O Lito, o Ronald e os outros

Um dos assuntos mais discutidos em Macau tem sido a questão relativa à importação de mão-de-obra.
As discussões, apaixonadas, têm pecado por falta de objectividade, por um discurso excessivamente panfletário, demagogia e xenofobia.
A descarada caça ao voto, e à fama e popularidade fáceis e imediatas, têm impedido que se atribuam nomes e faces a esse terrível inimigo que leva a genérica designação de mão-de-obra importada.
Hoje, depois de ter telefonado ao supermercado, de ter falado com o Lito, como é hábito aos sábados, lembrei-me das caras e dos nomes de dois filipinos que são uma presença constante há muitos anos, para mim e para muitas centenas de pessoas.
Tão constante e habitual que nos esquecemos que eles são uma pequena parte dessa mole imensa, sem face, nem nome, que é a mão-de-obra importada.
E lembrei-me que seriam um bom exemplo para dar nome e face aos trabalhadores importados.
O Lito trabalha no supermercado Seng Cheong, na Taipa, não sei há já quantos anos.
É com ele que contacto quando quero pedir as compras da semana todos os sábados.
Como ele domina a língua chinesa (cantonense) e vai arranhando o português, é fácil comunicar com ele e pedir o que queremos.
Mais, o Lito sabe melhor onde estão os produtos que desejamos, especialmente os de origem portuguesa, que os próprios patrões.
Depois, com estes anos de contacto, ele já me lembra de alguns produtos que, por vezes, eu me esqueço de pedir.
"Hoje não quer Perrier senhor?"
Facilita-me a vida, torna-a mais confortável.
Quando está ausente, de férias, por exemplo, as coisas são bem mais complicadas.
O Ronald era a alma da Toscana.
Com a saída dele, já depois de a Isabella ter saído, a Toscana entrou em declínio.
E o Ronald ainda chegou a cozinhar e a tomar conta da cozinha da Toscana na Barra.
Como é um tipo esperto e trabalhador, foi aprendendo ao longo dos anos, foi criando uma rede de contactos, e abriu o La Cucina, na Taipa, que regularmente frequento (ainda que seja para take-away), com uns capitalistas de Hong Kong.
O restaurante está bem situado, a comida e o ambiente são muito agradáveis, as minhas filhas são ali tratadas como princesas, e o risotto de salmão, o linguado, o fazolleto, o porco com molho de cogumelos, são deliciosos.
O restaurante está cheio de mão-de-obra importada, que me conhece a mim e à minha família, que me traz a comida ao carro quando quero trazer comida para casa, que me torna a vida mais fácil e mais agradável.

Impõe-se a pergunta - estarão o Lito e o Ronald a afastar mão-de-obra local que poderia exercer aquelas funções?
Não creio.
Estão a exercer a sua profissão, condignamente, sem criar problemas a ninguém, são trabalhadores, esforçados, e contribuem para que a nossa vida se veja um pouco mais facilitada.
E haverá muitos mais Lito e Ronald em Macau.
Eventualmente, não seria má ideia que certos senhores, e senhoras, se lembrassem dos Lito e Ronald, qualquer que seja a nacionalidade,  a proveniência, e a área de actividade, que lhes possibilitam viver um dia-a-dia mais agradável e despreocupado, antes de inflamarem o discurso e apelarem a paixões fáceis e primárias.
Ponham um nome e uma cara nessa expressão vaga que é a mão-de-obra importada.
Talvez assim a consciência desperte.



Comentários

  1. Esta triste forma de "caçar" votos está praticamente "instituída", de tarde forma que já parece ser a imagem de marca de fazer política nos tempos que correm. Por outro lado, também me parece que os votantes já deviam ter percebido que o que é prometido em campanha eleitoral tarde ou nunca se concretiza.

    Abraço.

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  2. O que é realmente triste é que rende mesmo muitos votos.
    Ouvir alguns discursos destse dá náuseas.
    Abraço

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