Sobre as eleições (por ANSELMO BORGES DN 20 AGO 2015)


Não costumo meter-me por estas bandas. Faço-o hoje, pouco sistemático, talvez um pouco desconexo. São desabafos.
1. Vivemos num mundo conturbado e perigoso. A globalização surge num quadro caótico, sem parâmetros de orientação básica. Por isso, grandes sociólogos, como U. Beck, Z. Bauman, E. Morin, apresentam como características próprias deste tempo a insegurança, a incerteza, o risco, a vulnerabilidade, a inquietação.
Participando da situação, a Europa também não está bem. Espiritualmente esvaziada, não acredita nela própria, nas suas raízes e valores. Quando num mundo globalizado se impunha uma Europa cada vez mais unida politicamente, o que se vê são fracturas crescentes. Veja-se a incapacidade de lidar juntamente com os fluxos migratórios imparáveis.
Neste quadro, a política não está para entretenimento de medíocres nem comentários sofistas.
2. Quando se olha para a inversão da pirâmide das idades e no que isso significa para a economia, para todo o processo produtivo, para a Segurança Social, é impossível adormecer na indiferença. O tsunami demográfico é hoje um problema fundamental, estando em risco a própria sobrevivência do país. Sobre ele e outros problemas, como a educação, o emprego - é preciso começar a pensar que o trabalho é um bem escasso e deve aprender-se a distribuí-lo, com todas as consequências; ficará mais tempo para a cultura, por exemplo -, a justiça no seu duplo sentido, a saúde, a Segurança Social, a política internacional, deveria haver uma base mínima de entendimento a médio prazo.
Neste contexto, e à maneira de parêntesis, permita-se-me manifestar o meu acordo com a lei aprovada no Parlamento quanto ao aconselhamento e à taxa moderadora para quem aborta. Estou à vontade, porque, aquando do referendo, num texto muito citado por adeptos da despenalização, no qual, distinguindo claramente entre o plano jurídico-penal e o moral, perguntava se, no seu drama, em lugar de uma punição penal, do que a mulher precisa não é sobretudo de solidariedade, também lembrei - e o primeiro-ministro de então afirmou que se atenderia às boas práticas de outros países - o que se passa na Alemanha: para poder abortar legalmente, a mulher, sem prejuízo da sua autonomia, terá de apresentar um comprovativo de que passou por um centro de aconselhamento (Beratungsstelle). Esses centros devem ser plurais e reconhecidos. Por outro lado, como justificar a isenção de taxa moderadora?
3. Cá está! Fundamental: que os políticos cumpram o que prometem, sem subterfúgios; não vendam ilusões, não prometam o que sabem que não podem nem vão cumprir. Pergunto-me pelas razões que levam a maioria dos jovens ao desinteresse pela política e a população à desconfiança em relação aos políticos. Será porque pensam nas suas mentiras e nos conluios e cumplicidades entre a política e os negócios? É preciso ir ao essencial, em debates sérios - as arruadas são secundárias -, sem rasteiras nem intrigas e amuos, e apresentando contas com rigor e fiáveis e sem inveja nem necessidade de deitar abaixo, quando os adversários fizeram o melhor para o país e tiveram êxito. Fundamental é também a equidade nos impostos e a consequente atenção às assimetrias sociais. É imoral fugir ao trabalho, mas também o é aproveitar a crise para explorar os mais fracos. E não se abandone os mais velhos...
4. Sobretudo quando se pensa no alastrar da corrupção, vê-se claramente que isto não vai lá sem uma conversão ética, moral (uso os termos como idênticos, sem as distinções que tecnicamente se imporiam).
Precisamos de política? Claro. Mas, em última análise, como já aqui escrevi e estou a citar-me, precisamos da política no sentido estrito, que implica o Estado enquanto organização política da sociedade, detendo ele o monopólio da violência, porque não somos todos éticos. Se todos fossem éticos, no quadro do fazer-se bem moralmente a si próprio, não seria necessária a política, que ficava reduzida à administração das coisas. Só porque somos egoístas, interesseiros, corruptos e corruptores é que temos necessidade do Estado para regular e gerir de modo não violento os conflitos. Como escreve o filósofo A. Comte-Sponville, se a moral reinasse, não teríamos necessidade de polícia, de tribunais, de forças armadas, de prisões.
Urgência maior é a formação ética, moral, para os valores, que não são redutíveis ao valor do dinheiro. Sem valores éticos assumidos, remetemos constantemente para a política, para as leis, para a regulação, para os tribunais... Mas então só fica a lei e a sua sanção. Ora, não é possível legislar sobre tudo e, sobretudo, acabaria por ser necessário pôr um polícia junto de cada cidadão para que cumpra a lei; como os polícias também são humanos, seria preciso pôr um polícia junto de cada polícia. Juvenal viu bem: Custos custodit nos. Quis custodiet ipsos custodes? (A guarda guarda-nos. Quem guardará a própria guarda?).

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