EUROPA: UNIÃO POLÍTICA ou MORTE



Um grupo de conceituados escritores, filósofos e comentadores subscreveu um lancinante manifesto dirigido aos cidadãos europeus intitulado: ‘EUROPA OU O CAOS’.  
 
Trata-se de uma visão europeia - e europeísta - que, independentemente de discordâncias pontuais, não poderá, nem deverá, ser ignorada. Vale a pena ler.
 
Abaixo o texto - em tradução livre - que foi apresentado, em Paris, no dia 28 de Janeiro, p.p.
 
A Europa não está em crise, está a morrer. Não a Europa como território, naturalmente. Mas a Europa como ideia. A Europa enquanto sonho e projecto.
 
A Europa de acordo com o espírito realçado por Edmund Husserl nas suas conferências realizadas em 1938, em Viena e Berlim, nas vésperas da catástrofe nazi. 
 
A Europa como vontade e representação, como sonho e construção, essa Europa que os nossos pais puseram em pé, essa Europa que soube transformar-se numa ideia nova, que foi capaz de fazer chegar aos povos acabados de sair da II Guerra Mundial a paz, a prosperidade e uma difusão da democracia sem precedentes, mas que, perante os nossos olhos, começou, mais uma vez, a desfazer-se. 
 
Desfaz-se em Atenas, um dos seus berços, no meio da indiferença e do cinismo das suas nações irmãs: existiu um tempo, o do movimento helénico do séc. XIX, em que desde Chateaubriand até Byron de Missolonghi, desde Berlioz até Delacroix, desde Pushkin até ao jovem Victor Hugo, todos os artistas, poetas,  grandes pensadores da Europa, voavam em seu auxílio e militavam em favor da sua liberdade. 
 
Hoje estamos longe disso; e cresce a impressão de que os herdeiros desses grandes europeus, enquanto os helenos travam uma nova batalha contra outra forma de decadência e sujeição, não têm nada de melhor que oferecer do que repreendê-los, estigmatizá-los, depreciá-los e – com um rigoroso plano de austeridade imposto, que os exorta a seguir – despojá-los do princípio da soberania que, há muito tempo, eles mesmos inventaram.
 
Desfaz-se em Roma, um outro berço, outro pedestal, a segunda matriz (a terceira é o espírito de Jerusalém) da sua moral e seu saber, o outro lugar onde se inventou a distinção entre a Lei e o Direito, entre o ser humano e o cidadão, que constitui a origem do modelo democrático que muito trouxe, não só à Europa, mas ao Mundo. 
 
Essa fonte romana contaminada pelo veneno de um "berlusconismo" que ainda não desapareceu, essa capital espiritual e cultural frequentemente incluída, junto com a Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda, nos famosos “PIIGS” que são fustigados por umas instituições financeiras sem consciência nem memória, esse país que ensinou a embelezar o Mundo na Europa e que agora parece, com razão ou sem ela, como do doente do continente. 
 
Que miséria! Que ridículo! 
 
Desfaz-se em todas as partes , de Este a Oeste, de Norte a Sul, com a ascensão dos populismos, chauvinismos, as ideologias de exclusão e ódio que a Europa tinha precisamente como missão marginalizar, debilitar, e que voltam vergonhosamente a levantar cabeça. 
 
Quão longínqua está a época em que pelas ruas de França, em solidariedade com um estudante insultado por um responsável de um partido de memória tão escassa como as suas ideias, se cantava “todos somos judeus alemães”. 
 
Quão longínquos parecem hoje os movimentos solidários em Londres, Berlim, Roma, Paris, para com os dissidentes daquela outra Europa que Milan Kundera chamava a Europa cativa e que parecia ser o coração do continente! 
 
E a pequena internacional de espíritos livres que lutavam, há 20 anos, por essa alma europeia incarnada por Sarajevo, debaixo de bombas e acorrentada a uma implacável “limpeza étnica”, onde está? Porque já não se a ouve?
 
E para além disso, a Europa a soçobrar à volta desta interminável crise do euro, que como todos sentimos não foi resolvida em absoluto: não é um a quimera essa moeda única abstracta, flutuante, que não está ligada a economias, recursos e fiscalidades convergentes? 
 
Não é evidente que as moedas comuns que funcionaram (marco depois de Zollverein, a lira da unidade italiana, o franco suíço, o dólar) são as que se apoiam num projecto político comum? Não existe uma lei de ferro que diga, para que exista uma moeda única, tem de haver um mínimo orçamento, regras contabilísticas e princípios de investimento, isto é, políticas compartilhadas?
 
O teorema é implacável. Sem federação, não há moeda sustentável. Sem unidade política, a moeda dura uns decénios e depois, aproveitando uma guerra ou uma crise, dissolve-se.
 
Por outras palavras, sem sérios avanços na integração política, obrigatória segundo os tratados europeus mas que nenhum responsável leva a sério, sem uma diminuição de competências por parte dos Estados nacionais, portanto, sem uma franca derrota desses “soberanistas” que empurram os cidadãos em direcção ao abismo, o euro desintegrar-se-á como se teria desintegrado o dólar se os sulistas tivessem ganho, há 150 anos, a guerra da Secessão. 
 
Antes dizia-se: socialismo ou barbárie. Hoje devemos dizer: união política ou barbárie.
 
Melhor dito: federalismo ou explosão e, na loucura da explosão, regressão social, precariedade, desemprego galopante, miséria. 
 
Ou a Europa dá um passo em frente, e decisivo, na integração política, ou sai da História e desaparece no caos. Já não resta outra opção: ou união política, ou morte. 
 
Uma morte que poderá adoptar muitas formas e revestir-se de rodeios. Pode durar dois, três, cinco, 10 anos, e ser precedida por numerosas sensações de remissão de que o pior já passou. 
 
Mas chegará. A Europa sairá da História. De uma ou de outra forma, se não fizermos algo, desaparecerá. 

Isto deixou de ser uma hipótese, um vago temor, uma bandeira vermelha que se agita perante os europeus recalcitrantes. É uma certeza. Um horizonte insuperável e fatal. 
 
Tudo o mais – truques mágicos de uns, pequenos acordos de outros, fundos de solidariedade por aqui, bancos de estabilização por lá – só serve para atrasar o fim e entreter o moribundo com a ilusão de uma prorrogação. 
 
Assinam:

Vassilis Alexakis, Hans Christoph Buch, Juan Luis Cebrián, Umberto Eco, 
György Konrád, Julia Kristeva, Bernard-Henri Levy, Antonio Lobo Antunes, Claudio Magris, Salman Rushdie, Fernando Savater, Peter Schneider
 (inPonte Europa)

Comentários

  1. A Kristeva ainda no activo?
    E o nosso Lobo Antunes também no grupo...
    Sim, eu sou pró-europeia mas cada vez vejo mais ameaçado o plano europeu e mais abstracta e demagógica a argumentação que o vai destruindo...

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  2. A Kristeva ainda no activo?
    E o nosso Lobo Antunes também no grupo...
    Sim, eu sou pró-europeia mas cada vez vejo mais ameaçado o plano europeu e mais abstracta e demagógica a argumentação que o vai destruindo...

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  3. Recebi por mail e coloquei no FB

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    Respostas

    1. Então e quando é que passamos a ser amigos de FB, Carlos?
      Pedro Coimbra (Macau) tão fácil quanto isto.

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  4. Miú Segunda,
    Por estar em perigo é que são necessários estes gritos.
    Acordem!!!

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  5. É triste, espero que não deixem cair um projecto que foi tão bonito na sua concepção.

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