O Papa das perguntas sem resposta


Para perceber o que se passa com o Papa Francisco, impõe-se escutar aquele que é ao mesmo tempo seu conselheiro e talvez o melhor intérprete, o jesuíta Antonio Spadaro, director da revista La Civiltà Cattolica. Faço-o a partir de uma entrevista que deu a José Manuel Vidal.

1. Francisco tem enorme impacto na Igreja e "em todo o mundo". Nas sondagens internacionais, "constatámos que é o líder mais credível do mundo, comparado com os grandes líderes políticos e morais da história. O seu grau de aceitação é elevadíssimo". Nas redes sociais, bateu todos os recordes. "Um líder moral com autoridade reconhecida não só pela base, mas entre os líderes políticos mundiais", diz Vidal. Resposta: "Sim, é incrível. Porque as pessoas entenderam que o sentido da verdadeira autoridade está na proximidade. Estamos a passar de uma imagem constantiniana, imperial, a um pontificado que pouco a pouco está purificando e simplificando o papado, levando-o para a imediatidade evangélica."

Dentro deste reconhecimento mundial, Francisco procura "construir pontes". Fala tranquilamente com Obama, Putin ou outros líderes mundiais. Procurou mediar conflitos como os de Cuba e Colômbia. "Tudo isto significa que se move muito livremente no cenário global", de modo próximo, mas em busca do possível, "com muito realismo". Quanto à Rússia, "deu-se conta de que deve estar incluída no processo de pacificação do mundo. Como a China. O grande amor que tem pela China nasce da consciência de ela ter um peso político muito forte e uma tradição cultural de enorme sabedoria". Aliás, "é certo que a Ásia é um continente que contém o gérmen do futuro". É possível uma visita à China? "Parece", embora não no imediato.

2. Onde mora a causa do fascínio? Aqui, permito-me uma nota pessoal. Uma vez, foi-me dada a possibilidade de encontrar o papa João Paulo II nos seus aposentos privados, no Vaticano. Apertei-lhe respeitosamente a mão e disse no meu mais íntimo: "É apenas um homem." Esta é a grandeza de Francisco: é apenas um homem, mas um homem que acredita no Evangelho. Assim, "é um Papa que quer avançar, servir o Espírito na Igreja de hoje. A palavra que usa com mais força é a palavra misericórdia. Ele vai directo a que o Evangelho consiga tocar a história e o coração do homem". E "a misericórdia é reconhecer que Deus sai ao teu encontro antes de tu ires procurá-lo". "Não há alfândegas, não há barreiras." É "um Papa que abraça. Que abraça, que sorri! O seu abraço sente-se, porque, quando abraça, fá-lo com força. Ou seja, é Evangelho: saber que o Papa, que representa visivelmente o rosto da Igreja diante de toda a humanidade, sorri!"

Assim, "não basta mudar as estruturas, é preciso mudar as almas, que são as que mudam as estruturas depois"... Este Papa "é verdadeiro". Ao lavar os pés aos refugiados, mesmo se eram muçulmanos, "teve um gesto que diz quais são as verdadeiras raízes cristãs da Europa". Isto é uma revolução, "porque o Evangelho é uma grande revolução, não é a legitimação de um statu quo".

3. Vidal: "O povo está visivelmente convencido. E o clero?" Spadaro: "Francisco não é um Papa de actos, mas de processos. Ama o processo. Abrir processos que não tem de ser ele necessariamente a terminar." Se um processo é um pôr em marcha, "o próprio facto de haver resistências significa que o processo funciona". "A resistência deve-se a que qualquer mudança pode ser desestabilizante. Por isso, Francisco gera atenção, mas também confusão. Mas não deveria haver: a sua abertura é isso: a mensagem do Evangelho." Por isso, ele, sem "sinais imperiais", "está a exigir uma mudança à alta hierarquia". Repete: "Os clérigos não podem ser funcionários da Igreja, mas pastores." E "valoriza mais o ser pastor do que o ser sacerdote".

E os inimigos? "Suponho que os haverá, evidentemente." O Papa "não está preocupado com a oposição. Mais: quere-a explicitamente, porque é aberto à diferença e à escuta". Mas "a existência de oposição não vai impedir que este processo continue". No quadro das estruturas, quer activar a colegialidade e, por isso, segue "um processo sinodal", também no magistério. Assim, por exemplo, no que se refere à comunhão dos recasados, fez-se um processo e, uma vez que no Sínodo "se aprovou por maioria, não há outra palavra: a integração é a chave".

4. A certas perguntas Francisco responde: "Não sei." Isto é uma surpresa num Papa. Uma criança perguntou-lhe: "Tu amas Jesus?" E ele: "Não sei, mas sei que ele me ama muito a mim." Outra vez, disse aos superiores gerais das ordens religiosas que "hoje temos de enfrentar perguntas que nem sequer entendemos". "No fundo, a realidade supera a nossa capacidade de compreensão. O Papa deu várias voltas a isto nos seus documentos oficiais: que nunca teremos todas as respostas." "Esta atitude de total honestidade, de não dar respostas automáticas, este é o realismo de que precisamos", conclui Spadaro. Aqui, entra a fé.

Comentários

  1. Um excelente texto que explica porque eu gosto tanto deste Papa.
    Abraço

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    1. Que fica aqui um pouco mais exposto ao nosso conhecimento através das palavras de um dos seus principais colaboradores, Elvira Carvalho.
      Abraço

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  2. Li atentamente este texto porque tenho muita consideração por este Papa/Homem. Sei que não
    conseguirá inverter muito, mas deixará o seu legado,
    a sua acção, a sua forma de agir e jamais poderá ser
    como era antes dele "penso".
    Um abraço, amigo.
    Irene Alves

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    1. Tenho receio do pós-Francisco, Irene Alves.
      Quem lhe suceder terá esta postura?
      Receio bem que não.
      Abraço

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  3. Continuo "sentada" esperando saber quem é este Francisco, tal como quem é o Presidente da República de Portugal.
    Estou a aguardar, serenamente, sem adjetivar, pke o tempo dá sempre respostas.

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    1. Cada um à sua maneira sao dois tipos extraordinários, profundamente humanos.

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