Allahu Akbar (Anselmo Borges DN12DEZ2015)
1 Era uma viagem de altíssimo risco, que muitos desaconselharam. Mas Francisco achava ser seu dever visitar a África, o continente pobre. E foi ao Quénia, ao Uganda, à República Centro Africana, recusando colete à prova de bala e papamóvel blindado. Tinha mensagens essenciais para entregar: a denúncia do abismo entre a riqueza e a miséria; plantar uma árvore, num gesto simples, mas carregado de significado: "a mudança climática é um problema global" e exige "um novo estilo cultural": "frente à "cultura do descarte, "a cultura do cuidado"; sobretudo, apelar ao diálogo ecuménico e inter-religioso, que "não é um luxo, algo opcional, mas algo essencial" em ordem à paz. Na mesquita central de Bangui, recordou que cristãos e muçulmanos são "irmãos": "Juntos, digamos "não" ao ódio, à vingança, à violência, em particular à que se comete em nome de Deus. Deus é paz, salam."
2 É absurdo, aterrador, jihadistas invocarem o santo Nome de Deus - Allahu Akbar (Deus é o Maior) -, quando matam indiscriminadamente inocentes, metralhando, degolando, fazendo-se explodir. Ficamos atónitos e é preciso dizer: se esse deus existisse, só haveria uma atitude humanamente digna: ser ateu.
Invocar o Nome de Deus para matar - "Deus o quer", foi também o grito ao apelo do Papa Urbano II à guerra santa - obriga a reflectir. O que aí fica quereria ser um contributo para a reflexão.
2. 1. Embora admita, como o filósofo J. Monserrat, jesuíta, que há homens e grupos humanos sem Deus que cultivam uma mística da inserção na natureza, da harmonia cósmica e da fraternidade solidária, numa atitude quase-religiosa, mas, em última análise, impessoal, considero que a essência da religião implica a fé enquanto entrega confiada ao Mistério último, ao Sagrado, pessoal e dador de sentido último, salvador/libertador da pessoa e da história.
2. 2. Na reflexão sobre a religião, é essencial perceber que há um pólo objectivo, precisamente o Mistério último, Poder Pessoal transcendente e criador, presente no mundo, sem se confundir com ele. Assim, religioso em sentido estrito é aquele que se entrega confiadamente a esse Mistério, o Deus oculto, de quem se espera salvação.
2. 3. O pólo subjectivo é constituído pelas religiões. É fundamental entender que as religiões são construções humanas, e, assim, situadas num contexto temporal, cultural, social, económico, político, geográfico... São mediações, inevitáveis, entre o Mistério último, o Sagrado oculto e salvador, e os crentes, para acolhê-lo, tentar dizê-lo, relacionar-se com ele. Estão referidas ao Mistério, ao Deus libertador, mas elas não são o Mistério, de tal modo que, no limite, alguém pode ser religioso no sentido profundo, estrito, e não pertencer a nenhuma religião institucional, como pode acontecer alguém pertencer a uma religião, viver até da religião enquanto instituição e nada ter a ver com o Mistério, com Deus. Enquanto mediações, as religiões têm do melhor e do pior e podem, desgraçadamente, ser fonte de perversidades, confirmando-se que "corruptio optimi pessima" (a corrupção do óptimo é péssima).
2. 4. Nenhuma religião tem a Verdade toda. Portanto, se as religiões não são o Sagrado, o Mistério, e se, mesmo todas juntas, o não possuem, devem dialogar para tentarem dizê-lo menos mal, embora sempre na gaguez quase muda.
2. 5. Todas terem verdade não significa que sejam todas igualmente verdadeiras, pois há assimetria entre elas: por exemplo, uma religião que faz apelo à violência não é igual a uma religião que proclama que Deus é amor e manda amar os inimigos.
2. 6. A verdade das religiões afirma-se na prática, no combate pela dignidade, justiça, direitos humanos.
2. 7. Essencial é a leitura histórico-crítica dos textos sagrados. A sua leitura não pode ser literal, pois implica sempre uma interpretação, e o fio condutor da leitura é a libertação/salvação plena. O que neles se encontra de opressão e indignidade serve para dizer o que Deus não é e o que o ser humano não deve ser.
2. 8. Conquista civilizacional decisiva é a separação da Igreja e do Estado, da religião e da política: o Estado laico não tem uma confissão religiosa, é confessionalmente neutro, para garantir a liberdade religiosa de todos: ter esta religião ou aquela ou nenhuma, mudar de religião.
2. 9. Mas a laicidade não é a mesma coisa que laicismo, que pretenderia remeter a religião para a privacidade, "para a sacristia", como costuma dizer-se, retirando-a, portanto, do espaço público. As religiões têm direito ao espaço público, não só para se manifestarem publicamente quanto ao culto, mas também para poderem pronunciar-se livremente nos debates sobre as grandes temáticas da sociedade: questões políticas, sociais, económicas, morais. A laicidade apenas garante que, ao contrário do que se passa nos Estados teocráticos, as leis não são automaticamente as da Igreja ou da religião, pois são votadas democraticamente no Parlamento.
Um tempo de meditação.
ResponderEliminarEstou com o pensamento do Papa Francisco.
É tempo dos homens se respeitarem e acabarem com as guerras.
O Santo Padre não tem medo, não se esconde, luis.
EliminarMas, se é ouvido, não são seguidos os seus ensinamentos.
Para ler e reflectir
ResponderEliminarUm abraço.
Anselmo Borges a analisar a visão ecuménica do Papa Francisco é sempre obrigatório ler, Elvira Carvalho.
EliminarUm abraço
Uma reflexão muito interessante e completa sobre o papel da religião na nossa sociedade. Obrigada pela partilha.
ResponderEliminarUm beijinho, Pedro
O incontornável Anselmo Borges, Miss Smile.
EliminarSempre leitura obrigatória.
Beijinhos
Que texto, Pedro!
ResponderEliminarComungo da mesma opinião: a religião, qualquer que ela seja, é feita por homens e mulheres, portanto, imperfeita.
Não me consegui ainda pronunciar sobre as atitudes deste papa. Acho tudo, um tanto, estranho. O tempo irá, a seu tempo, esclarecer.
Beijos e boa semana!
A doutrina e a visão ecuménica do Papa Francisco são extraordinárias, CÉU.
EliminarNoutro plano, de Anselmo Borges também.
Beijos, boa semana