JESUS NASCEU PARA DESCRUCIFICAR (Frei Bento Domingues, O.P.)
1. Estamos na quadra litúrgica do Advento, mas tudo parece encenado e polarizado apenas pela memória do nascimento de Jesus, alimentando um terno imaginário da infância, com alguma e passageira solidariedade, própria da estação, sem, no entanto, tocar nos alicerces da sociedade. É como se nada estivesse para acontecer.
Os textos das celebrações do Advento vão, pelo contrário, noutra direcção: é hoje que podemos acolher a graça da nossa transformação interior que nos associe, de forma activa, às mais diversas iniciativas sociais, culturais e políticas da construção de uma cultura da justiça e da paz, a nível local e global. O Espírito do Natal é Aquele que suscitou o canto subversivo de Maria de Nazaré.
As preocupações com as indispensáveis reformas das “cozinhas eclesiásticas” da Igreja, se não estiverem centradas no estilo da prática história de Jesus Cristo e nas urgências dos mais carenciados das nossas sociedades, acabam por nos fazer esquecer que somos nós, a Igreja, que precisamos de reforma permanente.
Frederico Lourenço – a grande figura portuguesa da cultura bíblica fora das sacristias – recorda-nos que os Evangelhos têm, ainda hoje, em 2017, o potencial para mudar o mundo para radicalmente melhor. Sublinha comovido: “Jesus Cristo, com as palavras que lhe são atribuídas nos quatro evangelhos, é a figura que mais me interessa. Continuo a achar que, independentemente de ele ter dito aquelas palavras ou não, elas são as coisas mais extraordinárias que foram ditas à face da terra. Por exemplo, quando leio para mim o Novo Testamento estou num mundo maravilhoso que é só meu e me preenche muito, animicamente, espiritualmente. Apesar de ser um linguista crítico-histórico, não sou um ateu a traduzir a Bíblia. Serei sempre, até ao último segundo da minha vida, um apaixonado por esse judeu chamado Jesus de Nazaré”.
Muitos anos antes, numa entrevista de 1978, Eduardo Lourenço mostrou a verdade da nossa condição, na própria referência cristã: “Cristo é o momento (sem limite de tempo) em que a humanidade tomou forma humana. (…) Foi crucificado, não por querer ser deus, mas por ensinar o que era ser homem. Dois mil anos passaram sem que esquecêssemos nem aprendêssemos a lição”.
Num belo livro, traduzido por José Sousa Monteiro, deparo com a confissão do marxista Milan Machovec: “O coração duma freira desconhecida que se dedica a uma criança incurável, só poderia ser substituída por uma teoria da história, por um estúpido e um idiota (…) Pessoalmente, não me traria grande desgosto o facto da religião acabar. Mas se tivesse de viver num mundo no qual Jesus fosse inteiramente esquecido, então preferia não continuar a viver”.
Como escreveu o dominicano E. Schillebeeckx, para Jesus, a história dos seres humanos é a narrativa de Deus acolhido ou recusado.
2. Para o imaginário do Evangelho de S. Lucas, a festa do nascimento de Jesus aconteceu num curral iluminado pela luz do céu, acompanhada pela música dos anjos e rodeado de pastores e estrangeiros. Tudo aconteceu à margem do Templo de Jerusalém e dos palácios imperiais. Aliás, Jesus com o comércio do Templo teve uma relação muito agreste e só conheceu os palácios quando estava a ser julgado e condenado à pena capital. A sua coroa foi de espinhos e o seu trono foi uma cruz.
Esta apresentação testemunha um profundo contraste, mas pode cair na perversão do próprio Evangelho de Cristo, sugerindo que Jesus veio sacrificar-se e semear mais sacrifícios no mundo. Porque será mantida a cruz como símbolo cristão, quando o que Jesus procurava era, precisamente, descrucificar?
A minha hipótese de interpretação é outra, bastante simples, mas que importa explicar. A cruz, a sentença de morte mais bárbara e cruel, fazia parte do mundo que Jesus queria mudar. Então, por que continua a funcionar como um símbolo cristão, quando ela é anti-humana, anticristã?
Ao contrário do que se repete há séculos, Jesus Cristo não desejou nem santificou a cruz. Alterou-lhe, porém, a significação de forma radical. Foi-lhe imposta, num julgamento iníquo, por ele recusar trair o seu projecto. Tornou-se, deste modo, o símbolo da fidelidade inquebrantável, o signo da extrema generosidade. A presença de sinais da cruz, desde o baptismo até à morte, diz que é preciso dizer não à crucifixão da vida e dizer sim à generosidade libertadora, no dia-a-dia.
Tudo isto vem confirmado no trecho do Evangelho escolhido para a celebração da Eucaristia, do passado dia 6: estava Jesus sentado junto ao mar da Galileia e uma grande multidão veio ter com ele e lançou-lhe, aos pés, coxos, aleijados, cegos, mudos e muitos outros.
Se o mestre fosse um pregador de sacrifícios dizia-lhes: estais mal? Ainda bem. Assim podeis santificar-vos e, um dia, sereis muito felizes no céu.
3. Jesus não acreditava nessa mística. Curou-os e organizou, com pouca coisa, um grande banquete popular. A multidão ficou admirada ao ver os mudos a falar, os aleijados a ficar sãos, os coxos a andar, os cegos a ver e todos a comer até sobrar.
Poder-se-á dizer: porque não deixou a fórmula? Seria uma alternativa muito barata dos serviços de saúde, públicos e privados. Mas ele não veio para nos substituir.
Já na apresentação do seu programa, em Nazaré, ficou claro que o mundo tinha de começar mesmo a mudar. Deus não podia ser o da ira de Iavé, mas o da pura graça do amor. Diz a narrativa evangélica que, nesse momento, os seus conterrâneos o julgaram um subversivo e, por isso, quiseram acabar logo com ele.
Os seus comportamentos eram, de facto, estranhos: andava em más companhias, com quem comia e bebia, a ponto de lhe chamarem “comilão e beberrão”; aceitou o convívio de mulheres que não eram todas exemplos de virtude; violava, sistematicamente, o Sábado – o dia mais sagrado da sua religião – com curas que bem podia fazer noutros dias.
Não deixou fórmulas ou receitas que pudessem ser transformadas em rituais. A sua prática é um desafio à imaginação de todos os homens e mulheres, de todos os tempos, a usarem os seus talentos, as suas capacidades, não para cavar distância entre ricos e pobres, mas para as eliminar, pois, não suporta ver uns à porta e outros à mesa, uns em banquetes requintados e outros na miséria.
in Público 17. 12. 2017
Votos de um Santo Natal para todos.
bom dia
ResponderEliminartomara todo o mundo soubesse ler e interpretar assim o evangelho.
JAFR
Frei Bento e Anselmo Borges são seres muito especiais, Joaquim Rosário.
EliminarPor isso mesmo aqui são citados tantas vezes.
Obrigado pelos votos, amigo.
EliminarFeliz natal para você também
e para os que têm o privilégio
de poder abraçá-lo.
silvioafonso
.
Caloroso abraço, silvioafonso.
EliminarSão pessoas como o Frei Bento Domingues que me fazem acreditar na religião.
ResponderEliminarDesejo um Santo e Feliz Natal com muita paz e saúde para o meu amigo e seus familiares. 🎄
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
São raros, Francisco, mas ainda os há na Igreja Católica.
EliminarVotos de um Santo Natal para si e família
Bom dia. Passando, lendo, vendo, apreciando, gostando e deixando votos de um Natal Muito feliz, extensivo a toda a família e amigos.
ResponderEliminar.
hoje: *Teus lábios, de amor, queimando*
.
Caloroso abraço, votos de um Santo Natal para si e família, Gil António.
EliminarPedro, a sua criação teve
ResponderEliminarmuito a ver com a minha,
até porque, lá em casa
eramos dois homens, eu e o
meu pai, e seis mulheres,
cinco irmãs e mamãe. Talvez
por isso eu seja tão sensível
no tocante as coisas femininas.
Gostei do comentário que você
fez na minha, digo, na nossa
página, mas fiquei com medo da
ênfase que você deu a ele.
Um abração, obrigado e bom dia.
silvioafonso
.
Eu vou explicar, silvioafonso,
EliminarComo já deixei aqui dito, fui criado pela mãe e avó materna.
Sai do colo delas para o colo de duas primas com quem vim viver em Macau.
Depois para o colo da mulher e das filhas.
Junte-se a empregada cá de casa e as minhas colegas de trabalho (foram sempre mais mulheres que homens) e é impossível não respeitar as mulheres e não perceber qualquer ideia de desigualdade, de descriminação.
Aquele abraço
Blessings.
ResponderEliminarBlessings, Regine Karpel.
EliminarSou agnóstico, mas sei reconhecer um bom texto como este.
ResponderEliminarOs meus votos de um FELIZ NATAL e de um óptimo ano de 2018, caro Pedro.
Abraço.
Aquele abraço, votos de um Santo Natal, Jaime Portela.
Eliminarum bom exemplo em como podemos ser um modelo, rompendo com o modelo ;)
ResponderEliminarAcompanho os textos de Frei Bento e de Anselmo Borges, Mami.
EliminarDois seres muito especiais.
Mais do que a baixeza interessa a comida.
ResponderEliminar"Queixa-se" o Pedro de haver comentários não editados. Desconheço o motivo, não houve censura. Mistérios das máquinas que os processam?
Boas Festas, Amigo.
Aconteceu noutros blogues, Agostinho.
EliminarAcredito que tenha a ver com filtros aqui em Macau.
Boas festas, caloroso abraço!
Baixeza > baixela
EliminarDe mansinho, venho aqui deixar o meu abraço e desejar um Santo e Feliz Natal.
ResponderEliminarUm abraço, um Santo e Feliz Natal, Teresa.
EliminarBaixela. A escrita estúpida faz correcções imprevisíveis.
ResponderEliminarJá me aconteceu um carradão de vezes, Agostinho :)))
EliminarBjs, votos de um Santo Natal, Larissa Santos.
ResponderEliminarNão são férias, são muitos feriados seguidos.
Caro amigo Pedro
ResponderEliminarQuero desejar um Santo e Feliz Natal
Abraços
Kique
https://caminhos-percorridos2017.blogspot.pt
Aquele abraço, votos de um Santo Natal, Kique
EliminarDizer que:
ResponderEliminarNatal "Deveria ser o Ano inteiro"...é já uma frase feita, mas devia ser esse o espírito todo o ano.
Desejo: Paz; Amor; Harmonia; Fraternidade; Compreensão; Saúde; Fé; Honestidade; e que nunca nos falte a Esperança.
Extensivo aos familiares e amigos
BOAS FESTAS
Por ser uma frase feita não se torna menos verdadeira, tulipa.
EliminarBOAS FESTAS
ola Pedro
ResponderEliminarlembrei-me que a riqueza da nossa cultura religiosa é imensa!
ainda tive conhecimento esta semana da existência das missas do parto da Nossa Senhora que se fazem na ilha da Madeira,
....
As Missas do Parto são novenas que se celebram de madrugada, normalmente entre as 6 horas e as 7 horas, a partir do dia 16 de Dezembro, em homenagem a Nossa Senhora e que aliam o lado religioso a uma vertente mais lúdica e de diversão, com música tradicional, comida e bebidas regionais.
Na verdade, estas celebrações têm por objetivo celebrar os nove meses de gravidez da Virgem Maria e culminam com a Missa do Galo, que celebra o nascimento de Jesus Cristo...
http://www.helloguidemadeira.com/pt/madeira/tradicoes-regionais/missas-do-parto
deixo votos de FELIZ NATAL
Angela
Conheço a tradição, Angela.
EliminarE é bom que esta e outras semelhantes se mantenham.
Votos de um Santo Natal
Se Deus só há um. Porque é que em sua referência há tantos religiões?
ResponderEliminarTenha um Feliz Natal, caro amigo Pedro Coimbra, em companhia de quem mais desejar, Um abraço,
Eduardo.
Cada religião tem o seu Deus, a sua divindade, Eduardo.
EliminarEssa diversidade deve ser mantida e respeitada por todos.
Infelizmente não é essa a realidade.
Aquele abraço, votos de um Santo Natal
Feliz Natal para si e família, Pedro.
ResponderEliminarUm grande abraço
Aquele abraço, votos de um Santo Natal, Carlos
EliminarSe me permite, Pedro, deixo aqui um humilde poema da minha lavra, já com alguns anos, que vai de encontro ao texto que publica.
ResponderEliminarNasceste em humilde palha
Extraordinária lição
Acto sublime
Revolucionário
De total contestação
Em que tudo pode mudar
Com um simples dar a mão.
Desfizeste teorias
Emaranhados
Teias de eruditos
Entendidos
Fazedores de opinião
Incapazes de abafar
Em confronto directo
O perfume
Da tua ilação.
Em grupos circunscritos
Anteciparam Maquiavel
E em tenebroso papel
Pegaram na Palavra
Podaram o essencial
Colaram o acessório
E cavalgaram a onda
Em apoteose total.
E eis como a verdade
Desvirtuada e remendada
Ficou do interesse geral.
Feliz Natal para si e para os seus!
Um poema muito belo e em tudo apropriado à quadra que vivemos, AC.
EliminarCaloroso abraço, votos de um Santo Natal.
Feliz Natal para ti e todos os teus e oxalá que a humanidade saiba respeitar todas as religiões porque nenhuma é dona da verdade absoluta.
ResponderEliminarBeijos
Que esse desejo se cumpra, Fatyly.
EliminarE que o Homem finalmente perceba o que devia ser evidente.
Beijos, votos de um Santo Natal
Excelente escolha, uma belíssima mensagem.
ResponderEliminarQue o NATAL seja tempo de reflexão e que a sua magia e luz, consiga envolver o nosso coração, fazendo com que ele espalhe, um mundo infinito de estrelas de Amor e Amizade, para iluminar o caminho de todos aqueles que passam na nossa vida.
Pedro para si e para a sua família desejo-lhe um Natal muito Feliz e um Ano Novo repleto de incontáveis momentos felizes, saúde, alegria, sonhos realizados, paz e amor.
Beijinhos
Maria de
Divagar Sobre Tudo um Pouco
mensagem de Natal
Beijinhos, votos de um Santo Natal, Maria Rodrigues
EliminarFestas Felizes, Pedro!
ResponderEliminarBeijinhos
Beijinhos, Festas Felizes, Maria Eu
EliminarO texto termina de uma forma tocante!
ResponderEliminarFeliz Natal com muita saúde e harmonia para ti e aqueles que te são queridos!
Beijinho com muito carinho Pedfro.
O ultimo parágrafo do texto reflecte aquilo que eu acredito ser o espírito do Cristianismo e o espírito desta época, Adélia.
EliminarBeijinhos, votos de um Santo Natal para toda a família
Boas Festas.
ResponderEliminarAbraço
Boas Festas, Célia.
EliminarAbraço
Incredibly Marvelous piece of writing Pedro!!!
ResponderEliminari wish that may we not only celebrate the birth but the message that his life brought to the humanity
wishing you and family a happy and wonderful christmas my friend!
My family just went back home, baili.
EliminarWe had our traditional Christmas celebration.
In family has it should always be.
Wish you and your family a wonderfull and blessed Christmas.
Obrigada e desejo o mesmo, Feliz Natal
ResponderEliminare um beijinho
Gábi
Beijinhos, votos de um Santo Natal, Gábi
EliminarAs mensagens dos Evangelhos são de facto as mensagens mais extraordinárias que se escreveram. Cada vez mais me interesso por as ler, escutar e, principalmente por uma interpretação mais intelectual das mesmas pois é importante que sejam desconstruídas com inteligência e e ao mesmo tempo simplificadas para que todos as possam entender.
ResponderEliminarUm beijinho para si, Pedro e continuação de boas festas!
As mensagens são para ler e interpretar, mz.
EliminarSem interpretar não se entendem nem se compreendem.
Se não se entendem nem se compreendem não se podem viver.
Beijinhos, Boas Festas
Quem lê o escrito deste fradinho da mão furada até parece que comeu com ele á mesa e bebeu do vinho de Caná, de certeza em doses superiores ás recomendadas, pois Nosso Senhor não advogou o serviço nacional de saúde, embora curasse os mancos, fizesse os cegos ver e os moucos ouvir, mas afinal era igual aos outros médicos da "caixa": -Não "pesava a febre" nem media a "intensão" e até, para este frade, é da opinião que Cristo não foi pregado na cruz com os pregos da casa Garcia e vai daí despregou-se da dita- (se fossem pregos do Garcia... Tal não acontecia). Com isto inté um crente se baralha!
ResponderEliminarVotos de Bom e Santo Natal (atrasados) e próspero Ano Novo. Cumprimentos. Álvaro
álvaro silva,
EliminarNão é fã de Frei Bento?
Eu sou e gosto imenso do ler o que ele escreve.
Faz todo o sentido para mim e reflecte aquilo que acho deveria ser a Igreja.
Cumprimentos, Boas Festas.