O Menino Jesus de Fernando Pessoa (Padre Anselmo Borges)
1 - Ainda era Outubro e já havia anúncios comerciais lembrando o Natal. Já se esqueceu que o Natal de Jesus é o Natal do Emanuel, o Deus connosco, e, consequentemente, o Natal da dignidade divina da pessoa humana, da liberdade, da fraternidade, dos direitos humanos, da igualdade radical de todas as pessoas. Isso foi lembrado pelos grandes: Hegel, Ernst Bloch, Jürgen Habermas, entre outros. Esquecendo o essencial, fica-se afundado na correria das compras e na concorrência opressiva das prendas, dentro da sofreguidão consumista insaciável, lembrando o velho mito do tonel das Danaides. E será o inessencial e o cansaço.
2 - Fernando Pessoa, o génio da melhor literatura mundial de sempre, também confessou o seu cansaço. Mas, ele, ele era por causa do mais profundo e essencial: o pensar: "O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir,/Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo." "O que há em mim é sobretudo cansaço/ (...)/ Um supremíssimo cansaço/íssimo, íssimo, íssimo,/Cansaço..." Por isso, suspirava por voltar à inocência dos tempos de criança. O Menino Jesus seria o reencontro da inocência perdida: "Num meio-dia de fim de Primavera/Tive um sonho como uma fotografia./Vi Jesus Cristo descer à terra./Veio pela encosta de um monte/Tornado outra vez menino,/A correr e a rolar-se pela erva/E a arrancar flores para as deitar fora/E a rir de modo a ouvir-se de longe./Tinha fugido do céu. Era nosso de mais para fingir/De segunda pessoa da Trindade./(...)/ No céu tinha de estar sempre sério/(...)./Um dia que Deus estava a dormir/E o Espírito Santo andava a voar,/Ele foi à caixa dos milagres e roubou três./Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido./Com o segundo criou--se eternamente humano e menino./Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz/E deixou-o pregado na cruz que há no céu/E serve de modelo às outras./Depois fugiu para o Sol/E desceu pelo primeiro raio que apanhou./Hoje vive na minha aldeia comigo/É uma criança bonita de riso e natural./(...)/A mim ensinou-me tudo./(...)/Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro./Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava./Ele é o humano que é natural,/Ele é o divino que sorri e que brinca./E por isso é que eu sei com toda a certeza/Que ele é o Menino Jesus verdadeiro./ (...)/A Criança Eterna acompanha-me sempre./A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando./O meu ouvido atento alegremente a todos os sons/São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas./Damo-nos tão bem um com o outro/Na companhia de tudo/Que nunca pensamos um no outro,/Mas vivemos juntos e dois/Com um acordo íntimo,/Como a mão direita e a esquerda./Ao anoitecer brincamos às cinco pedrinhas/(...)/Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens/E ele sorri, porque tudo é incrível./Ri dos reis e dos que não são reis,/E tem pena de ouvir falar das guerras,/E dos comércios, e dos navios/Que ficam fumo no ar dos altos mares./Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade/Que uma flor tem ao florescer/E que anda com a luz do Sol/A variar os montes e os vales/E a fazer doer aos olhos os muros caiados./Depois ele adormece e eu deito-o./Levo-o ao colo para dentro de casa/E deito-o, despindo-o lentamente/E como seguindo um ritual muito limpo/E todo materno até ele estar nu./Ele dorme dentro da minha alma/E às vezes acorda de noite/E brinca com os meus sonhos./Vira uns de pernas para o ar,/Põe uns em cima dos outros/E bate as palmas sozinho/Sorrindo para o meu sono./... Quando eu morrer, filhinho,/Seja eu a criança, o mais pequeno./Pega-me tu ao colo/E leva-me para dentro da tua casa./Despe o meu ser cansado e humano/E deita-me na tua cama./E conta-me histórias, caso eu acorde,/Para eu tornar a adormecer./E dá-me sonhos teus para eu brincar/Até que nasça qualquer dia/Que tu sabes qual é./... Esta é a história do meu Menino Jesus./Por que razão que se perceba/Não há-de ser ela mais verdadeira/Que tudo quanto os filósofos pensam/E tudo quanto as religiões ensinam?"
Em apontamentos soltos, o próprio Fernando Pessoa reconheceu que escreveu "com sobressalto e repugnância o poema oitavo de O Guardador de Rebanhos com a sua blasfémia infantil e o seu antiespiritualismo absoluto", dizendo ao mesmo tempo: "Na minha pessoa própria, nem uso da blasfémia nem sou antiespiritualista." O seu Menino Jesus representa a procura terna e eterna da paz e da reconciliação, na simplicidade daquele Menino eternamente criança e humano.
Fernando Pessoa "ele mesmo" - ele era muitos, como cada um de nós é muitos; se assim não fosse, como poderíamos entender-nos uns aos outros e a nós próprios? - também escreveu: "Grande é a poesia, a bondade e as danças.../Mas o melhor do mundo são as crianças,/Flores, música, o luar e o sol, que peca/Só quando em vez de criar, seca./O mais que isto/É Jesus Cristo,/Que não sabia nada de finanças/Nem consta que tivesse biblioteca..." E assim chega mesmo a caminhar de mãos dadas com Deus: "Por isso, a cada passo/Que meu ser triste e lasso/Sente sair do bem/Que a alma, se é própria, tem,/Minha mão de criança/Sem medo nem esperança/Para aquele que sou/Dou na de Deus e vou."
3 - Fica aqui o meu mais vivo desejo de Boas Festas para todos, lembrando que o essencial do Natal é Jesus, como disse o Papa Francisco no passado dia 17, quando fez 81 anos: "Se retirarmos Jesus, o que é o Natal? Uma festa vazia."
in DN 22.12.2017
bom dia
ResponderEliminarrealmente não faz sentido o Natal sem Jesus.
e que o espirito de Natal prevaleça até ao próximo dezembro !!!
JAFR
Que permaneça sempre connosco, Joaquim Rosário.
EliminarUm excelente artigo do Padre Anselmo e aproveito para desejar ao meu amigo umas Boas Festas e um excelente 2018.
ResponderEliminarAndarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Retribuo em dobro, Francisco.
EliminarPara si e família.
Caloroso abraço!
Magnífico texto e uma seleção de bom gosto.
ResponderEliminarQue o Espírito de Natal continue a brilhar como a Etrela-guia.
Beijinhos, Pedro.
~~~~~
Vindo do Padre Anselmo Borges não é de esperar outra coisa, Majo.
EliminarBeijinhos
Passando, lendo, e deixando a minha mensagem de Ano Novo
ResponderEliminar.
Tema: -- FELIZ ANO NOVO DE 2018 --
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Abraço
Aquele abraço, Feliz 2018, Ricardo
EliminarMais um excelente artigo mas cada vez mais me questiono: todos os entendidos o fazem, os tais filósofos - o que respeito - mas a maioria não saí da sua "zona de conforto" como faz o Papa Francisco. Fico por aqui para não dizer mais coisas:)
ResponderEliminarBeijos
Pode dizer, Fatyly.
EliminarO Papa Francisco, ameaçado dentro da própria Igreja, é um ser humano único.
Cuja postura muito influencia Anselmo Borges e Frei Bento.
Beijos
Boa tarde. Adorei o texto e a mensagem final. Grande verdade.
ResponderEliminarHoje:-"Chuva, onde desejo tréguas."
Bjos
Resto de uma feliz tarde.
Bjs, Larissa Santos.
EliminarEstá aqui resumido o que deve ser o Natal.
Se 'Natal' significa natalidade e celebra o nascimento de Jesus, é Jesus o centro desta Festa cristã. Sem Ele, não haveria Natal. Comungo inteiramente com Francisco. o Papa de coração puro.
ResponderEliminarContinuação de Boas Festas, Pedro.
Beijinhos.
Devia ser evidente, não devia, Janita?
EliminarInfelizmente não é.
Continuação de Boas Festas também.
Beijinhos
Tinha-me escapado este seu IMPORTANTE post, Pedro Coimbra.
ResponderEliminarFelizmente, hoje, apanhei-o !
E, obviamente, fiquei MARAVILHADO com tudo.
Um abraço muito grato.
Anselmo Borges é senhor de uma inteligência e de uma cultura invulgares, João Menéres.
EliminarAquele abraço!
Caro Amigo Pedro Coimbra.
ResponderEliminarBoas Festas e um ano novo repleto de acontecimentos auspiciosos.
Caloroso abraço. Saudações renomadas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.
Aquele abraço, que 2018 seja Fenomenal, Amigo João Paulo de Oliveira.
EliminarPadre, eu não estou de
ResponderEliminarpassagem, vim para dar
um abraço no meu amigo
Pedro pela passagem de
ano.
Um abraço para vocês
dois e um bom ano novo.
silvioafonso
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Caloroso abraço, silvioafonso.
EliminarVotos de um 2018 Fenomenal!
Vi no DN e quero muito ler, mas ainda não deu tempo. Lá chegarei.
ResponderEliminarBom restinho de 2017, Pedro e família!
Bom restinho de 2017, melhor 2018, Graça.
EliminarPara a Graça e família.
Beijinhos
É bom lembrar isso mesmo, que Natal é celebrar o Menino.
ResponderEliminarEspero que o Pedro tenha tido um Santo Natal e que o ano novo que se avizinha lhe traga tudo de bom. :)
Natal passado em família que é como eu gosto, luisa.
EliminarUm 2018 que espero seja melhor que 2017.
Um ano que, pessoalmente, nem correu mal.
Mas que teve momentos muito maus por esse Mundo fora.
Com Pessoa se fez o Sermão. Inteligente e com razão, o padre Anselmo Borges.
ResponderEliminarBoas festas e um bom ano 2018.
Anselmo Borges é inteligente e culto, Agostinho.
EliminarDuas qualidades que não é fácil encontrar reunidas na mesma pessoa.
Boas Festas
Tao bonito.
ResponderEliminarDesconhecia essa história de fp.
Não fui, afinal, a primeira pessoa a achar que DEUS está em todos nós no melhor que há dentro do nosso coração. Essa bondade e genuinidade que existe em todos, e que se esconde ou se elimina por quase todos mais tarde, contudo está totalmente exposta quando se é criança!
Por isso é que as crianças são especiais.
O natal é outra das festividades que o tempo vai tornar sobre uma coisa, sendo que originalmente, é "outra". COMO TUDO NA HISTóRIA DA HUMANIDADE!!!
ResponderEliminarAcho que é incontornável.
Ainda que o afastamento de Jesus seja quase 100% na maioria da "propaganda", festejos, iluminações etc... (já escasseiam os presépios, dão lugar a pais natais e a pinheiros) o que me agrada no Natal é o ESPÍRITO. Esse, pode vir acompanhado de decorações de natal para pendurar na árvore em forma de pais natais, sinos, bolas ou agora bolachas e chocolates com o logotipo da marca que as vende... Pode não ter uma qualquer referência a cristo. Mas REUNIR A FAMILIA, mesmo que só para trocar presentes (sinal de consumismo) ainda mantém o ESPIRITO do Natal. Do convívio. Ainda se sabe que não se podem inventar desculpas para faltar a esse compromisso. Ele é «sagrado».
Enquanto assim for, o espírito do Natal vive. Mesmo com todas as distracções em massa do consumismo simbolizado pelo Pai Natal.
Refere aqui o que para mim é o essencial do Natal, Portuguesinha - a reunião da família.
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