A FÉ CRISTÃ NUM COLÉGIO CATÓLICO (Frei Bento Domingues, O.P.)


A procura da excelência no ensino tem de ser o cuidado de todos, seja qual for a sua orientação.

1. Neste texto, não pretendo abordar as questões gerais do ensino, em Portugal. Não é da minha competência. Pediram-me para tratar do que exige a fé cristã de um Colégio Católico.
É suposto estes colégios terem alguma referência ao Secretariado Nacional da Educação Cristã. Isto não impede que as orientações de cada instituição, com as suas tradições e práticas educativas, possam ser bastante diferentes.
As escolas, segundo os habituais rankings, são classificadas, bem ou mal, pelos resultados académicos. Nunca dei conta que a Religião contasse para esse efeito. Falo de religião em sentido genérico sem, para já, apreciar as tendências dentro deste fenómeno social que, no Ocidente e nomeadamente em Portugal, é cada vez mais investigada pela Sociologia.
A Igreja Católica, sobretudo em alguns países do Ocidente, vê-se confrontada com a declaração: “espiritual sim, religioso não”. Uma sondagem do ano passado, na Alemanha, referente ao ensino religioso e ético, dava os seguintes resultados: 52% acredita em Deus, mas só 22% se declara religioso. “Crentes” são o dobro. O facto de haver pessoas que se definem “espirituais” e não “religiosas” ainda não é um fenómeno de massas. É uma minoria, entre os 6 e 13%, mas é uma tendência que se vai afirmando sobretudo entre os jovens.
É preciso ter em conta que, quando, no Ocidente, se fala de religião, a maior parte das pessoas pensa no Cristianismo, nas grandes Igrejas com os seus dogmas e os seus ritos. A distinção entre espiritual e religioso exprime a tentativa de preferir formas de religiosidade que não têm uma conotação eclesial. As normas respeitantes à fé, sentidas como obrigatórias, contam apenas para um número cada vez menor de pessoas. Neste contexto, a expressão mais usada é a de mercadoou mosaico das religiões, seja qual for a sua origem.
A Religião é considerada tão privada – cada um tem a sua ou não tem nenhuma – que, mesmo nos colégios católicos, não conta para os seus rankings. Nestes existe, no entanto, uma disciplina, com carga horária, chamada Educação Moral e Religiosa Católica.
2. Quando os colégios tinham regime de internato, ouvi dizer muitas vezes a quem viveu nesse quadro: já tenho missas para o resto da vida. Como dizia o célebre Bispo de Viseu, D. António Alves Martins, a religião deve ser como o sal na sopa: nem de mais nem de menos. Um remédio medíocre contra o aborrecimento.
A verdade é que encontrei, ao longo da vida, pessoas que frequentaram colégios e seminários que conservavam más recordações da religião que lhes era imposta. Isto não significa que não houvesse, também, pessoas agradecidas por essa rigidez disciplinar. Essas reacções, por vezes, manifestavam temperamentos: as alunas/os de carácter mais submisso ou mais rebelde.
Excepto aqueles casos, que de educadores só tinham o nome, pois eram doentios com os educandos, sempre ficou uma boa recordação dos mestres que o eram e da qualidade do ensino e, sobretudo, do sentido da justiça.
O que me impressiona é que, na escolha dos professores de Educação Moral e Religiosa, não haja, pelo menos, o cuidado que existe com os professores de matemática e de português.
Num colégio católico devia existir – e em muitos casos talvez já exista – uma equipa pastoral que reúna professores de psicologia, de ciências e literatura para evitar o desfasamento entre o crescimento académico e o crescimento da fé e das suas razões. De outro modo, quando os alunos ouvem nas aulas de Religião narrativas bíblicas sobre a criação, por exemplo, e nas de ciências estudam as teorias da evolução, quem fica a perder é a religião, a linguagem do inverosímil. Parece que não se aprendeu nada com os embates entre a religião e as ciências do passado. Galileu e a Inquisição! Esquece-se, porém, que a teoria do Big-Bang é de um padre, professor da Universidade Católica de Lovaina. A tão falada contradição entre religião e ciência só pode ser fruto da ignorância nos dois campos.
A procura da excelência no ensino tem de ser o cuidado de todos, seja qual for a sua orientação. Esta procura não pode abrandar quando se trata do ensino religioso. Convém não esquecer aquilo que S. Tomás dizia: se sei e digo de cor o Credo, estou a confessar a fé católica, mas se não procuro saber como é verdade aquilo que confesso ser verdade, estou certo, mas de cabeça vazia. Isto era da Idade Média! Agora, o ambiente que se respira não é o da Cristandade. O dom da fé ou é cultivado ou desaparece. Importa criar um ambiente em que a fé cristã surja como uma fonte de alegria. Como dizia S. João, isto vos escrevemos para que a vossa alegria seja completa.
3. A educação cristã da fé exige a descoberta progressiva de Jesus Cristo como sentido, como beleza, como responsabilidade da vida e para a vida. Para realizar essa descoberta progressiva, a filosofia, as ciências, a estética e a ética devem andar bem casadas. Como os bons casamentos, também conhecerá as suas turbulências amistosas.
A linguagem simbólica da fé cristã não apaga o pensamento nem a investigação. A linguagem simbólica nasce de fontes profundas. Não pode ser usada como um calmante. Ela é um excitante de todas as manifestações da vida verdadeira. Dá sempre muito que sonhar e pensar.
A expressão estética dos símbolos da fé provocou e convocou, ao longo da história, a grande música, a grande poesia, a grande pintura e a grande arquitectura.
As celebrações, as orações e as múltiplas expressões da espiritualidade, de um colégio católico, devem merecer um tal cuidado, uma tal participação, que se tornem apetecidas e interpelantes.
Um colégio católico deve ser um laboratório da descoberta e da experimentação da fé cristã. Esta exige o respeito prático do pluralismo religioso. A educação para a tolerância, para o diálogo, para a descoberta do outro é o melhor clima para esse laboratório.

in Público, 21.07.2019

Comentários

  1. excellent write up dear Pedro

    truly enjoyed each bit of it and so agreed to what you said here at the end specially

    academies should reason the concept of religion not enforce it blindly instead

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. I was a student in a catholic school, baili.
      I relate a lot with what is written here.

      Eliminar

  2. O meu filho esteve num colégio católico durante 9 anos, estudou lá até ao sexto ano de escolaridade, mas nunca em internato. A educação de base, na família e na escola, fizeram dele o homem que ele é hoje. E eu tenho um enorme orgulho nele.

    Beijinhos tolerantes
    (^^)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nos primeiros dois anos era semi-interno.
      Ia jantar e dormir a casa.
      Nos outros três era externo.
      Infelizmente o colégio onde eu e os meus amigos estudámos vai fechar no próximo ano.
      Beijinhos

      Eliminar
  3. Li a crónica no jornal e reli agora aqui, com a mesma sofreguidão...
    Beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sou testemunha na primeira pessoa do que é a educação católica.
      Excelente.
      Beijo

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares