NINGUÉM PODE SALVAR-SE SOZINHO Frei Bento Domingues, O.P.

 


Neste tempo de desorientação não é nada enganosa a publicidade que repete: cuidar de si é cuidar de todos!

 

1. Estes não são tempos de euforia. As festas que a pretendem imitar acabam sempre em redobrada tristeza. Às loucuras das guerras e novas ameaças de guerras veio juntar-se a devastação mundial provocada pela Covid-19 que, além das pessoas que mata e dos recursos que consome, vai deixar muita gente abandonada à miséria. Por isso, não é nada enganosa a publicidade que repete: cuidar de si é cuidar de todos!

É verdade que o incómodo da máscara, da etiqueta respiratória, da limpeza das mãos, da distância física, etc. é muito irritante. Recorrer a sofismas, para dizer que não está cientificamente demonstrada a eficácia desses cuidados, não passa de um exercício de banal e oca retórica.

     Ver em todas as medidas governamentais, que tentam impedir o alastramento da pandemia, um atentado à liberdade e aos direitos humanos é uma reacção que roça a paranóia. O coronavírus não costuma respeitar as nossas reais ou fictícias arrelias.

O bom senso, que não precisa de receita médica, aconselha a boa distância entre o pânico imobilizador e o desleixo fatal. O sentido da responsabilidade, pessoal e social, fica mais barato do que o confinamento ou o internamento hospitalar.

Resta um desafio para a nossa imaginação: como reinventar e multiplicar as manifestações de afecto e de bom humor que anulem o mau distanciamento e a indiferença, sobretudo em datas de reunião familiar, como as do Natal religioso ou agnóstico?

Não está bem atribuir sempre à Covid-19 o mau costume de substituir razões e argumentos pela agressividade assassina nos meios de comunicação social e na própria Assembleia da República, considerada a pátria da democracia.

O diálogo vigoroso não precisa nem de ser açucarado nem azedo. A amizade política favorece a verdade da informação e o rigor da argumentação, nos debates que visam o bem comum entre os proponentes de projectos diferentes de sociedade. O dissenso entre esses projectos não deveria impedir os consensos, sobretudo, quando calamidades impostas geram graves crises sociais que afectam os mais pobres e débeis.

Com diz M. Correia Fernandes, director da Voz Portucalense, «a nossa imprensa, quer a mais vista lida quer a mais lida (o que não é bem a mesma coisa) tem vindo a assumir um vocabulário que pretende ser apelativo ou pretensamente expressivo, mas que apenas esconde uma mentalidade eivada de violência escondida ou disfarçada. (…) Com palavras construímos e com elas aniquilamos. Com elas apaziguamos e com elas criamos conflitos e guerras. Com o seu mau uso, podemos destruir tanto trabalho feito, tanta proximidade aniquilada, tantas relações construtivas. Quanto relacionamento humano se perdeu por palavras mal ditas!».

Francisco Louçã mostra que, nos dias de hoje, a necropolítica condiciona e transforma a razão democrática de várias formas: «porventura a mais poderosa e que tenho vindo a sublinhar, é a que levanta uma cultura de ódio para se sobrepor à experiência da vida das pessoas. É a necropolítica no sentido puro: o racismo (…) Esta cultura de ódio é social quando é racial, e é sempre social mesmo quando não é racial. O racismo pode ser o seu enunciado mais poderoso, porque mobiliza o recalcado e fornece uma autodesculpabilização dos cúmplices, mas todo o discurso odioso tem por objectivo criar medo e instalar o impensável». (...) 

Comentários

  1. Fiquei a meditar sobre a verdade dessa frase «cuidar de si é cuidar de todos!»
    Nunca como agora a responsabilidade direta dos nossos actos pode afetar "milhões".
    Eu luto todos os dias com a necessidade de cuidar de mim pois quem tem idosos a seu encargo, neste momento não pode deixar, ainda mais do que antes, de os ter como prioridade das prioridades.
    Mas em tempos de crise e de pânico, o bom senso é pérola cada vez mais rara pois a violência assume agora formas cada vez mais sofisticadas, porque ela cresce e desenvolve-se dentro de nós próprios por sermos constantemente bombardeados com tudo o que de negativo existe e que a comunicação social faz questão de no-la oferecer como presente envenenado.

    Desintoxiquemo-nos... vivamos mais para as nossas comunidades e para quem mais perto está de nós, cultivemos actos gentis, e mesmo que o nosso sorriso esteja agora tapado por uma máscara, passemos a sorrir com os olhos para ajudar os outros a moderarem a sua agressividade ...
    É que na verdade, ninguém pode salvar-se sozinho e precisamos todos uns dos outros.

    Beijinho com um sorriso
    (^^)

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    1. O egoísmo é o pior dos males.
      Porque deixa de lado a responsabilidade social, o bem estar colectivo para se centrar no umbigo, no eu esquecendo o nós.
      Tenho visto atitudes que me revoltam profundamente.
      Porque reflectem o pior do ser humano, os piores defeitos quando necessitávamos do oposto, das melhores qualidades.
      Beijinhos

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