Política sacrificial (Frei Bento Domingues, O.P.) in Público
1. Conheci teologias que apresentavam
e justificavam divindades que exigiam sacrifícios humanos. Algumas atreveram-se
a fazer, da própria crucifixão de Jesus Cristo – um crime político preparado por
instâncias religiosas –, uma exigência de pagamento da infinita dívida a Deus
contraída pelos pecados dos seres humanos. Jesus mandou às urtigas essas
teologias macabras. O seu Deus não quer sacrifícios humanos. É amigo da vida e
só quer justiça e misericórdia. A conversão cristã consiste numa reorientação da
existência pessoal, guiada pelo primado do dom, fruto do amor.
Agora, Victor Gaspar, ministro das
Finanças, não se importa muito com as suas contas mal feitas, pois “a
disponibilidade dos portugueses para fazer sacrifícios é muito grande” (DN
12.09.2012). Conta, também, com Passos Coelho, mais troikista do que a
troika: quem não gostar que emigre e nada de lamechices.
Se é pelos frutos que se conhece a
árvore, estamos aviados: 89% dos portugueses dizem-se afectados pessoalmente
pela crise e 90% pensa que a maioria dos benefícios deste sistema só vai para
alguns, alargando o abismo entre pobres e ricos.
André Macedo, Director de
Dinheiro Vivo, pergunta: “onde é que isto vai acabar? Impostos
altíssimos, desemprego explosivo, um governo possuído por modelos económicos de
alto risco e que, agora, até na gestão da tesouraria das empresas se intromete.
Porquê esta loucura?” (DN 12.09.2012). Manuela Ferreira Leite entende que se o
país seguir a linha traçada, “não só não se atingem os objectivos, como o país
chega ao fim destroçado”. Para Silva Lopes, este governo é “o Robin dos Bosques,
ao contrário: tira aos pobres para dar aos ricos”.
2. Não podem ser ignoradas as tomadas
de posição de D. Januário Torgal, Bispo das Forças Armadas, do Bispo de Viseu,
D. Ilídio Leandro, e as homilias de D. Pio Alves, Bispo auxiliar do Porto, em
Fátima nos passados dias 12 e 13.
Bagão Felix considera, no entanto, que a Igreja Católica, em nome da
sua doutrina social e da “opção preferencial pelos pobres”, é chamada a
pronunciar-se sobre as medidas de austeridade, “não apenas através de vozes
isoladas, que nem sempre representam a instituição”, mas “como um todo”. Para
Manuel Pinto, da Universidade do Minho e conhecido militante católico,
“começa a ser
ensurdecedor o silêncio da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a gravidade da
situação social e económica em Portugal” (Blog Religionline,
09.09.2012).
Alguns amigos mostraram-me a
vontade de propor à Conferência Episcopal Portuguesa uma manifestação nacional
para alterar as políticas que sacrificam sempre os que deveriam ser mais
beneficiados. Como o país não é do governo e o governo foi eleito, baseado num
programa que despreza, seria preciso levá-lo a ganhar juízo.
Não escondi as minhas reticências,
embora não seja um propósito a excluir. Convém, no entanto, que não seja um
duplicado das diversas manifestações anunciadas para os próximos tempos. Antes
de mais, não podem ser um meio para manipular a fé dos católicos e surgir como
uma espécie de partido ou associação política confessional. Seria pior a emenda
que o soneto. Se resultasse nisso, preferia ver a Conferência Episcopal calada
na sacristia. Mas existem muitas formas de manifestação de defesa dos mais
pobres e empobrecidos sem cair nessa confusão e sem pairar nos grandes
princípios ou nas “caridadezinhas” que ofendem a virtude teologal da Caridade,
inimiga da propaganda.
3. Não poderia, por exemplo,
a Conferência Episcopal promover, através das paróquias e das dioceses, dos
movimentos e associações católicas, vigílias de oração e aprofundamento das
incidências do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, na situação actual,
convergindo depois tudo para a peregrinação nacional a Fátima nos próximos dias
12 e 13 de Outubro?
Com estes gestos e iniciativas
estaria a seguir a liturgia do passado e deste Domingo. Liturgias de cura da
cegueira, da surdez e da fala. A Eucaristia é para não esquecer a memória da
prática de Jesus. No coração de todas as Eucaristias do mundo, somos avisados:
“Fazei isto em memória de Mim”. Traduziria assim: conservai diante dos olhos, em
todas as épocas, em todas as situações, aquilo que foi a minha prática; tereis
de fazer ainda coisas maiores, os tempos serão sempre outros, sempre com novos
desafios; mas vede sempre o mundo, a história, as sociedades, as organizações
culturais, económicas, políticas e sociais a partir dos mais pobres, dos
excluídos, de modo local e global.
Um adágio antigo dizia que se deve
rezar conforme a fé cristã. Hoje, na missa, S. Tiago vem com esta: “de que serve
alguém dizer que tem fé se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação?
(…) A fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: Tu tens a fé e eu
tenho as obras. Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei
a minha fé”.
São perversas as teologias e as políticas
sacrificiais. O amor do sacrifício é uma doença. Um chá de tília espiritual não
é o mais indicado para multiplicar e alimentar grupos de investigação e debate
que desenhem alternativas políticas viáveis, postas ao serviço de quem as quiser
usar, sem direitos de propriedade.
in Público 16 de
Setembro
Sempre admirei e li, atentamente, os escritos deste senhor, cheios de sabedoria, ponderação e paz.
ResponderEliminarAbraço, Pedro!
Eu tinha dito ontem que, hoje, ia aqui passar outra daquelas vozes que, cada vez mais, é necessário escutar, Ricardo.
ResponderEliminarSem estridências, sem espectáculo, mas com sabedoria e paz, como muito bem aponta.
Abraço
Caro amigo Pedro Coimbra!
ResponderEliminarNão conhecia este distinto Senhor. Apreciei suas considerações!
Caloroso abraço! Saudações reflexivas!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP
Caro Prof. João Paulo de Oliveira,
ResponderEliminarUm sábio.
Com uma grande visão e bonomia.
Aquele abraço
Frei Bento Domingues- que conheço pessoalmente e tive o prazer de entrevistar há uns meses- é uma pessoa extraordinária. De sabedoria, humor e paz.
ResponderEliminarCompro "o Público" ao domingo, só para o ler
Quer-me parecer que este é parecido com o Pe. Anselmo Borges... Pois é, Deus não quer sacrifícios humanos... mas Jesus, qual cordeiro imolado, se sacrificou e Ele também era humano. Há membros da Igreja (freis) que, por amor de Deus...
ResponderEliminarUma voz serena que é necessário escutar, Carlos.
ResponderEliminarSobretudo em períodos conturbados como o actual.
FireHead,
Há membros da Igreja, como Frei Bento Domingues e o padre Anselmo Borges, que ajudam a limpar a imagem bolorenta que outros membros da Igreja insistem em difundir.
Como é que você interpreta a doutrina social da Igreja, FireHead?
Eu interpreto-a como muito próxima da visão de Frei Bento Domingues e do padre Anselmo Borges.