Marcada para hoje a leitura da sentença do "processo Casa Pia"

O mais longo e mais caro julgamento da história judicial portuguesa conhece hoje mais um capítulo.
Que está longe de ser o definitivo.
À hora que escrevo estas linhas, estará a ser preparada a leitura da sentença do "processo Casa Pia".
No meio de um imenso mar de dúvidas, são muito poucas as certezas.
Há a certeza de um processo com largas centenas de páginas, com sete arguidos (o ex-motorista da Casa Pia Carlos Silvino; o apresentador de televisão Carlos Cruz; o embaixador Jorge Ritto; o ex-provedor da Casa Pia Manuel Abrantes; o advogado Hugo Marçal; o médico Ferreira Diniz; e Gertrudes Nunes, a dona da casa de Elvas onde vários menores terão sido vítimas de abusos sexuais), que vêm acusados de 900 crimes de abuso sexual de menores, lenocínio e peculato de uso.
Há a certeza de terem sido ouvidas 981 pessoas (920 testemunhas, 32 queixosos, 19 consultores técnicos e 18 peritos).
Para além destas certezas, matemáticas, chamesmos-lhes assim, existe aquilo que poderemos apelidar de fundadas suspeitas.
Desde logo a fundada suspeita, a que só faltará mesmo o pormenor da exactidão matemática para se converter numa certeza, o que deverá acontecer muito em breve, de que, à leitura da sentença se segue uma fase de incontáveis recursos.
A serem apresentados, também uma fundada suspeita, por todas as partes intervenientes no processo.
Aliás, prevendo essa forte probabilidade, Pinto Monteiro já terá convocado o procurador encarregue do processo, João Aibéo, para uma reunião na próxima segunda-feira.
Claramente no intuito de definir a estratégia a seguir no futuro.
Também a fundada suspeita de que haverá condenações.
Resta saber quem será condenado, e quais os crimes que serão dados como provados.
Para além, obviamente, da extensão das penas a serem aplicadas.
Depois do que se ouviu a Carlos Cruz esta semana, ameaçando que iria divulgar no seu blogue os nomes de muitas pessoas que ainda não foram envolvidas no processo, mas que deveriam tê-lo sido, também a fundada suspeita que Ricardo Sá Fernandes já terá prevenido o seu constituinte que será um dos arguidos a ser objecto de condenação.
Como o deverá ser também Carlos Silvino.
Tudo fundadas suspeitas.
Num processo que começou em 2002, com uma notícia divulgada pelo Expresso e pela SIC que dava conta de abusos sexuais continuados a que eram sujeitos alunos da Casa Pia, situação que já se arrastava há longos anos, foi muita a agitação e a comoção que atingiu um país aturdido.
Não só pelo teor das notícias, mas também pelos nomes envolvidos nas mesmas.
Num dos processos que maior atracção provocou nos media, que mais espaço mediático ocupou nos anos mais recentes, as manobras de informação e contra-informação foram constantes.
Assim como as convenientes fugas de informação, os julgamentos sumários nas páginas dos jornais, nos microfones das rádios, nos ecrãs das televisões.
Um partido político viu a sua cúpula envolvida no escândalo, e a movida popular logo associou todas as ocorrências relatadas a meras manobras políticas (alguma vez saberemos exactamente o que se passou com os dirigentes políticos envolvidos? Tenho sérias dúvidas...).
Os meninos da Casa Pia estavam só a ser usados por ricos e poderosos em reles lutas de poder.
Oito anos depois das primeiras notícias, entre o ensurdecedor ruído que se gerou à volta de todo o processo, uma virtualidade terá que ser sempre associada ao processo Casa Pia - a de ter aberto a Caixa de Pandora, a de ter mostrado a um país entorpecido que há miséria, que há exploração, que há exploração da miséria, deboche, depravação, que as árvores do Parque Eduardo VII guardam segredos terríveis.
Que, durante muitos anos, ninguém queria conhecer.
Hoje vão ficar a conhecer-se alguns.
Mas haverá muitos ainda muito bem guardados.
E que não sabemos se alguma vez viremos a conhecer.
Entretanto, continua a haver crianças na Casa Pia.
E noutras Casas Pias que também ainda não conhecemos.

Comentários

  1. Muito bom texto, caro Pedro.
    Os graúdos que abusavam das crianças andam por aqui e por aí também.
    Ai, se o Jorge Ritto falasse...

    ResponderEliminar
  2. É uma realidade perfeitamente abjecta, caro João.
    Mas, não é por o ser, que deixa de ser real.
    E foi isso que não se quis ver durante muitos anos.
    Demasiados!

    ResponderEliminar
  3. La estarei quarta-feira a pegar no tema do país divido consigo mesmo com a câmara de horrores escancarada. Sigo a abordagem ética e da implosão dos valores. Boa partida a tua.

    ResponderEliminar
  4. E eu estarei, como sempre, atento.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  5. Este AG é um tontinho que se julga mais do que é. Wake up, man!

    ResponderEliminar
  6. Anónimo das 08:44,
    Era do processo Casa Pia que tratava o post.
    Reparou nesse pormenor????

    ResponderEliminar
  7. Assistindo aquela encenação, o que sobressalta é a incapacidade que temos de ser pontuais, de ser dignos, de serem merecedores dos elevados benefícios que recebem: marcar-se para as 09h30 e começar-se às 10h48 com a desculpa vã de que se fazia a contagem do público que poda assistir ao acto? Vão chupar pirolitos ... e à tarde a mesma treta. A única coisa de jeito que foi dita é a culpa do estado na gestão dessas instituicões, sim Estado porque as pessoas que lá estão são servidores pagos por nós mas que andaram, andam (vão continuar?) com os olhos fechados e as orelhas moucas. O resto é paisagem porque estas condenações não vão dar em nada ... e os outros continuam nas festas, no Parque e nos parques a pedofilar!

    ResponderEliminar
  8. É bom não esquecer que estamos a lidar com pessoas que são mestres na arte de ocupar o espaço mediático.
    Sobretudo o mais conhecido dos arguidos.
    Daí aquela teatralização toda não me surpreender nada.
    Como já referi antes, não me atrevo a fazer qualquer previsão acerca do que nos reserva o futuro neste caso.
    Uma abraço amigão

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares