Filhos do 25 de Abril

UMA OPINIÃO


Não confio na minha geração nem para se governar a si própria. E temo pela que se segue.

Filhos do 25 de Abril

26/04/2013 | 00:02 | Dinheiro Vivo

A geração que fez o 25 de Abril era filha do outro regime. Era filha da ditadura, da falta de liberdade, da pobre e permanente austeridade e da 4.ª classe antiga.
Tinha crescido na contenção, na disciplina, na poupança e a saber (os que à escola tinham acesso) Português e Matemática.
A minha geração era adolescente no 25 de Abril, o que sendo bom para a adolescência foi mau para a geração.
Enquanto os mais velhos conheceram dois mundos – os que hoje são avós e saem à rua para comemorar ou ficam em casa a maldizer o dia em que lhes aconteceu uma revolução – nós nascemos logo num mundo de farra e de festa, num mundo de sexo, drogas e rock & roll, num mundo de aulas sem faltas e de hooliganismo juvenil em tudo semelhante ao das claques futebolísticas mas sob cores ideológicas e partidárias. O hedonismo foi-nos decretado como filosofia ainda não tínhamos nem barba nem mamas.
A grande descoberta da minha geração foi a opinião: a opinião como princípio e fim de tudo. Não a informação, o saber, os factos, os números. Não o fazer, o construir, o trabalhar, o ajudar. A opinião foi o deus da minha geração. Veio com a liberdade, e ainda bem, mas foi entregue por decreto a adolescentes e logo misturada com laxismo, falta de disciplina, irresponsabilidade e passagens administrativas.
Eu acho que minha geração é a geração do “eu acho”. É a que tem controlado o poder desde Durão Barroso. É a geração deste primeiro-ministro, deste ministro das Finanças e do anterior primeiro-ministro. E dos principais directores dos media. E do Bloco de Esquerda e do CDS. E dos empresários do parecer – que não do fazer.
É uma geração que apenas teve sonhos de desfrute ao contrário da outra que sonhou com a liberdade, o desenvolvimento e a cidadania. É uma geração sem biblioteca, nem sala de aula mas com muita RGA e café. É uma geração de amigos e conhecidos e compinchas e companheiros de copos e de praia. É a geração da adolescência sem fim. Eu sei do que falo porque faço parte desta geração.
Uma geração feita para as artes, para a escrita, para a conversa, para a música e para a viagem. É uma geração de diletantes, de amadores e amantes. Foi feita para ser nova para sempre e por isso esgotou-se quando a juventude acabou. Deu bons músicos, bons actores, bons desportistas, bons artistas. E drogaditos. Mas não deu nenhum bom político, nem nenhum grande empresário. Talvez porque o hedonismo e a diletância, coisas boas para a escrita e para as artes, não sejam os melhores valores para actividades que necessitam disciplina, trabalho, cultura e honestidade; valores, de algum modo, pouco pertinentes durante aqueles anos de festa.
Eu não confio na minha geração nem para se governar a ela própria quanto mais para governar o país. O pior é que temo pela que se segue. Uma geração que tem mais gente formada, mais gente educada mas que tem como exemplos paternos Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho, António J. Seguro, João Semedo e companhia. A geração que aí vem teve-nos como professores. Vai ser preciso um milagre. Ou então teremos que ressuscitar os velhos. Um milagre, lá está.

Pedro Bidarra
Publicitário, psicossociólogo e autor
Escreve à sexta-feira
Escreve de acordo com a antiga ortografia

Comentários

  1. Pedro,

    «vai ser preciso um milagre.» ponto final parágrafo!

    Pela minha parte tenho feito o que me compete, julgo eu, para não dar razão ao cronista!

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ricardo,
      O problema tem sido uma cambada de politiqueiros vigaristas, vendedores de banha de cobra, incapazes para tudo o que não seja encher os bolsos a si próprios e a uns amigalhaços
      Cambada de chupistas!!

      Eliminar
  2. Não esperava ler aqui algo assim. :)

    ResponderEliminar
    Respostas

    1. Porquê, Firehead?
      Por admitir que a minha geração, a geração de Abril, fez m#%^* da grossa?
      Não há como negar.

      Eliminar
    2. Mas no entanto... 25 de Abril, sempre! Né? ;)

      Eliminar
    3. Nalgumas coisas, FireHead, nalgumas coisas.

      Eliminar
  3. Não há como negar, diz e bem, o Pedro, em resposta ao Firehead.
    Lá teremos que pensar nas causas. Porque não está tudo dito.
    O Pedro Bidarra sueteve a respiração ou quis ficar por ali?

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não sei a resposta, António.
      Mas valia a pena aprofundar o tema.
      E, se calhar, apontar a dedo uma cambada de escroques que deram cabo de mais que uma geração

      Eliminar
  4. Sou da mesma opinião do Bidarra. Aliás, já o escrevi algumas vezes...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Somos, Carlos, somos.
      Como é que se pode negar?
      Vi hoje, no Facebook, um cartoon com uma série dessas figurinhas que trouxeram o país a este abismo todos a apontar para o lado.
      É um retrato fiel de uma triste realidade.

      Eliminar
  5. 25 de Abril sempre, Liberdade sempre, mas as coisas bem que podiam ter sido feitas de um modo diferente...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Houve coisas más e eu senti-as na pele, Poppy.
      Mas obviamente valeu a pena.

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares