Proibido usar burka no Algarve

Coisas do nosso passado recente
(a boa influência mourisca)

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«Faço saber que pelo regulamento policial d’este Governo Civil, de 6 do corrente mes, com execução permanente, aprovado pelo governo, determino o seguinte:
Artigo 32º – É proibido nas ruas e templos de todas as povoações deste distrito o uso dos chamados rebuços ou biôcos de que as mulheres se servem escondendo o rosto.
Artigo 33º – As mulheres que, nesta cidade, forem encontradas transgredindo o disposto no precedente artigo serão, pelas vezes primeira e segunda, conduzidas ao comissário de polícia ou posto policial mais próximo, e nas outras povoações à presença das respectivas autoridades administrativas ou aonde estas designarem, a fim de serem reconhecidas; o que nunca terá lugar nas ruas ou fora dos locais determinados; e pela terceira ou mais vezes serão detidas e entregues ao poder judicial, por desobediência.
Parágrafo único – Esta última disposição será sempre aplicável a qualquer indivíduo do sexo masculino, quando for encontrado em disfarce com vestes próprias do outro sexo e como este cobrindo o rosto.
Artigo 34º – O estabelecido nos dois precedentes artigos não terá lugar para com pessoas mascaradas durante a época do Carnaval, que deverá contar-se de 20 de Janeiro ao Entrudo; subsistirão, porém, as mesmas disposições durante a referida época, em relação às pessoas que não trouxerem máscara usando biôco ou rebuço.
 Artigo 41º – O presente regulamento começa a vigorar, conforme o disposto no artigo 403º do código administrativo, três dias depois da sua publicação por editais – Governo Civil de Faro, 28 de Setembro de 1892– Júlio Lourenço Pinto.»



O biôco (ou biuco) – Algarve


Raul Brandão escreve a propósito do biuco no seu livro "Os Pescadores", em 1922:

" Ainda há pouco tempo todas (as mulheres de Olhão) usavam cloques e bioco. O capote, muito amplo e atirado com elegância sobre a cabeça, tornava-as impenetráveis.
É um trajo misterioso e atraente. Quando saem, de negro envoltas nos biocos, parecem fantasmas. Passam, olham-nos e não as vemos. Mas o lume do olhar, mais vivo no rebuço, tem outro realce... Desaparecem e deixam-nos cismáticos. Ao longe, no lajedo da rua ouve-se ainda o cloque-cloque do calçado - e já o fantasma se esvaiu, deixando-nos uma impressão de mistério e sonho. é uma mulher esplêndida que vai para uma aventura de amor? De quem são aqueles olhos que ferem lume?... Fitou-nos, sumiu-se, e ainda - perdida para sempre a figura -, ainda o som chama por nós baixinho, muito ao longe-cloque..."
Trata-se de uma capa que cobre inteiramente quem a usava. A cabeça era oculta pelo próprio cabeção ou por um rebuço feito por qualquer xaile, lenço ou mantilha. As mulheres embiocadas pareciam “ursos com cabeça de elefante”
Oficialmente a sua extinção ocorreu em 1882 e por ordem de Júlio Lourenço Pinto, então Governador Civil do Algarve, foi proibido nas ruas e templos, embora continuasse a ser usado em Olhão até aos anos 30 do século XX em que foram vistos os últimos biocos.



Numa época em que se assistimos com frequência a exemplos da mais absoluta barbárie, da mais gratuita crueldade, publicitada por imagens do mais puro horror, tudo obra de um bando de facínoras tresloucados que se dominam Estado Islâmico, é bom perceber que, como em tudo na vida, não se deve tomar a nuvem por Juno.

Comentários

  1. Desconhecia esta parte da nossa história e subscrevo as tuas palavras.

    Beijocas

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    1. Fatyly,
      Um sentimento que procuro afastar do meu coração é o ódio.
      Mas tenho que confessar que odeio estes bárbaros e que os quero ver mortos.
      O que não se pode fazer é generalizar e aplicar o mesmo raciocínio a toda a gente que professa a mesma Fé.
      Beijocas

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  2. Pedro, é isso mesmo «não se deve tomar a nuvem por Juno».

    Aquele abraço

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  3. Curioso ! ...Sabia que em tempos muitas mulheres se vestiam dessa maneira, cá em Portugal, quase a tapar todo o corpo, mas nunca tinha associado esse facto às burkas e na verdade, é praticamente o mesmo ! :))

    Claro que a proibição tem toda a razão de ser, principalmente nos tempos que correm, até por motivos de segurança ! Imagine-se o que seria se hoje os homens pudessem livremente andar com meias na cabeça a tapar a cara ? ...
    Não sei, é se nesse tempo, os motivos da proibição já teriam isso em causa !?

    Abraço !
    .

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    1. Para mim foi uma total novidade, Rui.
      Uma grande curiosidade.
      Aquele abraço

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  4. Sempre achei as generalizações muito injustas!

    Nos Açores também se usava o bioco.

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    1. Sem dúvida, São.
      E é isso que devemos sempre evitar e combater.

      Não sabia que nos Açores também se usava esta vestimenta.
      Sempre a aprender!

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  5. A mourama foi assimilada, Pedro ?
    Assunto da atualidade, muito discutido por essa Europa.

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    1. E que tem que ser tratado com pinças, Agostinho.
      Mas que começa a ser motivo de preocupação um poço por toda a Europa, lá isso começa.

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  6. As coisas que eu aprendo aqui. Muito bom.

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  7. Também não gosto de generalizações mas tenho muitas reservas a tudo o que soa a muçulmano. Não tenho a menor consideração por gente que considera a mulher um ser inferior. Sou filho de uma mulher, casado com uma mulher, pai de uma mulher e não admito que em lugar nenhum do mundo um qualquer porco barbudo as considere seres inferiores. Se alguém aceita isso é lá com ele...cada um sabe de si.

    Abraço.

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    1. Kruzes Kanhoto,
      Acha que eu tenho algum respeito por quem acha as mulheres seres inferiores?
      O que eu disse é que não são todos bárbaros como são essas coisas abjectas do Estado Islâmico.
      É bem diferente

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    2. Compreendi o seu ponto de vista e, obviamente, não estava a criticar a sua opinião. A "mensagem", portanto, não lhe é dirigida.

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  8. Penso que por todo o país rural as mulheres se "embiocavam" de uma maneira ou outra!
    Era uma questão de pudor aliado ao machismo!

    Abraço

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  9. Já conhecia, porque a publiquei lá no CR, mas está muito boa!

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  10. Que curioso! Não fazia ideia!
    Abraço

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    1. Eu também, Carpe diem.
      A gente vai aprendendo todos os dias

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  11. Por acaso já tinha lido este texto não sei onde.
    É da palavra «bioco» que vem o termo «embiocado» que é o estado do "nosso" pr ou o inquilino de Belém.....

    (Gostei particularmente das suas palavras finais - concordo em absoluto)

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    1. Se calhar no blogue do carlos, Graça (confesso que me passou despercebido)

      Não se pode generalizar, Gráca.
      Mas confesso que não respeito minimamente algumas crenças e algumas tradições muçulmanas.
      Sobretudo no que se refere ao papel e à posição social da mulher

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  12. Somos um pouco mouros. :) O que não se pode comparar é o chamado Estado Islâmico e a história da ocupação árabe na península ibérica. Então havia tolerância e nestas terras parece que chegaram a conviver pacificamente muçulmanos, cristãos e judeus.

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    1. Era exactamente isso que queria referir com as últimas palavras do post, luísa

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  13. Desconhecia completamente!
    Sei que nos Açores se usou, o Pedro sabia?

    Beijinho e uma flor

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    1. Também não sabia, Adélia.
      Esta tradição era-me completamente estranha
      Beijinho

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  14. Pedro obrigado por este pedaço de história !

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  15. Tb desconhecia.
    Recordo-me de que quando estive em Paris, nas galerias Lafayette, ver muitas senhoras/raparigas de burca a sair das lojas de marca, como Prada, por exemplo, e com uma série de sacos nas mãos. Pelo seu porte, pelo seu andar descontraído via-se que estavam habituadas aos dois estilos de vivência.
    Tenho afirmado muitas vezes que ainda acredito no multiculturalismo mas sou de opinião de que se devem adaptar ao estilo de vida do país que os acolhe. Não gostam? Não venham. O uso da burca deveria ser banido em todos os países principalmente naqueles para onde emigram. Tenho dito! : )

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    1. Catarina,
      E vê-las, como vi, de burka e de óculos escuros (Malásia) a tirar fotografias?
      É simultaneamente cómico e revoltante.

      Nos próximos dias publicarei aqui dois posts que têm tudo a ver com o que afirma no final do comentário.

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