O PAPA NÃO É A CABEÇA DA IGREJA (Frei Bento Domingues, O.P.)
1.
Quando a anormalidade se torna normal, o reencontro com a mais pura normalidade
surge como algo de extraordinário. É certamente essa secular situação que
explica o espanto, ora sincero ora fictício, diante da clarividente renúncia de
Bento XVI. Além disso, as canonizações rituais dos titulares de certas funções
na Igreja e a intensa promoção do culto da personalidade acabam por se exprimir
numa beata retórica de finados: “Que iria ocorrer agora? Como continuaria sem
ele o Ano da Fé?”
É
precisamente porque estamos no chamado Ano da Fé, que importa não a desfigurar
com expressões ridículas resvalando para a idolatria. Os católicos sabem que o
Papa não é a Igreja, nem a cabeça da Igreja e que a si próprio se designa como
“servo dos servos de Deus”. Como diz S. Paulo, seguindo a verdade no amor, cresceremos em
tudo em direcção Àquele que é a cabeça, Cristo; Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo, a
plenitude daquele que plenifica tudo em todos (Ef. 4, 15; 1, 22-23 e
par.).
O
apóstolo escolheu e usou estas imagens para que ninguém, na Igreja, pretenda
substituir Jesus Cristo, fundamento da unidade eclesial na pluralidade dos seus
carismas, por qualquer culto idolátrico. Como os papas não são sucessores de
Cristo, é de elementar decência teológica denunciar qualquer expressão de
papolatria.
2.
S. Tomás de Aquino teve o cuidado de lembrar que o terminal da Fé cristã não é o
articulado do Credo, fruto das Igrejas cristãs, mas o próprio Mistério de Deus
e, por isso, acrescentou que, em rigor, nem sequer é na Igreja que acreditamos,
mas no Espírito Santo, que santifica a Igreja (Cf. ST II-II q. 1 a 1 ad 2; a. 9
ad 5).
Seria, no entanto, abusivo concluir: se o que
importa é o Espírito Santo, então não se preocupem nem com a qualidade humana e
espiritual da hierarquia eclesiástica, nem com as formulações da fé cristã.
Deus providenciará!
Um tal sobrenaturalismo seria uma ofensa à
própria teologia de Tomás de Aquino. Bento XVI, no dia 27 do mês passado,
véspera da festa deste santo, aludiu a uma das suas mais ousadas buscas de
harmonia, embora carregada de tensões, sobretudo em momentos de grandes viragens
culturais: a fé cristã não eclipsa a razão; oferece-lhe até, no seu interior,
uma nova paisagem e novos campos de investigação. Como diz no seu hino
eucarístico, de poética modernidade, quantum potes tantum aude (atreve-te
quanto puderes).
A
graça não substitui a natureza, nem a natureza dispensa a graça do infinito
amor. Importa derrotar as representações que substituem uma tensão existencial
por uma persistente rivalidade: se damos muito a Deus, roubamos o ser humano, se
concedemos muito ao ser humano, roubamos a Deus. Yves Congar, no diagnóstico da
situação religiosa dos anos 30 do século passado, escreveu de forma lapidar: a uma religião sem mundo, sucedeu um mundo sem
religião. Jesus Cristo é a radical superação desta rivalidade. Ele incarna a
abertura humana ao Mistério de Deus e a abertura divina ao Mistério do Mundo. O
encontro da finitude humana, do não divino, com a infinita profundidade divina,
faz parte da identidade cristã.
3. Como escreveu E. Schillebeeckx, um
dos grandes teólogos do séc. XX: não existe automatismo da graça. Os
católicos acreditam que o Espírito de Cristo actua no mundo, na vida da
Igreja e na acção ministerial das suas lideranças, mas também sabem que o povo
crente e, dentro dele, a hierarquia eclesiástica podem, de diversas formas,
acolher ou recusar os dons do Espírito. Quem não está atento à multiforme
mediação eclesial da acção do Espírito Santo - porque supõe que goza do
monopólio da verdade - acaba por se subtrair à sua influência.
Sempre que o magistério oficial deixa de estar
atento às diversas instâncias de mediação que estruturam, o povo cristão corre o
perigo de não escutar os reais apelos do Espírito de Deus. Quem ignora estas
mediações sucumbe à tentação do facilitismo ou da negligência e torna-se vítima
de cegueira e de surdez ideológicas.
Um apelo do Magistério ao Espírito
Santo, sem ter em conta as mediações eclesiais, informando-se cuidadosamente
antes de assumir as suas próprias responsabilidades, é um apelo em vão.
Retirar-se para escutar os murmúrios do Espírito é, sem dúvida necessário, mas
não basta nem dispensa o estudo das situações concretas de um mundo em mudança.
A omnipresença do mistério da graça não suprime, automaticamente, a presença do
mistério da iniquidade na história do mundo, das religiões e das Igrejas
cristãs, no passado e na actualidade.
O Estado do Vaticano não é a Igreja
Católica. Na opinião pública, até parece que sim. As frequentes narrativas sobre
a corrupção e o crime organizado que afectariam algumas das suas instâncias
exigem uma informação limpa, acerca de tudo o que vem minando a sua
credibilidade e a do papado. As comunidades católicas, espalhadas pelo mundo,
têm direito a essa informação. Não se pode esquecer que sem ética, as invocações
místicas são mistificações. O Vaticano só se justifica como instrumento de
liberdade da missão da Igreja. Atraiçoa-se quando se deixa dominar pelo
carreirismo e por endeusados negócios de banqueiros, nas suas vertigens
criminosas.
Poderemos esperar uma gestão mais democrática
da Igreja?
in
Público
Interpretações pessoais do grande doutor angélico por parte desse frei...
ResponderEliminarEvangelho de Mateus: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desatares na terra será desatado nos céus".
Evangelho de Lucas: "(Pedro) confirma os teus irmãos".
Evangelho de João: "(Pedro) apascenta as minhas ovelhas".
O futuro da Igreja será com Deus, o Espírito Santo, e não mediante a vontade dos homens. Felizmente.
Depois do que respondi acima, acrescentar o quê??!!
EliminarNão é preciso acrescentar nada. O que está na Bíblia, na Bíblia está. A Bíblia já existia antes desse frei nascer, mas se é no frei que prefere acreditar...
EliminarSó lhe vou dar uma dica, FireHead - diferença entre interpretar e ler.
EliminarE mais não digo.