Um mês e muitos pesadelos depois

 



Um mês e muitos pesadelos depois regresso à blogosfera.

Um mês que ficará para sempre marcado pela partida do meu pai.

O espalha brasas cansou-se de lutar contra o maldito cancro.

Três anos de bravura, de muita resistência, resiliência e vontade de viver.

Que cederam ao cansaço, a um corpo que já não tolerava tanta dor e tanto sofrimento. 

Três dias depois de completar 88 anos, calmamente, serenamente, o merecido repouso.

Em nada surpreendente para mim ou para ele.

Tive o privilégio de o acompanhar nestes últimos dias de vida, de ver a genuína felicidade no seu olhar quando viu a nora e as netas entrarem no seu quarto para o visitar.

Metódico, bravo e teimoso até ao fim, deixou bem claro o que pretendia para os seus últimos dias e depois da sua morte. 

E foi isso mesmo que me certifiquei que iria acontecer.

As suas cinzas ("quero ser cremado porque o meu corpo tem tantos químicos que vou infectar a terra onde me enterrarem") estão agora no jardim da casa que ele tanto adorava.

E onde já estão plantadas duas roseiras que o vão eternizar. 

Reconhecer o cadáver do meu pai, beijá-lo já gelado, depois de o ter acompanhado ao hospital (cuidados paliativos) onde sabia que iria morrer ("não quero morrer em casa nem quero ser entubado, não quero que me prolonguem a vida") foram os momentos mais difíceis da minha vida até hoje. 

Repousa agora em paz e sossego velhote teimoso e rezingão. 

Comentários

  1. Oh!! Como lamento profundamente. Imagino o seu sofrimento.

    Hoje também falei do meu pai no post da Janita. A minha primeira visita ao Canadá foi bastante triste. O meu pai tinha falecido no dia anterior à minha chegada e tinha perguntado por mim dois dias antes...Quando chega a nossa filha?
    A casa funerária foi o primeiro local que visitei nesse dia. Os anos foram passando, mas o sentimento é o mesmo, embora a dor se vá atenuando com o tempo. A minha mãe não sente nenhuma dor, não sabe que ficou viúva tão nova, não me reconhece, não me vê, talvez ainda me oiça e sinta as carícias que lhe faço. Quero veementemente acreditar que sim, embora não demonstre qualquer reação... Apenas existe num corpo parado, numa mente desprovida de memória.
    E porque a minha mãe não sofre, não sente dor, esta é a diferença entre a sua experiência e a minha. O Pedro experienciou a dor e o sofrimento do pai.
    Uma abraço amigo, Pedro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quero pensar apenas nos bons momentos, Catarina.
      E sinceramente julgo que foi melhor o meu velhote ter partido do que apenas sobreviver.
      O médico disse-me que ele esperou por mim para poder partir em paz.
      E acredito que assim tenha sido.
      Um abraço

      Eliminar
  2. Oh I am really sorry for your father. RIP. Please stay strong.
    Rampdiary 

    ResponderEliminar
  3. Ele esperou por vós para partir em paz e olha que te digo que prolongar o sofrimento é terrível e o que ele não queria é o mesmo que eu não quero!
    Um abraço enorme e agora têm de seguir em frente!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi essa uma das coisas que deixou bem claras, Fatyly
      Não queria morrer em casa; não queria ser entubado; queria ser cremado; queria ser depositado na urna vestido com o fato académico; queria uma fotografia muito específica sobre a urna.
      Obviamente cumpri todos os desejos dele.
      Um abraço

      Eliminar
  4. Tão corajoso e valente, era o senhor seu Pai, Pedro, que depois de se aposentar ainda decidiu fazer a Licenciatura que não teve oportunidade de concluir na juventude.
    Saber que, finalmente, descansa em paz, pode ser, é, doloroso para os que o amavam, as também um alívio saber que já não sofre.

    Um grande abraço de sentidas condolências, amigo Pedro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi corajoso até ao último dia, Janita.
      E teimoso, muito teimoso.
      Velhote do caraças.
      Um abraço

      Eliminar
  5. Emocionado. Ao ler, as lágrimas escorriam pelo meu rosto. O meu pai faleceu nos meus braços em 2001. Momento trágico mas, por incrível que pareça, feliz para o meu pai e para mim. Eram 06:00 (da manhã). Sei que o meu pai me escolheu para estar junto dele na momento da partida. Por sua "ordem", a minha mãe, ligou-me às 04:00 para levar o meu pai ao hospital porque ele se sentia menos bem ( tinha sido operado ao coração há 10 anos ). Fui buscá-lo e, senti nas palavras do meu pai, que ele ia partir. Sereno, conversador, alertando-me para a velocidade exagerado do meu carro, dizendo que tínhamos tempo para chegar ao hospital, que dista das nossas residências, cerca de 10/15 minutos de carro. Na sala de espera do hospital, olhou para mim, estava a meu lado, deitou a cabeça nio meu colo e...partiu. Meu querido pai, descansa em paz
    Desculpe este introito. Que o seu Pai descanse na Paz de Deus, como mortalha, porque em "vida" ele está vivo em seu coração.

    Obrigado por partilhar com os seus amigos virtuais tão dolorosa perda. Mostra assim, ter sido um filho EXEMPLAR.

    Sentidas condolências
    Cumprimentos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Anoto que em 2001 éramos 5 irmãos, TODOS a residir no circulo de 5 quilómetros da casa dos meus pais. Infelizmente, hoje, também já não tenho a minha mãe (faleceu em 2022 com 88 anos - Covid ) e um irmão que faleceu em 2021 com 54 anos - com cancro nos pulmões ) Ambos também SEMPRE acompanhados por mim, sendo que quando o meu irmão partiu eu estava sentado ao seu lado..... chorando.

      Desculpe estes meus desabafos.

      Eliminar
    2. Desabafar, partilhar, faz bem, Ryk@rdo
      Temos boas memórias daqueles que já não estão connosco fisicamente.
      Mas só fisicamente.
      O resto vai ficar cá sempre.
      Sentido abraço

      Eliminar
  6. Bom dia
    Os meus sinceros pêsames amigo.
    Também dia 9 vi partir o meu sogro já com 93 anos que infelizmente também estava a sofrer.
    que Deus lhes dê o merecido descanso .

    JR

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ver os que nos são queridos sofrer e não poder fazer nada para aliviar esse sofrimento é horrível.
      Mimo, só podemos dar-lhes mimo.

      Eliminar
  7. Sei o que está a sofrer porque a morte de meu Pai é e será sempre a maior dor e o mais profundo desgosto da minha vida , que tem sido bem recheada de acontecimentos muito duros.

    Não existem palavras de consolo que nos ajudem no mar de tristeza onde mergulhamos, por isso lhe deixo o meu estreito e solidário abraço neste momento de profundo desgosto. Que seu pai esteja em paz !

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Está de certeza, São.
      NUNCA falámos de nada que não fosse palhaçada ao pé nestes últimos dias de vida.
      E, quando íamos para o hospital, íamos a ouvir o seu amado fado de Coimbra.
      Palhaçada, risota, mimo.
      Só isso.

      Eliminar
  8. 😢
    Os meus sentimentos.
    Custa muito vê-los partir.
    Mas quando o sofrimento é dem mais, e sabemos que não há nada a fazer, desejamos o seu descanso.
    A dor é terrível.
    É por isto, e peço desculpa se não concordarem, mas sou a favor da eutanásia.
    Está em paz, e foi feita a vontade do pai.
    Um abraço para si e sua família.
    Maria Araújo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O meu foi metódico até no momento da morte, Maria Araújo.
      E nunca foi choramingas.
      Pelo contrário.
      Guerreiro.
      Um abraço

      Eliminar
  9. you surly are surly really loving son dear Pedro !
    your efforts to make his last days full of love and support will reach to God for sure and the goodness will travel back to you and your children one day !
    i wasn't fortunate enough to say goodbye to my parents ,i could not see my father last time even .the pain remains and will stay with me forever .
    i am glad you made everything right and will live with nice memories in the house he loved most!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Everything he wanted I said yes, baili.
      Even sweets, like a baby.
      Every two hours, when he was home, day and night, he would call me.
      To tuck him in bed, to take him to toilet, to wash and feed him, to talk.

      Eliminar
    2. Fez tudo por e com amor.

      Maria Araújo

      Eliminar
  10. Já passei pelo mesmo e sei o quanto a situação é dolorosa para um filho.
    As minha sinceras condolências, que o seu pai descanse em paz.
    Um abraço solidário.

    ResponderEliminar
  11. Compreendo o conteúdo do seu texto, como compreendo a teimosia do Senhor seu Pai.
    Desejo Paz e Luz
    Sentidos pêsames, Pedro.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  12. Os meus sentimentos Pedro. Ainda bem que a ida a Portugal da sua familia conseguiu proporcinar ao seu Pai alguma alegria nos seus ultimos dias. E uma doenca terrivel!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O médico, um tipo bestial, tinha-nos dito exactamente como ia acontecer, Sami.
      Não falhou em nenhum pormenor.

      Eliminar
  13. Teresa Palmira HOFFBAUER
    Pensar apenas nos bons momentos, Pedro, é uma decisão inteligente e corajosa. “Fiho de peixe, sabe nadar” Quero com este provérbio dizer: Tal pai tal filho na sua CORAGEM.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ele era MUITO mais corajoso e muito menos fiteiro que eu, Teresa.
      Dias antes de eu voar para Portugal falámos ao telefone.
      Queria que eu fosse com ele renovar a carta de condução.
      Disse que sim, que obviamente ia.
      Sabendo de antemão que ele já nem se punha de pé.

      Eliminar
  14. Como eu te entendo meu amigo.
    Ele esperou por ti e pela tua família. Partiu de coração cheio de mimo e amor.
    Contigo ficam as memórias e a dor de uma saudade infinita. Aprende-se a viver.
    Um grande abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi isso que lhe procurámos transmitir, teresa.
      E a felicidade estampada no rosto ao ver a nora e as netas valeu por tudo.
      Um abraço

      Eliminar
  15. Penso que existe sofrimento intolerável o que lamento imenso, parece-me que o que pudermos fazer para o minorar só nos fará bem a nós e aos que o vivem. E cumprir o que, para si mesmos, determinaram quando já cá não estão, também é da nossa competência. O resto são etapas difíceis mas a que não podemos e nem queremos fugir: são nossos pais.
    E depois a vida vence e deixa-nos viver com as boas lembranças e exemplos como os que o Pedro certamente tem de seu pai. Sem esquecer que há na morte terrores e mistérios que foram gravados a fogo.
    Boa recuperação, Pedro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ficam MUITAS boas memórias, bea.
      O que fazer com as cinzas deixou que fosse eu a decidir.
      E acredito que ele gostou da minha decisão.

      Eliminar
  16. Querido amigo, aqueles que amamos apenas partem fisicamente, mas permanecem eternamente no nosso coração e nas nossas memórias.
    O seu pai lutou contra a doença, uma luta desigual que não conseguiu vencer, mas pelo menos, ainda foi possível antes da partida, haver o vosso reencontro, tão desejado por ambos. Que ele descanse em paz e que as recordações consigam aliviar a sua dor e suavizar as saudades.
    Um grande beijinho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Só deixou de conduzir, mesmo de e para os tratamentos, há cerca de dois meses.
      Uma força da natureza que o maldito cancro venceu três anos depois.
      Beijinho

      Eliminar
  17. Caro Pedro,
    Sendo alguém que já perdeu os grandes amores da minha vida: avó, pai, mãe e esposa, nada se diz... Só sentimos falta deles e acredite, infelizmente nunca atenua.
    Minhas sinceras condolências.
    Um abraço!!!

    ResponderEliminar
  18. Olá Pedro!

    Olhe, eu nem sei o que dizer... caramba...

    SInto muito a perda do seu pai, deve ser muito muito muito difícil. Nem quero imaginar!

    Desejo-lhe tudo de bom e muita MUITA força! Estou a torcer por si! 🙏

    Um forte abraço, mais uma vez... muita força!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foram três anos de bravura e luta contra aquele maldito cancro.
      Já estava muito cansado.
      Um abraço

      Eliminar
  19. Li a sua publicação e li-o nos comentários.
    Concluo que apesar da imensa dor da separação definitiva, tudo correu bem...
    O Tempo colocará tudo no devido lugar.
    Ficarão memórias ternas e amorosas...
    Mais um abraço condolente.
    ~~~~~~~

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Até aos últimos dias, Majo.
      Infelizmente já não saboreou o bolo de aniversário que lhe levámos.
      Já estava em pré-coma.
      Ficou para os que o cuidavam com tanto carinho.
      Um abraço

      Eliminar
  20. Puxa,Pedro! Realmente terrível essa perda e que bom pudesse estar perto dele
    E ver suas vontades realizadas! Pena! Meus sentimentos! Isso é uma enorme dor! Fica bem@ abracos,chica

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já há três anos lutava com a maldita doença, chica.
      Agora está a repousar.
      Abraços

      Eliminar
  21. Pelo teor do seu anterior post, percebi logo que seria algo muito grave. E definitivo.
    Cada um de nós vai formando o seu carácter de acordo com as experiências que vai vivenciando mas, também de acordo com o que nos é transmitido pelos pais.
    E só o Pedro conseguiria dar uma noticia destas num tom sofrido mas, ao mesmo tempo, positivo.
    Sabe o que lhe digo? As suas filhas dirão de si o que o Pedro diz do seu pai. Tenho a certeza.
    A melhor homenagem é mesmo recordar os bons momentos.
    Um abraço amigo, Pedro.
    Sandra Martins

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O dia em que o vi mais feliz foi quando viu as netas e a nora entrar no quarto.
      Até se esqueceu que queria ir à casa de banho.
      Um abraço

      Eliminar
  22. Quero expressar a minha solidariedade na sua dor. Já passei pela perda dos meus pais e sei o quanto punge a sensação de impotência que nos invade.
    Abraço de amizade, Pedro.
    Juvenal Nunes

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sensação de impotência.
      É isso mesmo, Juvenal Nunes.
      Só há uma coisa que podemos fazer nestes momentos - carinho, mimo.
      Abraço de amizade

      Eliminar
  23. Pedro, as tuas palavras expressam esse sentir tão profundo de quem ama e sabe que só isso não serve, quando a quimica não pode e o muito querer não chega.
    Passei por uma situação idêntica com o meu pai, a impotência de não poder fazer mais nada além da companhia e palavras de conforto.
    Dói e entristece o silêncio da ausência, mas ficam na memória os bons momentos vividos.
    Grande abraço de vida

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mimar ao máximo a pessoa, Duarte.
      E esquecer a palavra não.
      Grande abraço

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares