Precisamos de rugas (João Adelino Faria, Dinheiro Vivo, 03/10/2014)


Só há bem pouco tempo percebi que estou a envelhecer. Acontece a todos, eu sei, mas um olhar mais atento ao espelho revelou-me inesperadamente a inevitabilidade. Pela primeira vez vi a verdadeira cor dos meus cabelos brancos. Algo que já lá está há algum tempo mas que os meus amigos têm disfarçado dizendo-me que são apenas sinais de charme. Não são! São sinais de envelhecimento. E porque é que isso tem que ser mau? 
A notícia foi dada como uma tragédia nacional esta semana. Portugal é dos países com maior percentagem de idosos na Europa. A manchete foi copiada e reproduzida como mais uma desgraça deste país desgraçado. Quase ninguém a questionou ou contrariou, porque há muito que se criou a ideia errada de que ser velho, é mau. Aceitamos estupidamente este preconceito e são, por essa razão, cada vez mais os que tudo fazem para camuflar os sinais da idade. 
Compreendo que seja assustador perceber que não se renovam as gerações, mas ter um país com muitos velhos não é mau. Vergonhoso sim é a forma como eles são ignorados, tratados e retratados. Cresce em Portugal a ideia de que ser velho é perder a utilidade para tudo. Alguém a quem o prazo de validade já expirou e que não pode ser utilizado para mais nada. Deixam de pertencer às categorias que a sociedade de consumo considera relevantes e quase desaparecem. Deixam de interessar como trabalhadores, como consumidores, como leitores, como espectadores. Na procura apenas da frescura da juventude, não percebemos que desta forma estamos a perder o que de mais valioso temos. Os mais velhos. 
Ao contrário de Portugal, em muitas outras partes do planeta pensa-se exatamente o contrário. Os jornais, as televisões, a publicidade e até o mercado de trabalho começam a valorizar os que têm mais idade. Numa sociedade com menos filhos, os mais velhos passaram a ser necessários. São eles que ainda têm algum poder de compra, descobriram e utilizam a internet de forma mais eficaz e intensiva, consomem mais jornais e televisão e os que ainda podem viajam e gastam muito em lazer. 
A publicidade e a televisão foram as primeiras a perceber isso. Nos Estados Unidos há cada vez mais marketing dirigido aos maiores de 60 anos. Na televisão as personagens principais passaram a ter mais idade, e até a Jane Fonda, com uns magníficos 77 anos, é a vedeta de uma das principais séries e fechou um contrato milionário com uma marca de produtos de beleza. 
Em Portugal é exatamente o oposto. Aqui vergonhosamente os mais velhos são rotulados, esquecidos e apenas servem para pagar a pesada dívida pública. Em vez de estigmatizarmos os mais idosos deveríamos pedir a ajuda deles, ajudando-os. Têm muito para nos ensinar e alguns são quadros experientes num país de onde quase todos fogem. 
Podem não ser os mais rápidos e ágeis, mas a sua sabedoria e experiência ajudam-nos a evitar erros e a ultrapassar dificuldades. Em vez de os abandonarmos à sua sorte e solidão devíamos contratar avós e avôs. Pessoas que o mercado de trabalho estupidamente rejeitou, não por falta de competência mas simplesmente pela idade. 
É urgente! Portugal tem de deixar de esconder as rugas e de pintar os cabelos. Precisamos e muito dos mais idosos. E já agora não se esqueçam que os próximos velhos… somos todos nós. 
Pivô e jornalista da RTP

Comentários

  1. Ai vizinho, detesto homens de cabelo pintado....De preto, note-se. Há que assumir a velhice, aceitar os cabelos, as rugas, e as dificuldades e reflexos...Ou a falta deles.

    Estou com uma insónia.... Daí andar a devaniar a oriente..
    Kis :=}

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    1. Gosto muito das brancas no meu cabelo, dos pelos brancos na minha barba, AvoGi.
      Nem nunca me passou pela cabeça pintar os cabelos, a barba.
      Porque também gosto muito dos meus 52 anos.

      Sonhos cor-de-rosa.

      Bjs

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    2. 52?????? Ainda um Pineco, bisalho ou melhor dizendo: um pintainho. Quando o meu vizinho nasceu já eu era uma rapariga com onze anos.... Quase doze...
      Vede o k faz uma insónia!!!!! Fui a Primeira a chegar a Macau
      Kis :=}

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    3. A caminho dos 53, AvoGi.
      Em Junho, se Deus quiser.
      E sinto-me muito bem nesta idade.
      Bjs

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  2. Os homens não devem ser criticados por pintarem o cabelo. Têm o mesmo direito que as mulheres. Há uma diferença. O cabelo branco nas mulheres envelhece-as; nos homens, dá-lhes charme. Não é justo.

    A população canadiana está a envelhecer... mais uma razão para se manter abertas as portas da imigração. Os adultos mais velhos são valorizados. Até recentemente os professores reformados podiam substituir os que faltavam. Agora não para que os mais novos=recém-formados tenham a oportunidade de iniciar a sua carreira. Este é apenas um exemplo.

    Há quem diga que "Getting old sucks!" :)

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    1. Mas eu também gosto de ver brancas nas mulheres, Catarina.
      Cabelo pintado é que não gosto nada.

      Atingir o ponto de equilíbrio entre a necessidade de dar oportunidades aos mais novos e não descartar os mais velhos é um dos maiores desafios da sociedade actualmente.

      Getting old sucks??
      Pense na alternativa, Catarina.
      Enquanto não houver pílulas da eterna juventude a alternativa a envelhecer não é nada atractiva.

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    2. Não gosta de ver cabelos pintados nas mulheres, Pedro?!!!!! Eu sei que gostos não se discutem... mas.... Estamos a viver em séculos diferentes. Eu e o Pedro! : ))
      Boa noite!

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    3. Não sou nada fã, Catarina.
      E há cores que então são simplesmente ridículas.
      Eu sou em muitas coisas um conservador.
      Sonhos cor-de-rosa.

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    4. E eu que deixei de ser loira e assumi os meus cinza escuro e cinza prata. Adoro brancos nas mulheres. sou uma old fashion woman
      Kis :=}

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    5. E eu um old fashioned man, AvoGi.

      Espreite a nossa amiga madeirense no Facebook e diga-me lá se não lhe ficam mesmo bem os cinza claros e os cinza escuros, Catarina.

      Bjs

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  3. Ora aí está uma coisa que a revolução não mudou. em 1969 a firma de mármores onde trabalhava meu cunhado, fechou Ele tinha 37 anos, e levou quase dois anos desempregado, acabando por emigrar, porque toda os possíveis patrões lhe diziam que tinha demasiada idade, precisavam de um empregado mais jovem.
    Um abraço

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    1. O eternos drama dos que são muito velhos para conseguirem um emprego e muito novos para conseguir uma reforma.
      Um limbo que deve ser terrível.
      Um abraço

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  4. Estou, rapidamente, a ficar com os meus (bonitos) cabelos brancos, apenas disfarçando porque sou (fui) louro, Pedro.

    Agora a sério, temos que saber envelhecer e gostar de envelhecer, curtir a vida enquanto temos saúde, curtir os meus pais (o meu pai já com 80 anos, parceiro de vida, de bancada nos jogos de futebol, a minha mãe com 75 anos mas com uma "pica" de uma rapariga de 20/30 anos), as minhas filhas e respeitando, sobretudo, os mais velhos que eu.

    Pedro, veja no meu facebook quantos dos meus amigos são mais velhos que eu, arrisco-me a dizer que 95% dos mesmos.

    Aquele abraço.

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    1. Saio ao meu pai, Ricardo.
      Já há muitos anos que tenho muito cabelo branco e muita barba branca.
      E gosto, sinceramente gosto.
      Nem nunca me passou pela cabeça pintar o cabelo ou/e a barba.

      Tenho um grande respeito pelos mais velhos (foi assim que fui educado), revolta-me ver ostracizar os mais velhos.

      Estou a ficar mais velho, espero ficar muito mais.
      Porque gosto de estar vivo, gosto da minha vida.

      Aquele abraço

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  5. Portugal anda sempre com algum atraso... Em relação ao crescente envelhecimento da população não é diferente. Ainda não se percebeu a necessidade de adaptação de mentalidades e da oferta de bens e serviços. Por exemplo no campo do turismo, setor da maior importância no que à criação de emprego e à economia do país diz respeito, é fundamental criar condições para dar adequada resposta à crescente procura de seniores.

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    1. E os turistas mais velhos e com mais poder de compra adoram Portugal.
      Não sou eu a afirmar isso, são as estatísticas, é o mercado.
      Temos todas as condições naturais para atrair as pessoas.
      Só é preciso algum trabalho e algum marketing.

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  6. Gostei do texto e da mensagem...
    Beijinhos.
    ~~~~

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  7. Todos nós chegámos a um dia em que nos apercebemos desse facto e começamos a olhar para a velhice com outros olhos. Foi quando me apercebi que envelhecera e me tornara um alvo apetecido do marketing, que escrevi o manual do idoso.

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    1. Estamos mais velhos, Carlos.
      Mas somos só uns jovens crescidos.
      Com o aumento da esperança de vida é isso que somos.
      É assim que me sinto.

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  8. Aqui dizem que somos nós, que temos mais velhos na EUROPA. E a pobreza aumenta com a idade, embora haja ainda muitos vélhinhos a fazer viagens caras e ter hobbies dispendiosos.
    Vamos lá saber, quem mente.

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    1. Como sempre, e em tudo, no meio é que estará a virtude, Teresa.

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  9. Adorei esta crónica primorosamente escrita por um jornalista charmoso que muito aprecio.
    Já não sou nenhuma teen-ager, mas sinto-me bem na minha pele, vaidosa, confesso e para não gastar tanto dinheiro em tinta preta, virei loura, de resto aceito as minhas rugas, pena que muita gente que vejo por aí, nas revistas, e Tv, já tenham mais plástico que carne ;)
    É assustador como tratam os seniores em Portugal, sobretudo aqueles que têm o azar de ser despedidos.
    Vivemos numa sociedade envelhecida, mas ainda com tanto para dar.Tanto que tinha para dizer sobre este assunto, mas fico-me por aqui.

    Beijos Pedro

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    1. Eu não quero ser teenager, Manu.
      Não tenho grandes saudades desse tempo, gosto muito do presente, aposto muito no futuro.
      Beijos

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  10. Concordo tanto, e já tinha pensado neste assunto, ainda que nao de uma maneira tao profunda e tão prática como é apresentada no texto. Devo ainda dizer que adorei as publicidades de Natal que a Vodafone fez para 2016, em que um casal idoso separado durante a quadra usava o telemóvel e a internet para se falar e se ver. Maravilhoso.

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    1. Este artigo está excelente, Briseis.
      Tinha que o partilhar aqui.

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  11. Eu gosto muito de cabelos brancos, tratados, arranjados lim pos e bem cortados!
    Eu estou numa fase horrorosa entre uma coisa e outra...mas cheia de vontade que fique tudo normal....bjs

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    1. Temos gostos semelhantes, papoila.
      Gosto muito dos meus cabelos e barba grisalhos.
      Bjs

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  12. Estou de acordo com o texto de João Adelino Faria, mas se este país não é para velhos, também não é para jovens infelizmente!

    beijinho

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    1. Os mais jovens são quase empurrados para fora, Fernanda.
      Os mais velhos colocados na prateleira.
      Muito triste.
      Beijinhos

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  13. Não estava à espera de um texto deste teor do João Adelino Faria. Surpreendeu-me pela positiva e subscrevo-o na integra. Só lamento que ele não refira no seu texto que um célebre político e deputado da Guarda o ano passado chamou os idosos (?) de "peste grisalha". Será assim que alguns políticos nos vêm?

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    1. Esse deputado devia levar uns açoites, Corvo Negro.
      Não os deve ter levado quando era mais novo, devia levá-los depois de dizer uma barbaridade dessas.

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    1. Tinha boa impressão do João Adelino Faria.
      Reforcei essa ideia quando li este texto, Gábi.

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  15. Subscrevo sem reservas.
    O estado a que a Administração do nosso Estado chegou deve-se precisamente a esse fenómeno. Põem-se na prateleira as pessoas com experiência para cederem o lugar a rapaziada cheia de ideias. Com os resultados que se vêem.
    Abraço.

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    1. A renovação de gerações não é compatível com o aproveitamento do saber acumulado por quem ainda quer transmitir conhecimentos e tem vontade de trabalhar, de ser produtivo, Agostinho?
      Tenho muita dificuldade em aceitar esta ideia.
      Aquele abraço

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    2. Claro. E o suporte "yes ministar" é feito por gente que acabou de sair da universidade, sem experiência. Reconheço haver gente competente em todos os grupos etários,mas, percebe-se que o conhecimento acumulado não é transmitido, como era conveniente, para que as novas gerações não andassem a asneirar julgando-se os maiores até acertarem o passo.

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    3. Os boys e girls que enxameiam os organismos públicos e que ainda não sabem sequer o mais vulgar A, B, C, Agostinho.
      Mas olhe que o fenómeno está longe de ser um exclusivo de Portugal.

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