"NUNCA PRECISÁMOS DE OUTRA COISA!"


"Nunca precisámos de outra coisa!"  Foi escrito em 1934.

Conta-se que este poema foi dirigido ao Ministro da Agricultura do governo de Salazar, como forma de pedir adubos. Por mais estranho que pareça, o senhor que o escreveu não foi preso e Salazar (dizia o Ministro) até se fartou de rir quando o leu (??):
EXPOSIÇÃO

Porque julgamos digna de registo
a nossa exposição, senhor Ministro,
erguemos até vós, humildemente,
uma toada uníssona e plangente
em que evitámos o menor deslize
e em que damos razão da nossa crise.

Senhor: Em vão, esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.
Falta a matéria orgânica precisa
na terra, que é delgada e sempre fraca!
- A matéria, em questão, chama-se caca.

Precisamos de merda, senhor Soisa!...
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre ministério
querem tomar o nosso caso a sério,
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade.
E mijem-nos, também, por caridade!

O senhor Oliveira Salazar
quando tiver vontade de cagar
venha até nós solícito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo com sossego,
ajeite o cu bem apontado ao rego,
e... como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho!

A Nação confiou-lhe os seus destinos?...
Então, comprima, aperte os intestinos;
se lhe escapar um traque, não se importe,
... quem sabe se o cheirá-lo nos dá sorte?
Quantos porão as suas esperanças
n'um traque do Ministro das Finanças?...
E quem vier aflito, sem recursos,
Já não distingue os traques dos discursos.

Não precisa falar! Tenha a certeza
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos n'elas.

Precisamos de merda, senhor Soisa!...
E nunca precisámos de outra coisa.

Adubos de potassa?... Cal?... Azote?...
Tragam-nos merda pura, do bispote!
E todos os penicos portugueses
durante, pelo menos uns seis meses,
sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente nos despejem trampa!

Terras alentejanas, terras nuas;
desespero de arados e charruas,
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sente a paixão nostálgica da merda...

Precisamos de merda, senhor Soisa!...
E nunca precisámos de outra coisa.

Ah!... Merda grossa e fina! Merda boa
das inúteis retretes de Lisboa!...
Como é triste saber que todos vós
Andais cagando sem pensar em nós!

Se querem fomentar a agricultura
mandem vir muita gente com soltura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala.

Venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas!
E, desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia à grande bosta,
de tudo o que vier, a gente gosta.

Precisamos de merda, senhor Soisa!...
E nunca precisámos de outra coisa.


Pela Junta Corporativa dos Sindicatos Reunidos, do Norte, Centro e Sul do Alentejo
Évora, 13 de Fevereiro de 1934
O Presidente

D. Tancredo (O Lavrador)

Comentários

  1. Respostas
    1. Nunca tinha ouvido o poema, Catarina?
      O Vítor de Sousa declamava-o de maneira genial.

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    2. Se alguma vez ouvi, não me lembro.

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  2. Bom dia
    Para mim também é novo .
    O que admira é mesmo não ter sido censurado .
    JAFR

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    Respostas
    1. Eu conhecia e gostei imenso de ver há anos o Vítor de Sousa a declamar.

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  3. ahahahahaha
    Este texto é o máximo!!
    Do que tu me foste lembrar...
    E o Vitor de Sousa é fantástico!

    E quem não conhecer poder ver (ou então recordar) AQUI!

    Beijinhos sem contaminação de cheiros
    (^^)

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    1. Clara, tu também és o máximo.
      Eu queria ouvir o Vítor de Sousa e não encontrei.
      Mil beijos a agradecer 🐦

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    2. Sempre ao dispor minha amiga! 😊

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    3. O VICTOR DE SOUSA também é o máximo!!!

      Eu não precisava doutra coisa 🐦

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  4. Um poema a cheirar a trampa.
    Um poema para não esquecer.
    A D O R E I 🐦

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  5. Espectacular e lembro-me de ver e ouvir o Vítor de Sousa declamá-lo.
    Acho que este poema pode ser usado na actual conjuntura, uma vez que a merda adubava, e bem, os campos.
    Quando era criança, lembro-me de, na praia, fazíamos as nossas necessidades numa sanita que era uma estrado de madeira com um buraco no meio, que dávamos o nome de palanque, e em que tudo caía uns metros abaixo, na terra, e que os agricultores usavam como estrume adubo.
    Deve ser por isto que ainda hoje se diz que as batatas e hortaliças daquela praia são as melhores.
    Beijinho

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    1. O poema é como a minha rubrica, Maria Araújo - intemporal.
      Beijinho

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  6. Não conhecia e nunca ouvi o Vítor de Sousa a declamar este poema, tenho que pesquisar.
    É bom demais 😄😄

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  7. Eu já tinha visto estes texto algures no tempo, ma não me recordo quando. Foi uma alegre e humorística surpresa !
    Obrigado Pedro

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    1. Não foi na declamação do Vítor de Sousa, Ricardo?
      Aquele abraço

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