As premonições de Natália Correia




"A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista".

"A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!"
"Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente".
"Mais de oitenta por cento do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica".
"Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".
"Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?"

"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir".

Natália Correia

Todas as citações foram retiradas do livro "O Botequim da Liberdade", de Fernando Dacosta.



Natália Correia morreu em 16 de Março de 1993.

Qual a vossa opinião acerca destas premonições?

Comentários

  1. Pedro,

    posso dizer uma coisa, vá, controversa? Posso?

    Então cá vai:

    Esta é a prova provada de que Natália Correia, já nos anos 80/90, sabia que daquela "gamela" em que ela e outros "amantes" da liberdade e do nosso País - como Manuel Alegre - iria acabar e, consequentemente, não iria durar para sempre o pote que alimentava a sofreguidão dos, já mencionados, "amigos do Povo".

    Ser amigo é ser o quê? Dizer ámen a tudo?
    Não, para mim, ser amigo é falar verdade, mesmo que esta seja amarga como fel, é lutar pelo outro embora, muitas vezes, seja por este incompreendido.

    Natália diz algumas verdades? Claro que sim, mas também, Monsieur de Lapalisse também o fazia chama-se a isso ...constatação de factos!

    Lá estou eu a me alongar, pá, desculpe lá o desabafo, amigo Pedro!

    Abraço

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    1. Não se está nada a alongar, Ricardo.
      Está a exprimir uma (muito válida) opinião.

      Nunca simpatizei com esta senhora.
      E, já sabe como eu sou, não é por morrerem que passam a ser simpáticos.

      As premonições delas são, na minha óptica, antes de tudo, a cartilha de uma certa esquerda.
      Que ainda hoje se mantém inalterada.
      Aliás, em boa medida, uma grande parte destas premonições são convicções e desejos.

      Acertou em algumas coisas?
      Sem dúvida.
      Noutras, nem por sombras.

      "A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país"
      Portugal está agora pior do que estava quando entrou para a então CEE?

      A tese acerca da vingança dos retornados é das coisas mais disparatadas e mais peregrinas que já li.

      "Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente"
      A Natália a pensar nos amanhãs cantantes e nos paraísos a Leste.
      Nem vale a pena comentar.

      "Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão"
      Agora sim, diz perfeitamente ao que é que vem!

      No último parágrafo, estamos para ver se a União Europeia vai ser um logro.
      Eu ainda acredito no projecto europeu.
      Terá que sofrer alterações, precisa de uma nova dinâmica, de novas pessoas.
      Mas, como projecto, é excepcional!

      Quem é que falou em politicamente (in)correcto?

      Aquele abraço!!

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    2. A Natália Correia, poeta maior deste país, teria, como todos nós, as suas coisas boas e as suas coisas más. Acho que demonstra nestes excertos, uma clarividência rara. Acerta em alguns pontos, erra noutros. Mas acerta em pontos que não considero óbvios ou previsíveis na altura em que ela os identificou. Isso, por si só, justifica a existência deste post.
      Dizer que os seus argumentos são da "cartilha de uma certa esquerda" ou que ela pensaria nos "paraísos de Leste" é, no mínimo, caricato, quando falamos de alguém que era deputada do PSD (lá está, ninguém é perfeito).
      Mas acho importante que se desmistifique esta coisa da "cartilha de uma certa esquerda": todos têm a sua cartilha, da esquerda à direita, sem excepções. E as cartilhas são todas as mesmas há muito tempo. Além do mais, a formulação "uma certa esquerda" é pouco concreta. Se queremos ser claros, digamos a quem pertence a dita cartilha. O recurso à expressão gasta "uma certa esquerda" é, a meu ver, uma facilidade que deve ser evitada.
      Cumprimentos,

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    3. Concordo que é caricato, Luís França.
      Mas não deixa de ser a minha opinião.
      O fantasma da União Europeia parece-me óbvio.
      Natália Correia foi deputada do PSD.
      Não era militante do partido, nem comungava de maior parte do seu ideário.
      Estarei enganado?
      Cumprimentos

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    4. Pedro Coimbra...
      A sua cega sofreguidão de tentar defender o indefensável, tal como a sua análise "dizendo perfeitamente ao que é que vem" ;) ... resvalou para a imprecisão...

      Natália Correia foi deputada PELO -> ppd/psd ; e não DO.

      Ela era de esquerda?
      Porquê, por ter sido poetisa? Presumo :) um "lol" para si.
      Sendo ela de esquerda, naturalmente, aos seus olhos também Sá Carneiro seria hoje um comunista...

      Acertou tudo, até mesmo em relação aos retornados , onde ela usa uma escrita metafórica que ultrapassa a sua compreensão, como deu para perceber.

      Enfim...0

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    5. Anónimo,
      Normalmente não respondo a quem não dá a cara e, ainda que veladamente, insulta terceiros.
      Não vou abrir uma excepção consigo.
      Porque, seja você quem for, só confirma a minha regra é fica bem longe de ser excepção.

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  2. Nunca morri de amores por ela, mas acho que tem certa razão nalgumas coisas do que aqui diz.

    E não esquecer que foi devota admiradora de Sá Carneiro, que apresentou a Snu Abecassis.

    Aliás, foi deputada pelo PPD/PSD

    Tudo de bom

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    1. Algumas, sem dúvida, São.
      Mas, em muitas, não concordo nada com ela.
      E não simpatizava nada com ela também

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    2. Eu gostava dela pela sua frontalidade e não era nada de "premonições", mas realista e porque não fomos referendados no que tocou à CEE/UE? Qual era o medo?

      Portugal progrediu em muita coisa, mas o Cavaquismo deu início à destruição do que melhor tinhamos - pescas, agricultura e indústria - e os dinheiros dos fundos europeu serviu para tudo, até para o gamanço, mas jamais aplicados para os fins a que eram destinados.

      Não é por acaso que esta foi a 4ª vez que Portugal foi "resgatado"...e duas delas ela ainda era viva e recordo bem as entrevistas que ela deu...que por falta de gente honesta a governar iriamos afundar...e a prova está à vista e quem paga? Os mesmos de sempre...

      Ao contrário de ti, já não acredito, como nunca acreditei no projecto europeu, uns a redimirem-se da merda que fizeram lixando os outros, ou seja, para mim a actual UE é pior que a inquisição...crises são ciclicas e esta veio lixar os velhos, uma geração num desemprego dantesco, mas como todas as crises haverá um fim...e enfim!

      Não sei se me fiz entender!

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    3. Fatytly,
      Nós não podemos confundir a obra prima do mestre com a prima do mestre de obras.
      A péssima utilização dos fundos europeus, o gamanço generalizado, não têm nada a ver com o projecto europeu.
      Têm a ver com a (falta de) honestidade dos que fizeram esse assalto.
      E, mais uma vez, não há inocentes.
      Vi isso muitas vezes, Fatyly.
      Continuo a pensar que o projecto europeu é uma criação excepcional.
      Está subvertido e subaproveitado.
      E com grande falta de liderança.

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  3. Uma visão catastrofista muito de esquerda, que "fica sempre bem" aos olhos de quem lê "na diagonal" !
    Infelizmente o 25 de Abril ofereceu "esperanças" incompatíveis com a realidade e a pré entrada na UE veio completar essas infundadas esperanças com outras de,
    "agora é que vai ser bom, vão-nos dar tudo o que não temos, não precisamos de nos sacrificar mais e agora sim, vamos viver à grande !"
    O resultado está à vista e só lamento que haja (tantos, tantos) que ainda não compreenderam a "situação actual" !

    Um abraço, Pedro ! :))
    .

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    1. Rui,
      Repito o que comentei com a Fatyly.
      O projecto europeu é excelente.
      O problema é que foi subvertido e alvo de ataques piratas por muito boa gente.
      A visão da Natália Correia, tendo alguns pontos que são inegavelmente verdadeiros, é típica de uma certa esquerda que ainda não abandonou determinados clichés sem qualquer sentido.
      Aquele abraço!!

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  4. Pois eu acho que ela acertou na mouche.

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