Os casos e casinhos, o parágrafo e a catarse emocional

 

António Costa é por estes dias um ser com múltiplas personas.

Há o António Costa, primeiro-ministro em gestão; o António Costa, primeiro-ministro demitido; o António Costa, líder do PS; e o António Costa, cidadão.

António Costa é um ser humano culto, inteligente, um político hábil.

Mas não é um génio, não é um Fernando Pessoa, capaz de ser muitas personas em simultâneo, tantas quantos os seus múltiplos heterónimos.

Tentando ser tantos num só corpo, António Costa parece-me algo perdido nesta sua viagem.

Apenas sensato na sua pele de primeiro-ministro em gestão.

Nessa faceta, e só nessa, António Costa conhece bem os seus limites e os limites dos seus poderes.

A sensatez desaparece, e dá lugar a um ser dolorido e vingativo, quando a pele muda para primeiro-ministro demitido.

Nesse papel, António Costa apresenta-se como vítima de uma cabala urdida pelos poderes ocultos da Presidência da República e da Procuradoria.

Esqueçam os "casos e casinhos".

O que motivou a demissão de António Costa, e a queda do Governo, foi o parágrafo.

E a precipitação de Marcelo Rebelo de Sousa, tão pressuroso a demitir um Governo suportado por uma maioria parlamentar.

Estamos já no António Costa ainda líder do PS.

E a prestar um péssimo serviço ao Partido.

O PS deve tentar o tudo por tudo para falar o mínimo possível do passado e concentrar o discurso no futuro, na mais que possível chegada do diabo, uma cada vez mais previsível geringonça à direita.

Obviamente e obrigatoriamente com o Chega.

A vitimização de António Costa só poderá ter algum efeito num processo de catarse emocional do cidadão António Costa.

O cidadão que, enquanto líder, não teve capacidade para travar os ímpetos suicidas daqueles que mais de perto o rodeavam, e que, se insiste neste caminho, pode estar a abrir o caminho para a vingança da Direita (geringonça com geringonça se paga).