Umberto Eco
«Até o filósofo reconhece que há um inconveniente doloroso na morte. A beleza do crescer, e do amadurecer, consiste em apercebermo-nos de que a vida é uma maravilhosa acumulação de saber. […] É uma sensação maravilhosa vermos que, a cada dia que passa, aprendemos mais, que os nossos erros do passado nos tornaram mais sábios, que a nossa mente (enquanto o nosso corpo enfraquece) é uma biblioteca que se enriquece dia após dia com um novo volume.
Eu conto-me entre aqueles que não têm saudades da juventude (estou contente por tê-la vivido, mas não gostaria de recomeçar tudo do princípio), porque hoje me sinto mais rico do que antes. Ora, a ideia de que quando morrer toda esta experiência se vai perder, é motivo de sofrimento e temor. Nem me consola pensar que os meus descendentes saberão um dia tanto como eu, ou até mais. Que desperdício, dezenas de anos gastos a construir uma experiência, e depois deitar tudo fora. É como queimar a Biblioteca de Alexandria, destruir o Louvre, afundar no mar a belíssima, riquíssima e sapientíssima Atlântida.
Encontramos um remédio para esta tristeza no trabalho. Escrevendo, pintando, construindo cidades, por exemplo. Morremos, mas grande parte daquilo que realizámos não se perderá, deixamos uma mensagem dentro de uma garrafa.[…]
Como solucionar este inconveniente? Através da conquista da imortalidade, diz-se.[…]
Quem é que me garante que não me iria aborrecer de todas aquelas coisas que nos primeiros cem anos tinham sido motivo de espanto, maravilha e alegria da descoberta? Teria ainda algum prazer em reler a Ilíada pela milésima vez, ou em ouvir o Cravo Bem-Temperado sem parar? Iria suportar mais um alvorecer, uma rosa, um prado em flor, o sabor do mel? Perdrix, perdrix, toujours perdrix…
Começo a suspeitar de que a tristeza que me invade ao pensar que, morrendo, perderia todo o meu tesouro de experiência, é semelhante à que me invade ao pensar que, sobrevivendo, me cansaria desta experiência opressiva, fanée e talvez retrógrada.
Talvez o melhor seja continuar, nos anos que ainda me forem dados, a deixar mensagens numa garrafa para aqueles que virão, e aguardar aquela a quem São Francisco de Assis chamava Irmã Morte.»
Umberto Eco, «Acerca dos Inconvenientes e das Vantagens da Morte»,
A Passo de Caranguejo, Gradiva, 2012
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ResponderEliminarTambém concordo com ele,
apenas penso que o criador devia ter
pensado numa morte digna para todos, já na ultima idade...
~~~ Beijinhos. ~~~
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Sou totalmente a favor da legalização e controlo da eutanásia, Majo.
EliminarPorque viver sem dignidade não é viver, é sobreviver.
Atormentado e atormentando os outros.
Beijinhos
O Mundo ficou mais pobre.
ResponderEliminarUm abraço.
Perdeu mais um génio, Francisco.
EliminarE não são propriamente abundantes
Aquele abraço
Notável escritor. Li-o em termos de livros de estudo na Universidade !
ResponderEliminarNotável pensador, Ricardo.
EliminarNão só escritor, também um grande pensador.
Como saber o que está e o que somos na morte? Prefiro pensar na vida e esperar nunca me cansar dela.
ResponderEliminarPerco pouco (nenhum, em boa verdade) tempo a pensar na morte, luisa.
EliminarGosto demasiado de estar vivo!
O ano vai mal. Tantas partidas e ainda agora o ano vai no terceiro mês.
ResponderEliminarUm abraço
Tem sido uma série de más notícias em cadeia, Elvira Carvalho.
EliminarUm abraço