FÉRIAS VERÃO 2020


A família Carvalho está de férias na Costa da Caparica numa casa arrendada na terceira linha de praia.

03:00 

A matriarca Gertrudes Carvalho desperta o marido que ronca tal qual uma segadeira escaroladora. 
- Acorda, Zé António! Vamos para a praia! 
- Tu sabes que horas são mulher de Deus?! Três da manhã! 
- Deixa de ser lambão e levanta-te. 
Zé António nem piou nem chiou e levantou o rabo da cama. 
Na cozinha a Gertrudes abre os paposecos, unta-os com tulicreme, queijo da vaquinha ao mesmo tempo que a omelete de 18 ovos frita em azeite (alimentar dois adultos, três adolescentes e um bebé, é dose). 
- Zé António! Frita os rissóis de pescada, põe o frango assado na geleira que vou acordar os miúdos. 

03:30 

- Cátia Cristina, Herlander Miguel, Flávio Nuno! Toca a levantar e vestir os fatos de banho! 
- Ó mãe! – berra o mais velho – estás doida? Sabes que horas são? 
- Cala-te. Vistam-se, ponham as máscaras, as viseiras, as luvas, tragam o álcool gel e vamos para a praia. 

04:00 

Saem de casa e marcham com as tralhas na mão, todos em filinha, como se costuma ver. 
Marmitas, 
Chapéu de sol, 
Tapa vento, 
Toalhas, 
Boias, 
Pranchas de surf , 
Pranchas de bodyboard, 
Brinquedos do mais novo, 

04:30 

Chegam à praia e o sinal está vermelho. Segundo as normas do governo, a praia está lotada. 
- Bardamerda p´ra isto! – grita o Zé António! – Então levanta-se um gajo às três da manhã e já não tem espaço na praia?! 
- Isto é pior que estarmos dois dias a aguardar vaga no Centro de Saúde! - queixa-se a Gertrudes. 
- Ó mãe, tenho fome! – grita o do meio. 
- Quero fazer cocó! – chora o mais novo. 
- Ó Cátia, faz aí a dança para o tik tok – manda o mais velho. 

07h30 

Após três horas de espera abancados no acesso à praia, enfadados e aborrecidos, a família tem ordem de entrar na praia e que somente poderá ocupar 10 m2 do areal, segundo as novas normas do Governo. 
- Zé António! Estende as tolhas e espeta aí o chapéu. Debaixo do chapéu põe as geleiras e os brinquedos dos cachopos, depois tira a fita métrica e mede, só depois é que nos podemos deitar. 
Depois da ordem, Zé António pousa as tralhas, estende as cinco toalhas, mede o espaço que a família ocupará no areal e cai de joelhos (estavam a sentir falta do drama, certo?) 
- Que merda! Raios m´ partam! Dá 11 m2. Bem me parecia que o mais novo já veio fora de tempo (resmungou)… Ó Gertrudes, não dá para os brinquedos dos putos ficarem na estrada? Ninguém os rouba! 
- Olha Zé António, a tua geleira das minis é que podia ter ficado em casa, não achas?! 
- Môr, tu não me enerves! 
- Mamã, tenho cocó – diz o mais novo. 
- Ai que o miúdo está cagado até ao pescoço! Zé António! Vai com o Salvador Nuno ali à esplanada e tenta lavá-lo. Não te esqueças das máscaras, das luvas, do álcool gel, leva-o ao colo e não deixes que ele pise nada. Leva também os teus chinelos que estão dentro do saco para calçares no café, leva uma toalha, uma fralda, uns calções, uma t-shirt e um chapéu com viseira para vestires o Salvador Nuno. 
Enquanto o desgraçado do Zé António vai à esplanada da praia com o filho, a mulher e a restante prole ficam a arrumar as tralhas para que só ocupem 10 m2 do areal. 
- Ó mãe! Onde é que ponho a prancha? – pergunta o mais velho. 
- Sei lá, Herlander! Tu e a mania que és hippie e atleta e o caraças! Não podias ser um inútil como o teu pai?! Ambiciosa esta juventude, irra! 
- Ó mãe!!! A minha boia do flamingo não cabe debaixo do chapéu! – queixa-se a do meio. 
- Olha, Cátia Cristina, tivesses tu deixado essa bodega em casa! Mas não, não, tu e a mania das selfies em cima dessa porcaria, tinhas que trazer o bicho! 

10h00 

Zé António e o mais novo regressam finalmente ao chapéu. 
- Porra! Já estou num stress doido, môr! Deixei cair a viseira do miúdo no chão, tive que a desinfectar mas não sabia se tinha que a lavar antes de colocar o álcool gel! Depois o puto saiu-me do colo e foi abraçar uma menina que estava com os pais, tive que o desinfectar também para além de ele ainda ter fezes até ao pescoço. Bem… preciso de um cigarro. 
Zé António vai com a mão ao bolso e não tem isqueiro. Aproxima-se do vizinho do lado e pede lume. 
- Ó Diabo! - Grita o outro fulano. Você não sabe que isto é propriedade privada? Você não pode entrar por aqui adentro! – grunhe. 
- Olhe, não seja por isso! – Zé António, pega nos baldes dos filhos e constrói um muro de areia à volta dos seus 10 m 2. 
- Ó homem, não te enerves! – aconselha a Gertrudes - olha a pilha do coração! 
- Epá, se é assim que o Governo quer, é assim que vai ter. Muro à volta e está feito. Ninguém sai e ninguém entra. 

14h00 

Depois da tenda armada, muros construídos, cachopos alimentados e deitados na toalha, chega a hora de sair da praia para entrarem os do turno da tarde. 

Comentários

  1. Gargalhadas:))) muito bom!

    Beijos e um bom dia

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  2. :))))
    espero que coisas destas não aconteçam. São uma lixadela .

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  3. Ufa!!!!
    Acho que este ano vou por muito pouco os pés na praia!!!!

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    Respostas
    1. Para ter esta trabalheira não vale mesmo a pena, Boop :)))

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  4. Pedro, ri muito aqui... Tomara assim não seja,rs...Credo!! Mas, como saberemos o que nos espera??? abraços, chica

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    1. Quem escreveu isto merece a minha admiração, chica :))
      Abraços

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