesse inchaço
que começava a
desenhar-se a via-sacra do incumprimento definitivo.
Olha,
meu estupor, sabes o que acontece às casas que as pessoas te
entregam? Sabes,
pois… São vendidas por tuta e meia, o que quer dizer que
na maior parte dos
casos, o pessoal apesar de te ter dado a casa fica
também com a dívida. Não
vale a pena falar-te do sofrimento, da vergonha,
do vexame que integra a
penhora de uma casa, porque tu não tens alma,
banqueiro que
és.
Tal como não vale a pena referir-te que os teus lucros vêm de
crimes
sucessivos. Furtos. Roubos. Gamanços. Comissões de manutenção.
Juros
moratórios. Juros compensatórios, arredondamentos, spreads, e mais
juros de
todas as cores. Cartões de crédito, de débito, telefonemas de
financeiras a
oferecerem empréstimos clausulados em letrinhas microscópicas,
cobranças
directas feitas por lumpen, vale tudo, meu tratante. Mesmo assim
tiveste de
ser resgatado para não ires ao fundo, tal foi a desbunda. E, é
claro, quem
pagou o resgate foram aqueles contra quem falas todo o santo
dia.
Este país viveu décadas sucessivas a trabalhar para os
bancos. Os
portugueses levantavam-se de manhã e ainda de olhos fechados iam
bulir,
para pagar ao banco a prestação da casa. Vidas inteiras nisto. A
grande
aliança entre a banca e a construção civil tornavam inevitável, aí
sim,
verdadeiramente inevitável, a compra de uma casa para morar. Depois
os
juros aumentavam ou diminuíam conforme era decidido por criaturas que
a
gente não conhece. A seguir veio a farra. Os bancos eram só
facilidades.
Concediam empréstimos a toda a gente. Um carnaval completo,
obsessivo, até
davam prendas, pagavam viagens, ofereciam móveis. Sabiam bem o
que faziam.
Na possante dramaturgia desta crise entram todos, a banca
completa e
enlouquecida, sendo que todos são um só. Depois veio a crise. A
banca
guinchou e ganiu de desamparo. Lançou-se mais uma vez nos braços do
estado
que a abraçou, mimou e a protegeu da queda.
Vens de uma
família que se manteve gloriosamente ricalhaça à custa de
alianças com outros
da mesma laia. Viveram sempre patrocinados pelo estado,
fosse ele ditadura ou
democracia. Na ditadura tinham a pide a amparar-vos.
Uma pide deferente
auxiliava-vos no caminho. Depois veio a democracia.
Passado o susto inicial,
meu deus, que aflição, o povo na rua, a banca
nacionalizada, viraram
democratas convictos. E com razão. O estado, aquela
coisa que tu dizes que
não deve intervir na economia, tem-vos dado a mão
todos os dias. Todos os
dias, façam vocês o que fizerem.
Por isso falas que nem um
bronco, com voz grossa, na ingente necessidade de
cortes nos salários e
pensões. Quanto é que tu ganhas, pá?
Peroras infindavelmente sobre a
desejável liberalização dos despedimentos.
Discursas sem pejo sobre a crise
de que a cambada a que pertences é a
principal responsável.
Como tu, há
muitos que falam. Aliás, já ninguém os ouve. Mas tu tinhas que
sobressair.
Depois do “ai aguenta, aguenta”, vens agora com aquela dos
sem-abrigo. Se os
sem-abrigo sobrevivem, o resto do povo
sobreviverá
igualmente.
Também houve sobreviventes em
Auschwitz, meu nazi de merda!
É isso que tu queres? Transformar este país num
gigantesco campo de
concentração?
Depois, pões a hipótese de também tu
poderes vir a ser um sem-abrigo. Dizes
isto no dia em que anuncias 249
milhões de lucros para o teu banco. É o que
se chama um verdadeiro
achincalhamento.
Por tudo isto te punha no pelourinho. Só para
seres visto pelos milhares
que ficaram sem casa. Sem vergastadas. Só um caldo
de vez em quando. Podes
dizer-me que é uma crueldade. Pois é. Por uma vez
terás razão. Nada porém
que se compare à infinita crueldade da rapina, da
usura que tu defendes e
exercitas.
És hoje um dos czares da
finança. Vives na maior, cercado pelos sebosos
Rasputines governamentais.
Lembra-te porém do que aconteceu a uns e ao
outro.
Eu poderia ter escrito este texto, Pedro!
ResponderEliminarAbraço
EliminarAcho que muita gente vai partilhar esse sentimento, Ricardo :))
Aquele abraço!!
É o exercício pleno da liberdade de expressão. O Ulrich fala e os outros falam também. É justo.
ResponderEliminarNinguém quer calar ninguém, Firehead.
EliminarMas liberdade implica responsabilidade.
E ele foi vulgar.
Pior, já nao e a primeira vez.
O texto sem dúvida bem escrito...
ResponderEliminarJá o conteúdo na minha modesta opinião deixa muito a desejar.... eu não vi nada de errado nas declarações de Ulrich... acho que este texto é demasiado populista e sem dúvida que há aqui claro aproveitamento da situação em que todos estamos mergulhados ... e dos sentimentos de revolta que todos sentimos.
Acho até que raza a vulgaridade ....chamando nazi a Ulrich.
Não me parece que Ulrich tenha insultado ninguém, antes pelo contrario o que eu acho que ee quiz dizer foi o seguinte: se outros conseguem ultrapassar as dificuldades que são ainda maiores que as da maioria, referindo-se aos sem abrigo, nós tb conseguimos..
Eu acho que isto não insulta ninguém .....
Ode facto que caracteriza uma pessoa é a sua capacidade de ultrapassar as adversidades e dar a volta por cima....
Se há quem não entenda a essência do que foi dito é porque só quer ler textualmente
Convém referir que a melhor literatura que eu conheço não é de leitura imediata os leitores é que tem de se encarregar de a "saber ler".... e interpretar.
Não pretendo ofender ninguém mas acho que se perde demasiado tempo com fait divers.....
Teresa
EliminarTekanelas
Ele abusou.
As declarações dele são vulgares.
Se o que queria dizer era o que você afirma, e eu também acho que era, nao o devia ter feito desta forma.
E já nao e a primeira vez.
Alguém com a responsabilidade dele nao pode ter declarações deste teor.
O Ulrich é muito Poor na capacidade de se expressar. Além disso é arrogante. Considero, por isso, este texto muito pertinente.
ResponderEliminar
EliminarArrogante, isso mesmo.
Ao ponto de ser irritante.
E ficou a jeito para levar o troco.
Muito bem escrito, Pedro.
ResponderEliminarParabéns a Alice Brito.
Disse o que muita gente gostaria de dizer mas não ata nem desata.
Acho que vou desafiar Ulrich para um jogo de matraquilhos.
:)
Aquele abraço
E ele joga, ou serve omo bola, António? :)))
EliminarCoimbramigo
ResponderEliminarMuitas palmas de parabéns à autora!
Abç
H
FerreirAmigo,
EliminarIsto é o que se chama entrar de carrinho para sair de maca.
O gajo merece!
Aquele abraço
Um texto indignado, mas que aponta a dedo as causas das dificuldades atuais de todo um povo: enquanto gente desta laia governar a seu belo prazer, a população será escravizada até ao tutano... :P
ResponderEliminarBeijocas!
Teté,
ResponderEliminarE são estes tipos quem realmente governa.
Já dizia o George Carlin - os políticos são colocados nos lugares para dar a ilusão às pessoas que têm liberdade de escolha.
Mentira, não têm.
Quem governa, realmente, são estes senhores.
Beijocas!