O direito absoluto é o direito a ter direitos (Frei Bento Domingues, O.P.)
1. Dizia um anjo, desesperado na sua
missão iluminista, a outro vestido de ortodoxia que não aprendia nada com
ninguém, nem sequer com as liberdades de Jesus Cristo em relação às regras da
moral convencional: “Mói um estúpido com trigo num almofariz e nem assim
conseguirás arrancar-lhe a estupidez” (William Blake).
Dizem-me que esta experiência
poderá ser verificada tanto no âmbito da estupidez religiosa como no da
política. Talvez. Mas daí não se segue que todos os mundos religiosos e
políticos estejam condenados a repetir os mesmos erros. Alguns dos que conheço
melhor, quando não teimam em fechar-se dentro dos seus fantasmas e ilusões,
dispõem de grandes fontes de transformação do indivíduo e da sociedade. Não
cabem neste espaço as provas históricas de verdadeiras e falsas reformas nas
igrejas cristãs. São memórias de santos, de mártires e déspotas.
2. Morreu o Cardeal Martini e António
Marujo já evocou a sua memória neste jornal. Seria insignificante dizer que é
uma memória incómoda para muitos, por razões diversas. Dizem uns que era um
disfarçado lobo na Igreja católica, opondo-se em diversas tomadas de posição às
modificações que João Paulo II e Bento XVI introduziram para corrigir os
desmandos abertos pelo Vaticano II. Agora, terá de prestar contas a Deus. Para
outros, foi sempre alguém que desejava reformas na Igreja, que iam além do
Vaticano II, mas só as formulou, de modo frontal, quando já eram a voz de um
velho aposentado e doente. Não as fez quando podia desencadear, no interior das
estruturas eclesiásticas, mudanças que dizia urgentes, pois “a Igreja está
atrasada 200 anos”. Outros ainda acrescentam: mais vale tarde do que
nunca.
É evidente que preferimos projectar
nos outros aquilo que nos compete dizer e fazer. Dou graças a Deus por esta
grande figura. Espero que se acabe com anátemas contra aqueles que sustentam
aquilo que o cardeal Martini, na última fase da sua vida, defendeu e reprovou
ou, então, que haja a coragem de o declarar herege e cismático. Sei que já
Cristo se queixava do costume de, primeiro, matarem os profetas e, depois,
levantarem-lhes monumentos, sem deixarem de repetir o crime.
Não tenho nenhuma receita para as
reformas que julgo urgentes. O tempo não espera sentado. Quando forem
reconhecidas, poderá ser irremediavelmente tarde.
Alexandre Soares dos Santos, numa
entrevista a Ana Bela Mota Ribeiro, deixou cair alguns “pingos amargos” sobre
uma questão sentida por muitos: “por que é que a Igreja é tão lenta a
reformar-se? São coisas que discuto com o bispo D. Manuel Clemente. Por que é
que não se devem admitir mulheres padres? Por que é que a Cúria Romana é
constituída por uns tipos que têm 80 anos, que não sabem nada da vida, que estão
ali fechados?”
3. Participei, em Agosto, na paróquia
de Ribeira Seca (Madeira), na celebração, impressionante de beleza e verdade, do
50º aniversário da Ordenação Sacerdotal do padre José Martins Júnior, uma figura
polémica incontornável da Igreja da Madeira e da intervenção cívica e política a
favor dos oprimidos. Esteve sempre atento à parábola de Jesus que não aguenta a
exibição do luxo perante a miséria do pobre, seja onde for.
Nasceu no Machico em 1938. Foi
ordenado por D. David de Sousa a 15 de Agosto de 1962. Foi professor no
Seminário Menor, pároco de Porto Santo, coadjutor da Sé do Funchal, capelão
militar em Moçambique. Voltou à Madeira em 1969, como pároco da Ribeira
Seca.
Depois do 25 de Abril, foi deputado
na Assembleia Legislativa Regional como independente, nas listas da UDP. Em
1977, é suspenso “a divinis” pelo bispo D. Francisco Santana, sem processo
canónico formado. Em 1980, recandidata-se e é eleito novamente deputado.
Presidiu à Junta de Freguesia de Machico. Em 1985, a Igreja da Ribeira Seca foi
tomada de assalto, por 70 polícias armados, a pedido do governo e da diocese,
mas também sem qualquer mandado judicial e sem processo formal. Presidente
municipal de Machico, por duas vezes. Recebeu, em 1995, das mãos do Presidente
da República, Dr. Mário Soares, as insígnias de Comendador, no Dia de Portugal.
Deputado à Assembleia Legislativa Regional, como independente, nas listas do PS,
até 2007. Deu, então, por terminada a sua actividade política
activa.
Continua a exercer o sacerdócio, em
consonância com o povo sediado na Ribeira Seca, numa igreja e residência feitas
exclusivamente a expensas da população local.
Recolho estas breves referências de
um livro, Olhares Múltiplos sobre um Homem de Causas, com textos de
amigos e admiradores, a começar por um, muito belo, de Mário Soares, apresentado
na igreja da Ribeira Seca, por Anselmo Borges, de forma brilhante.
As celebrações desenvolveram-se ao
longo de uma semana, porque a cronologia que apresentei pode dar a ideia de uma
figura só política e eclesiástica, mas o padre Martins Júnior é, em tudo, um
grande homem de cultura, da música e do teatro, um pedagogo de jovens e
crianças, para que a memória viva de Jesus Cristo seja uma fonte permanente de
recriação da Igreja e da sociedade.
O
direito absoluto é o direito a ter direitos, seja na sociedade seja na Igreja. É
um absurdo eclesiástico continuar a não os reconhecer ao padre Martins
Júnior.
in Público 9 de
Setembro
Passo para deixar um abraço e solidarizar-me com a mágua que sente pela partida do Luiz Gois, solidariedade extensivel ao seu Pai.
ResponderEliminarRodrigo
Rodrigo,
ResponderEliminarOntem foi o dia de aniversário da minha irmã.
Falei com o meu pai ainda ele não sabia da notícia da morte de Luiz Goes.
Faço ideia como terá ficado, e como terá sido a celebração do aniversário da minha irmã!
Que repouse agora em paz.
Aquele abraço
Onde está a parte em que ele diz que um direito absoluto é o direito a ter deveres? É que não pode, ou não deve (digo eu), haver direitos sem haver deveres...
ResponderEliminarComo diz a Bíblia, "a quem muito for dado, muito será exigido" (Lucas 12,48).
FireHead,
ResponderEliminarAcha que é necessário dizê-lo, FireHead?
Onde é que você lê o contrário?
Acredite que, se a Igreja se revisse mais na personalidade e nas ideias de pessoas como Frei Bento Domingues, se calhar não andaria tão mergulhada em descrença e em crise de vocações.