Quando o nome pode ser todo um programa (Padre Anselmo Borges)
Não foi para mim completa surpresa o cardeal
argentino Bergoglio, jesuíta. O que constituiu surpresa foi a escolha do nome:
Francisco, sugerido pelo colega, cardeal Hummes, de São Paulo, quando o abraçou
e lhe disse: "não te esqueças dos pobres." O Papa Francisco explicou: "Essa
palavra entrou aqui (apontou para a cabeça): os pobres. Pensei imediatamente em
Francisco de Assis. Assim surgiu o nome no meu coração." E exclamou: "Ah, como
gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres", provocando a ovação dos
jornalistas.
E as suas palavras e gestos têm correspondido
ao que o nome de Francisco de Assis representa. A simplicidade não teatral, até
no vestir e calçar, inclinar-se perante a multidão, a fala cordial e
descomplicada, uma cruz peitoral barata, o desejo de "bom descanso" e "bom
almoço", ir pagar as despesas de hospedagem, o humor, palavras de ternura e
compaixão: isso aproximou-o das pessoas, que agora se podem aproximar, pois é um
homem entre homens e mulheres, como Cristo. "Cristo é o centro; o centro não é o
sucessor de Pedro." Afinal, a Constituição da Igreja é mesmo o Evangelho e não o
Código de Direito Canónico.
Sublinhe-se o seu respeito pela liberdade de
consciência. "Tinha-vos (aos jornalistas) dito que vos daria de todo o coração a
minha bênção. Muitos de vós não pertencem à Igreja Católica, outros não são
crentes. Dou-vos de coração esta bênção, em silêncio, a cada um de vós,
respeitando a consciência de cada um, mas sabendo que cada um de vós é filho de
Deus. Que Deus vos abençoe."
No passado dia 12, frente àquela pompa toda
dos 115 cardeais a entrar na Capela Sistina, para o conclave, perguntei-me pela
simplicidade do Evangelho e sobretudo quem representava as mulheres, as
famílias, os jovens, os católicos em geral. A Francisco de Assis pareceu-lhe uma
vez, numa pequena ermida, ouvir dos lábios de Cristo crucificado: "Francisco,
repara a minha Igreja, que ameaça ruína." Espera-se que o Papa Francisco refaça
o rosto da Igreja tão desfigurado. No quadro de uma Igreja-instituição
descredibilizada, que reforme a Cúria Romana, tornando-a ágil, transparente e
colegial. Significativamente, Francisco tem-se referido a si mesmo como bispo de
Roma e não como Papa, transmitindo a mensagem de que quer descentralizar,
tornando eficaz a colegialidade dos bispos: ele exerce o ministério da unidade
numa Igreja solidariamente co-responsável. Francisco tem força e determinação
para acabar com os escândalos da pedofilia, do Vatileaks, do Banco do Vaticano.
O peruano Vargas Llosa, prémio
Nobel da literatura, agnóstico, pensa que Francisco "parece moderno" e espera
que "inicie o processo de modernização da Igreja, libertando-a de anacronismos
como não tratar temas como o sexo e a mulher". Francisco de Assis impôs-se
também pela fraternidade. Como poderá então Francisco Papa esquecer mais de
metade dos católicos, as mulheres, ainda discriminadas na Igreja, povo de Deus?
Um pormenor: dirigiu-se ao povo como irmãos e "irmãs". E como pode não proceder
a uma revisão da atitude da Igreja face ao corpo e à sexualidade? Aí está a
questão dos anticonceptivos, do celibato obrigatório - neste domínio, talvez
comece pela ordenação de homens casados. Neste contexto de fraternidade
franciscana, pode contar-se com a sua luta pela justiça, pelos direitos dos
pobres, dos mais débeis, para que todos possam realizar dignamente a sua
humanidade. O meio ambiente, os problemas ecológicos, a preservação da natureza,
criação de Deus e habitação da humanidade não serão esquecidos.
Em tempo de cruzadas, Francisco de Assis
pôs-se a caminho para ir dialogar com o sultão no Egipto. Francisco Papa não
abandonará a urgência da continuação do diálogo ecuménico entre as Igrejas
cristãs e do diálogo inter-religioso e intercultural. Francisco Papa, um
sul-americano com raízes europeias e o responsável máximo pela Igreja católica,
organização verdadeiramente global, ocupa um lugar privilegiado para estabelecer
pontes entre nações e povos e culturas, a favor da justiça e da paz, num mundo
cada vez mais policêntrico e multipolar.
Há razões para uma esperança
paciente.
Ele vivia de um modo mais simples do que muitos padres, por isso se nota que é uma simplicidade não teatral, é mesmo natural dele :)
ResponderEliminarFrancisco está a querer viver como Bergoglio, Poppy.
EliminarEspero que o deixem continuar assim.
Se ele vai ser um bom Papa, estamos todos aqui para ver. Se for um mau Papa, não será o primeiro. A Igreja não deixou de existir até agora. Impérios e nações foram e vieram, mas a Igreja continua de pedra e cal em pleno século XXI apesar de todos os problemas que a assolam. Afinal de contas, Cristo garantiu a assistência divina à Igreja a São Pedro.
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EliminarA simpatia e a empatia de Francisco são inegáveis, FireHead.
Tal como a sua simplicidade e a sua bonomia.
Mas tenho muito receio do que a máquina que funciona à volta do Vaticano lhe possa fazer.
Vamos ver.
Retenho a última frase: uma esperança paciente.
ResponderEliminarE sem expectativas desmesuradas, como já ouvi um jesuíta daqui afirmar
EliminarExactamente, Carlos.
Francisco quer ser Bergoglio, entusiasma, é simpático, tem carisma.
Vão deixá-lo ser sempre assim?
Não sei.